Agora que voltei para casa - Capítulo 23
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 14/10/2004 21:37:41
Sentia que o tratamento biocibernético também tinha chegado a um impasse, talvez por causa de todas as minhas mudanças. Estava muito inquieta porque tinha plena consciência de estar vivendo uma fase de transição, antes que a verdadeira tarefa, que eu não sabia ainda qual era, se manifestasse.
Uma coisa era certa: não queria nenhuma aproximação com o mundo acadêmico, aliás sentia-me como se nunca na vida tivesse pertencido àquele mundo. Evitava dizer às pessoas qual tinha sido minha profissão, como se dela tivesse vergonha. Minha auto-estima nunca estivera tão baixa. Mais do que nunca sentia a necessidade de respostas sobrenaturais.
Já estava bastante claro para mim que não era indo assistir religiosamente à Missa e comungando sem parar que meus problemas terrenos seriam resolvidos. Minha ligação com o Cristo ia muito além dos limites colocados pela Igreja Católica. Meus apelos se dirigiam a quem realmente pudesse me ouvir e iluminar meu caminho. Sabia que, de uma maneira ou de outra, a resposta não tardaria a chegar.
Foi assim que um dia, indo a uma aula de ginástica fora de meu horário, encontrei uma amiga que me mostrou o folheto de um curso no qual ela tinha acabado de se inscrever. Foi só bater o olho naquele papel para sentir o impulso irresistível de ir correndo me inscrever também. Na verdade não tinha entendido quase nada do que aconteceria, mas algo me dizia que era o que eu estava esperando.
A proposta era de ir passar quatro dias num lugar afastado de São Paulo, num grupo só de mulheres, que seria coordenado por uma mulher que vinha especialmente da Índia para nos iniciar aos mistérios da “pulsação tibetana”.
Haveria uma palestra, em São Paulo, proferida por essa mulher na véspera do curso, para termos um primeiro contato e as instruções de ordem prática.
Desde o primeiro momento em que meus olhos se pousaram no rosto dela e desde suas primeiras palavras, senti uma paz indescritível tomar conta de mim. Tudo o que ela dizia soava como música para meus ouvidos e saí de lá feliz e saltitante como há muito tempo não me sentia.
Quando chegamos ao lugar em que se daria o curso, tudo me pareceu perfeito e familiar. Os chalés no meio da vegetação, a piscina com flores naturais boiando em sua água azul, uma calma emanando de tudo e de todos. O salão tinha sido forrado com colchões e impecáveis lençóis brancos cobrindo tudo. No lugar de honra, cercado por flores, cristais de todos os formatos e cores, incensos deliciosos e essências delicadas, o retrato impressionante, vivo, ampliado, da figura carismática daquele que é o mestre iluminado dos sannyasins (esta palavra eu ouvia pela primeira vez em minha vida), aos quais ele transmitira seus ensinamentos...
A mulher que vinha da Índia tivera o privilégio de tê-lo como seu mestre ainda em vida. Eu fui para esse encontro sem saber nada de tudo isso, e foi a minha sorte. Se soubesse com antecedência que haveria um altar dedicado a esse mestre e, pior ainda, se soubesse de quem se tratava, certamente não teria ido. Meu preconceito me impediria de ter uma experiência única só porque estava condicionada a julgar as pessoas, a descartar aquelas que de alguma forma estavam estigmatizadas pela moral vigente. Puxando pela memória, lembrei-me vagamente de ter visto na televisão e nos jornais, alguns anos atrás, aquela figura de hindu, de longos cabelos e barbas proféticas, excentricamente vestido, que andava de limusine, cercado de lindas mulheres, e que estava sendo perseguido nos Estados Unidos por causa de sua conduta julgada imoral. Certamente teria sentido rejeição, se soubesse de antemão de quem se tratava. Além do que, há muito tempo já tinha decidido para mim mesma que não iria cultuar nenhum ser humano, por mais iluminado que ele fosse.
Mas lá estava eu, fazendo parte de um grupo que certamente não tinha se juntado por acaso, bebendo as palavras daquela mulher fantástica. A primeira coisa a me impressionar era a extrema elasticidade dela, aos cinqüenta anos, podendo fazer praticamente qualquer movimento de dançarina, sendo que, segundo ela mesma contara, tinha estado extremamente gorda e doente quando jovem.
Sua maneira de falar clara, precisa, direta, simples, suave, com a pitada de humor de quem sabe cativar sua platéia durante horas, me hipnotizava. Parecia ter um conhecimento ilimitado de qualquer problema que afetasse os corpos físico, psíquico e espiritual. Sua capacidade de perceber absolutamente tudo que estava se passando à sua volta, por imperceptível que fosse, devia lhe vir de uma sabedoria armazenada através dos séculos.
A proposta era que nos submetêssemos a um programa bastante intenso que incluía meditações, catarses e, principalmente, sessões de pulsação tibetana que eram realizadas em duplas. O objetivo era atingir camadas profundas e esquecidas daquilo que tinha sido gravado em cada um de nós desde o nascimento, com o intuito de liberar o que havia de negativo e transformar as energias em positivas. (Isso não foi dito por ninguém com essas palavras, eu é que estou sintetizando assim a minha maneira de viver a experiência).
Antes de qualquer abordagem, porém, ela tivera o cuidado de nos familiarizar umas com as outras, ensinando-nos técnicas muito suaves de compartilhar com uma parceira escolhida as informações, sensações, que nos transformavam como num passe de mágica em velhas conhecidas.
As posturas da pulsação tibetana, para alguém que como eu apresenta sérias limitações físicas, no começo equivaliam a uma sessão de tortura. Tratava-se de ficar, durante quarenta e cinco minutos, numa determinada posição, atuando sobre um ponto específico do corpo da parceira. Tudo se desenvolvia no mais absoluto silêncio, embalado por uma música especial. Após esse período de tempo, a posição era invertida e a parceira “passiva” transformava-se em “ativa”, e vice-versa. Isso significava ficar, por exemplo, com uma perna estendida agüentando o peso da cabeça da parceira em cima do joelho, sem se mexer. Houve momentos em que tive vontade até de chorar, de tão penosa que estava sendo a experiência. Mais uma vez me via às voltas com uma tarefa maior do que eu, que eu mesma tinha ido buscar. Chorava de impotência, por causa das minhas limitações físicas que me obrigavam a um sofrimento muito maior do que as outras pessoas tinham de suportar. Assim mesmo, obedecia às incitações da mestra no sentido de ultrapassarmos nossos limites, para que a transformação fosse mais efetiva.