Agora que voltei para casa - Capítulo 13
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 06/08/2004 13:22:08
Por ironia do destino, eu acabara de receber meu primeiro telefone, depois de longos anos de espera, e aquele seria o primeiro telefonema dele para mim.
Ainda preciso esperar o tempo útil para fazer o exame que comprove meu estado. É a espera mais angustiante de toda a minha vida. Se não tivesse cometido a imprudência de compartilhar uma suspeita que poderia não se confirmar, não precisaria estar sofrendo tanto por antecipação. É que estava tão feliz com a possibilidade, e tão segura dos sentimentos dele, que não me passou pela cabeça que ele poderia ter aquela reação assustadora.
Mas este silêncio aterrador é a prova mais eloqüente de suas verdadeiras intenções.
Quando o resultado do exame confirma minhas suspeitas, e é mais do que evidente que ele não vai me telefonar, é como se acordasse bruscamente de um sonho. Estou diante de um fato concreto da maior gravidade, e cabe só a eu decidir que rumo dar à minha vida.
A distância que sinto de meus familiares é grande demais, não tenho condições de recorrer a eles para me aconselharem. A decisão que vou tomar precisa ser rápida, o tempo corre contra mim.
A angústia é tanta, que acabo revelando minha situação a alguma amiga, mas aí também fica claro que ninguém pode me ajudar nesta hora.
Cada minuto que passa aproxima cada vez mais a espada de minha cabeça.
Ao cúmulo do desespero, engolindo meu orgulho, decido telefonar para comunicar a M. meu estado e dizer que, mesmo sem contar com seu apoio, resolvi arcar com as conseqüências de assumir sozinha esta criatura.
Tremendo como uma folha, disco o número tão familiar e a voz, tão familiar, que me responde diz com todas as letras: “Não, não é daqui”.
A dor que eu sinto é exatamente como se alguém enfiasse uma faca em minha barriga.
Falo algumas coisas sem nexo no telefone e começo a vomitar sem parar. Quando me acalmo, é para constatar que aquele sentimento de orgulho que eu sentia, por possuir um bem precioso que era só meu, se transformou num sentimento desconhecido, muito ruim, e impossível de suportar. Não me sinto no direito de envolver uma criatura inocente em mais um dos meus colossais equívocos. Tenho medo de já ter começado a envenenar esse embrião inocente. Depois de tantas dúvidas angustiantes, a verdade com que me deparo é que não tenho a menor estrutura para arcar com uma responsabilidade tão grande. Não suportaria pôr no mundo uma reprodução de mim mesma, já marcada de antemão pelo estigma da rejeição.
Como um autômato, e com uma lucidez espantosa, tomo todas as providências para acabar o mais depressa possível com esta agonia, é como se fosse amputar um membro gangrenado.
Agora que tudo está consumado é que tenho a nítida sensação de ter-me transformado num galho seco.
Exatamente nove meses depois do acontecido, M. bate à minha porta, pedindo para entrar. Seguindo o primeiro impulso, quase o faço rolar escada abaixo. Eu mesma fico assustada com minha reação irracional.
Na esperança de encontrar algum alívio, planejo uma viagem à Europa com uma amiga.
Todos os lugares familiares, em vez de me trazerem paz, perderam completamente seu charme, nada tem a menor graça.
É preciso encontrar um novo cenário para que minha alma receba um pouco de refrigério.
É em Assisi que a pedra de ódio que carrego dentro de mim consegue explodir como um abscesso que vem a furo. No convento de Santa Clara, tenho um encontro emocionante com uma irmã Clarissa, que fala comigo atrás de um biombo, coberta por um véu, e me promete orar por mim e pelo Brasil.
Desço sozinha até a cripta onde repousa o corpo embalsamado da santa, e diante daquela presença que me projeta em outra dimensão, deixo finalmente dissolver o bloco de pedra que me sufoca, num pranto irrefreável e libertador.
Compreendo finalmente que se não conseguir extirpar de mim este ódio que entranha todo meu ser, todos os sofrimentos de minha vida terão sido em vão.
O que acontece na presença da santa é o primeiro passo para minha desintoxicação.