Você está tentando enganar a quem?!?
por Rosana Braga em Almas GêmeasAtualizado em 21/10/2005 11:19:06
Era a terceira vez que ela me ligava em menos de 10 dias. Até aí, poderia ser ótimo, já que gosto tanto dela... O problema é que ligava sempre aos prantos, extremamente ressentida por causa de certas atitudes que ele havia tomado pela enésima vez.
Cada vez se tornava mais difícil ouvi-la, especialmente porque não conseguia compreender o que a levava a se indignar com algo que me parecia tão repetente e até corriqueiro, de certa forma. Afinal, desde que ela me conta sobre ele e seu jeito de ser, sempre foi assim; nada mudou. Portanto, ela se surpreendia com o óbvio e previsível.
Como sei que esses “nós” que o coração dá de vez em quando são dolorosos de se desatar, tentava mostrar a ela o quanto ela estava insistindo numa relação que não prometia as tais mudanças que ela tanto desejava. Por mais que ela acredite que o ama, é nítido que, na verdade, ela o idealiza.
Ou seja, ela não ama este homem que se mostra a ela do jeito que é. Ela ama um outro, inventado por seus próprios desejos e anseios. Ela deseja se relacionar com uma outra alma e tenta modelar a dele porque tem medo de se dispor a buscar uma nova relação... Assim, já se passaram mais de 4 anos... e ela continua se maltratando por não conseguir transformá-lo no homem que ela gostaria que ele fosse. Ele é quem sempre foi (pelo menos com ela, ele é assim!) e parece que só ela não percebe.
Daí me lembrei de um trecho de um diálogo fantástico entre o rei e o principezinho, do clássico “O Pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry:
“- Se eu ordenasse ao meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem – ele ou eu – estaria errado?
- Vós, respondeu com firmeza o principezinho.
- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei”.
E fiquei me perguntando: a quem será que ela está tentando enganar? A mim ou a ela mesma?!? Sim, porque ninguém, absolutamente ninguém, fica numa situação em que não está ganhando nada. Nem que este “ganho” seja, antes, uma enorme perda.
Então, que seja o papel de abandonada ou o de boazinha; que seja o de mulher que ama sob qualquer condição, tentando obter o lugar de mártir... ou que seja a necessidade de conseguir a atenção das pessoas e, de quebra, não precisar trocar a tão conhecida dor pela possibilidade de experimentar uma nova tentativa de amor, o fato é que ela já deveria ter se dado conta de que só está nesta posição porque quer, porque escolhe, dia após dia, ligação após ligação, reclamação após reclamação, continuar exatamente como e onde está!
Fácil sair?!? De forma alguma! Mas humanamente possível - e sobretudo admirável - quem escolhe a vida, o amor e a coragem, reconhecendo que o outro é como decide ser e cada um de nós fica onde resolver ficar. Continuar somando frustrações por conta das escolhas e atitudes do outro é infantil, é cansativo para quem olha, irritante para quem ouve e sem graça para quem vive. É desperdício, triste e inaceitável desperdício de inteligência.
Por essas e outras, eu tomo aqui a minha decisão. Gosto dela e por isso a escuto. Já cansei de argumentar e abraço a verdade. Isto é: enquanto ela mesma não virar a página e não escolher, finalmente, a si mesma... vai continuar tentando se enganar. A mim, não engana mais.
Desejo, então, do fundo de minha alma, que ela resolva, dia desses, olhar para si mesma, diante do espelho, e dizer: "Menina, acordei! Tenho muita vida pela frente; chega de acreditar que o outro é a razão de minha existência. Ninguém é, além de mim mesma! A partir de agora, compreendo que alguns desejos meus não são os mesmos desejos do outro. Ou eu fico e aceito como é; ou eu pego meu chapéu e parto em busca de meus sonhos"...
E que assim seja para todos aqueles que tiverem coragem de se perguntar a quem estão tentando enganar! Porque senão, meus queridos, a vida acaba e tudo realmente não terá passado de um grande engano!