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A segunda tarefa para amar

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 11/03/2005 11:24:47


Este é o segundo de uma série de quatro textos que visa inspirar o leitor a praticar as quatro tarefas necessárias para aprender a superar a natureza ilusória do amor romântico e, mesmo assim, levar a vida com paixão. Volte ao texto anterior e releia o Mito de Psiquê.

A primeira tarefa consistiu na importância de identificar e expressar com clareza nossos valores, sentimentos e necessidades. Agora, a segunda trata de olharmos para além de nós mesmos: compreender que o universo é maior do que o nosso próprio mundo.

Na segunda tarefa, Afrodite ordena a Psiquê que junte alguns velos dos grandes e agressivos carneiros dourados de sol que, enquanto pastam em torno do rio, dão-se marradas disputando o domínio do rebanho.

Inicialmente, Psiquê até crê que dará conta do recado, mas ao confrontar-se com a força poderosa da agressividade, mais uma vez se desespera e planeja jogar-se no rio. No entanto, o deus Hélio (o sol) refletido nas águas do rio a alerta: “À noite, os carneiros adormecem. Você pode então colher a lã dos arbustos nos quais os carneiros se esfregaram durante o dia”.

O desafio desta segunda etapa nos ensina a lidar com o poder das forças destrutivas, assim como a auto-agressão. O mito nos diz para abandonarmos o espírito da competição para atingir nossos objetivos. Ele nos inspira a negociar em vez de agredir. Isto é, a usar nossa astúcia e a força pessoal no mundo competitivo sem nos deixarmos atemorizar por ele, o que nos levaria a nos tornarmos rígidos e acuados.

Quando o espírito competitivo se estabelece numa relação, ela se torna intoxicada: surge a irritação como alerta de que não há energia disponível para a atração, quer dizer, desejo de proximidade. Sem que se dê conta, a competição surge até na capacidade de provar quem ama melhor! No entanto, nesta etapa não há espaço para vitimização. Por exemplo, quem sempre abre mão de suas reais prioridades em prol do outro, deve refazer a primeira tarefa!

Quando se estabelece na relação um código de que quem ama deve se sacrificar, o casal passa a competir na dor: quem agüenta mais tempo calado evitando expressar suas próprias necessidades. No entanto, essa imagem de aparência tolerante e heróica nos torna cada vez menos disponíveis para nos sintonizarmos com as necessidades mais profundas de nosso parceiro. É como se estabelecesse na relação uma regra secreta na qual ninguém terá direito a regalias, apenas a deveres! Assim, sem nos darmos conta, estaremos competindo na capacidade de suportar uma tensão subjacente que passa a crescer sob a aparência de que tudo vai bem... enquanto nenhum dos dois reclamar!

A artificialidade impede a comunicação sadia entre duas pessoas, pois ela desperta uma atitude de se “estar em guarda” que é o oposto da confiança. Quando não há espaço na relação para ambos expressarem seus sentimentos mais profundos, algo torna-se paralisado, assim como o ar pesado logo antes de chover. A chuva ao cair traz frescor e renovação. Os sentimentos, quando arejados, deixam as relações energizadas...

Sentimentos de origem profunda como rejeição e abandono podem estar encobertos por atitudes de indiferença e até mesmo de desprezo pela atenção alheia. No entanto, eles estão lá em nosso interior, esperando por atenção, consciência e clareza.

O antídoto de uma competição subjacente é a expressão da verdade: cada um deve encontrar uma forma de expor suas necessidades ocultas. Esperar que o outro as adivinhe é uma tortura para nós mesmos e uma armadilha para o outro. Pois, se ele não souber adivinhá-la, será julgado e punido por sua insensibilidade. Como mulher, posso confessar que reconheço que nós mulheres encaramos facilmente como rejeição a fragilidade de um homem. Às vezes eles simplesmente não sabem se expressar!

Quando nos sentimos bloqueados, incompreendidos ou incapazes de compreender, passamos a ter a desconfortável sensação de inexistência diante do outro, como se disfarçássemos nossa presença agindo como se não “precisássemos” ser vistos. No lugar de preencher esse vazio com fantasias de auto-anulação, o melhor é simplesmente declarar abertamente para o seu parceiro: “Preciso de mais esclarecimento”!

Quem tem medo de se expressar tem medo de não ser aceito, por isso pensa que precisa sempre estar agradando. No entanto, cansa estar ao lado de pessoas que não se revelam.

Certa vez, Lama Michel me disse: “Não é porque alguém está mal com você que você tem que ficar mal com ele. Só te resta um treino de paciência”. Neste momento, é como querer organizar as nuvens... é impossível! Há um momento certo para tudo, às vezes precisamos largar o conflito e esperar que as coisas se auto-organizem, pois acabamos por criar interferências ao querer organizá-las. Outras vezes, temos de agir prontamente.

Dr. Harville Hendriz, em seu livro Todo o Amor do mundo, comenta: “No trabalho com casais, já testemunhei tantas vezes esse fenômeno no qual a cura se manifesta como um processo de mão dupla, que hoje posso dizer com segurança que a maioria dos maridos e mulheres tem necessidades idênticas, mas o que um reconhece abertamente é negado pelo outro. Quando o parceiro que nega consegue vencer sua resistência e satisfazer a necessidade do que declara, uma parte do inconsciente interpreta o novo comportamento como ser fosse voltado para seu próprio benefício. O amor por si mesmo é obtido através do amor pelo outro”.

É interessante que quando um dos parceiros revela com honestidade e amor algo que o incomoda, o outro passa a escutá-lo com mais abertura, pois sabe então, intuitivamente, que desta forma ele também terá a oportunidade de expressar-se sem defesas. Assim, gradualmente o espírito competitivo se dilui e surge a confiança de poder ver o outro e ser por ele visto.

Confira semana que vem a terceira tarefa de Psiquê!



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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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