Agora que voltei para casa - Capítulo 12
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 30/07/2004 11:31:50
Que emoção indescritível ver sua figura familiar diante de mim, constatar sua surpresa misturada com alegria, é como se o tempo tivesse voltado para trás, é como se toda a angústia dos últimos três anos tivesse se dissolvido. É como se meu barco estivesse atracando num porto familiar e amigo. Desde as primeiras palavras percebo que nada mudou entre nós, ele me acolhe como a coisa mais natural deste mundo. Seu único comentário sobre minha situação: “Infelizmente”.
Não consigo acreditar que estou de novo sentada ao seu lado, dentro de seu carro, sentindo as mesmas emoções que me acompanharam durante dezesseis anos. A notícia que mais esperava é música para meus ouvidos: ele não se casou, continua livre.
Sinto que existem muitas interrogações suspensas em seu olhar, mas ele procura ser o mais discreto possível, falamos de coisas corriqueiras. Meu maior orgulho é poder lhe comunicar meu novo endereço, onde ele pode me visitar quando quiser.
Agora, toda vez que ouço uma buzina mais insistente, corro à janela para ver se não é ele.
O som da campainha me faz pular em direção da porta. Ele vem, elogia meu apartamento e se comporta com o mesmo ímpeto de sempre, só que agora as antigas preliminares são rapidamente substituídas por jogos mais adultos.
Tudo é muito rápido, ele precisa ir embora logo e me deixa com a promessa de voltar o quanto antes. Eu fico atordoada, não consegui saborear em profundidade o prazer de nosso reencontro, mas estou tão absurdamente feliz por este presente inesperado que nem penso em lamentar alguma coisa.
Agora toda minha vida gira em torno de suas eventuais visitas, tudo o que faço adquire um sabor peculiar, quando temperado com suas aparições. Naturalmente, como tudo o que sempre se referiu à minha vida afetiva e em especial modo com relação a ele, nossos encontros são cercados do mais absoluto segredo.
Eu gostaria de poder compartilhar com ele todos os sentimentos que minhas últimas experiências me trouxeram, mas tudo esbarra no tempo limitado que temos à disposição, mal dá tempo de dar vazão a nosso desejo, e já ele precisa ir embora. A única coisa que sei dele é que seu trabalho o absorve por completo, e também desconfio que, embora não esteja casado, ele vive com uma mulher. Quando lhe pergunto diretamente porque não se casou com ela, a resposta que recebo me faz crer que não a considera a mulher de sua vida.
Mas não estou em condições de reivindicar nada, o simples fato de que ele venha me ver já é um milagre suficiente.
Enquanto isso, meu trabalho na USP exige que me dedique à pesquisa, que prepare uma tese de mestrado, não há tempo para aprofundar demais as questões pessoais.
Agora também tenho um carro que me facilita a vida, ao mesmo tempo que me provoca um frio na barriga toda vez que tenho de sair com ele.
Uma coisa que me preocupa é a evolução de minha doença. Um dos meus alunos me alertou contra os perigos dos remédios fortes que estou tomando, sugeriu-me trocar o tratamento pela medicina homeopática. Ele mesmo me indica o nome da maior autoridade no assunto.
As consultas com esse médico são muito demoradas e minuciosas, nunca pensei que um médico entraria nos meandros mais recônditos de minha personalidade. É como se estivesse sendo psicanalisada, é uma agradável novidade poder confiar a um profissional experiente os detalhes mais íntimos de meu ser. O meu médico também é um apaixonado por literatura; é muito erudito. Minhas consultas são sempre intermináveis, eu fico um pouco aflita pensando na longa fila de pacientes na sala de espera, mas ele parece não se importar.
Estou voltando a sentir o sabor da auto-confiança. Sinto-me assistida do ponto de vista médico, tenho um trabalho que amo e me faz sentir plenamente realizada, moro sozinha como sempre desejei, não dependo de ninguém para me sustentar. Ainda nem acredito que consegui me desvencilhar de meu pesadelo conjugal. E, ainda por cima, posso alimentar a esperança de refazer minha vida afetiva ao lado de meu grande amor. O que mais posso desejar?
Parece que algo dentro de mim me impele a procurar cada vez mais a presença de M., nossos encontros se tornam mais freqüentes e mais ardentes, há uma espécie de urgência interna que nos atrai como um ímã.
Sinto-me muito mais feminina e amorosa, algo mudou dentro de mim. Tenho a suspeita de que algo maravilhoso tenha acontecido, a alterar meu ritmo biológico.
É algo que no fundo sempre desejei, embora não tenha planejado que acontecesse. Estou tão feliz com a perspectiva, que durante nosso encontro menciono para ele esta possibilidade, embora não tenha certeza de nada. Sua reação às minhas palavras faz gelar o sangue em minhas veias. É como se um raio tivesse caído em cima de sua cabeça. Veste-se rapidamente e sai, prometendo me telefonar.