O império do Mal
por WebMaster em AutoconhecimentoAtualizado em 27/09/2001 14:36:39
Recebido de Ana Cristina Carneiro
Qual a origem do mal? Essa simples pergunta tem atravessado o tempo sem que se consiga respondê-la de forma clara e definitiva. Filósofos, teólogos, tradições esotéricas e mais recentemente a psicanálise tem procurado, em vão, a etiologia do mal no mundo. O conjunto das proposições encontradas não formam um todo pouco menos serviram para aplacar a angústia do que acabamos de assistir no último dia 11 de setembro, a terça feira de dor no mundo.
Outra questão, ainda mais grave do que a primeira, eclode da tragédia americana: por que o mal é sempre o outro?
É uma dura pergunta. Requer humildade para respondê-la. Um pouco mais: qual a natureza dos mecanismos psicológicos defensivos que desviam a atenção do alvo interior e, numa manobra bélica impiedosa, de uma só vez, aponta o canhão nuclear da fúria insana na direção do outro, a quem acusamos de ser o mal?
A honestidade da resposta lançaria um fio de desconfiança sobre a nossa propalada bondade original.
Mitos de destruição e morte não são criações do mundo moderno. Tabuinhas de argilas encontradas na Mesopotâmia (o Iraque) já registravam, milênios antes da ameaça nuclear, a impressionante imaginação da humanidade para o geo-apocalípse. Do dilúvio babilônico, seguiu-se a inundação judaica. Nos dois casos tenebrosos, somente o homem bom e sua família são poupados. Era uma desesperada tentativa de erradicar o mal do mundo. Recomeçar a partir deles. Um mundo novo de suas boas sementes. O plano fracassou.
Se tecnologicamente estamos anos luz distante de nosso passado remoto, miticamente, não avançamos nem mesmo um passo. Vejo a América determinada a caçar cada um dos terroristas, destruir cada um de seus santuários, impor sanções econômicas e embargos comerciais aos países que não se alinharem à marcha do bem, versão ocidental da Guerra Santa fundamentalista.
Que alguns seguidores fanáticos do islamismo vejam os Estados Unidos como o grande Satã e, tomados por este arquétipo aterrador, empreenda uma alucinante jornada de assassínios intoleráveis, é clinicamente esperado.
Conhecemos os efeitos destas idéias messiânicas e os estragos que não cansam de produzir sistematicamente. Tais indivíduos ou culturas, não são psiquiatricamente loucos. Mas, inegavelmente se encontram sob o efeito hipnótico de uma poderosa força mítica, uma visão interior do paraíso, que os aguarda, logo após sua missão suicida-homicida.
Nesta bizarra equação arquetípica, destruir o inimigo de Alá é o mesmo que destruir o inimigo do bem e por extensão, erradicar o mal. A desvantagem do mundo atual é que no passado remoto Deus se manifestava através das catástrofes naturais, sabendo distinguir perfeitamente entre os malfeitores, instantaneamente eliminados, dos filhos do bem, seus protegidos.
Hoje, infelizmente, a situação é outra e mão de deus pode ser vista pilotando um Boeing 767 ou arremessando a bomba atômica sobre o país do mal. Os mitos de destruição saltaram da acervo imaginal dos povos e se materializaram nas ações de terror secular ou messiânica.
Onde o inimigo se esconde? Nas montanhas? Num pequeno apartamento em subúrbios alemãs? Em cursos aeronáuticos? Que língua fala? Tem estranhos sobrenomes? E que religião professa? De saída, uma primeira descoberta. O inimigo não se parece com os assustadores personagens dos filmes de ficção. Não é um extra-terrestre.
A compreensível paranóia americana chegou a um grau tremendamente perigoso. A exortação mundial por uma cruzada escatológica para vencer o mal dá aos Estados Unidos uma fisionomia muito próxima daquela que pretende erradicar. Indícios de um fundamentalismo americano começa a pulular em toda mídia. Chargistas de diversos jornais tem retratado George W. Bush vestido com a indumentária islâmica ou fazem sair de sua boca saudações religiosas do Islã. A atmosfera religiosa da declaração de guerra dos americanos do norte ao Afeganistão e seus supostos aliados tem chamado a atenção dos especialistas. A última declaração do secretário de defesa americano Donald Rumsfeld dá o tom do ambiente interno na Casa Branca. Ele batizou o conflito com um impressionante nome: Justiça Infinita. Talvez intuindo que o mal tenha a mesma propriedade emprestada à justiça.
O mal existe. Por isso mesmo deve ser tratado com muito respeito. A justiça está no mundo exatamente para corrigir o mal, cujo conduto mais expressivo é a gritante diferença econômica entre os povos. O mal não é a privação do bem como pensavam os piedosos cristãos do passado. É uma entidade em si. Pode ser vencido, jamais destruído. As armas para detê-lo, não são bélicas mas espirituais. Somente o homem que conhece o mal dentro de si mesmo e conscientemente renuncia a ele, não se deixa enganar por suas infinitas feições e pode enfrentá-lo com as armas adequadas e vencê-lo. Livrai-nos do mal é um mantra de extrema sabedoria. Nem sempre possível, porque o inimigo pode tomar a iniciativa e buscar o tenebroso encontro. Nunca metáforas do mal ganharam tanta realidade como nas expressões que se seguiram logo após o terrorismo aeronáutico: o inimigo não tem rosto. Ou, a quem devemos atacar?
O mal como sombra se movimenta, engolindo vidas. Sem pátria e sem território fixo, destrói e dissolve-se na fumaça da tragédia que promoveu.
A vingança catártica, foi engolida e, o que o piora tudo, adiada. Planos de ódio serão cuidadosamente elaborados. Invasões e bombas do bem, serão jogadas sobre a cabeça de populações culpadas ou inocentes. Não importa. A luta é contra o mal. Crianças mortas, mutiladas, órfãos... carnificina.
"Temos as mesmas condições de dor nos Estados Unidos". E o mundo é um lugar cada vez pior para se viver. Olharemos uns aos outros com desconfiança. Se o inimigo não tem feição, ele é todos os rostos de uma só vez e todas as línguas diferente da do bem. A era da intolerância chega mais perto.
O que é importante saber é que a luta entre o bem e o mal constitui o enigma da criação. Não pode ser resolvido com Guerras. Morte e destruição são os alimentos do mal no mundo. Rancor, ódio, indiferença, arrogância são seus nutrientes. Mesmo quando se mata para promover o bem, se constrói o mal. Resistir ao mal aliando-se à justiça: eis aí o simples segredo do bem.
JOSÉ RAIMUNDO GOMES Psicólogo Clínico.
Centro Brasileiro de Psicologia Junguiana.
E-mail: [email protected]