Agora que voltei para casa - Capítulo 33
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 23/12/2004 18:56:52
Essa passagem da mente para o coração tem feito toda a diferença.
Não me é novidade saber que a vida inteira dei mais importância aos frutos da árvore da mente.
De uns anos para cá passei a desconfiar desses frutos, como se eles fossem envenenados. Agora, depois de minhas últimas descobertas, tenho tentado transformar minha mente em minha melhor amiga, uma parceira insubstituível.
Um dos primeiros, preciosos resultados do trabalho nos grupos de S. foi a constatação de quanto eu ainda estava me iludindo a respeito de mim mesma. O trabalho nestes grupos, em vez de reforçar uma autoconfiança ilusória, como tinha acontecido nos grupos anteriores, me colocou frente a frente com todas minhas verdades, as boas e as más.
De certa forma, sempre acreditei que o fato de ter conseguido sobreviver sozinha, sem a ajuda de ninguém, e sem ter prejudicado ninguém, era mérito suficiente para esperar que a vida me supriria de tudo o que faltasse.
Continuo pensando que existe uma lei de causa e efeito que protege quem procura ser honesto consigo mesmo e com o próximo. Mas agora já comecei a desconfiar que a vida não irá bater à minha porta, me trazendo um leque de ofertas de onde eu possa escolher a que mais me agrada.
Todos os álibis do passado, para justificar certa inércia de minha parte, não se sustentam mais.
O que os grupos de S. me mostram é que, se eu não aprender a reconhecer e a atender minhas necessidades básicas emocionais, se eu insistir em só cobrar de mim mesma resultados eficientes, sem dar ouvido aos apelos do coração, não conseguirei sair do lugar.
Nos primeiros tempos, tive de amargar uma situação bastante humilhante, que pôs à dura prova minha auto-estima. Enquanto estava em contato com o grupo, tudo me parecia perfeitamente claro, ficava feliz com as descobertas que levava para casa. Mas era só voltar a ficar sozinha, que as velhas dificuldades teimavam em me perseguir.
Isso no início me parecia desesperador, era como se a minha cabeça fosse tão dura, que esquecia imediatamente o que acabara de aprender.
Cansei de ter sessões individuais com A., a coordenadora de nosso grupo, que praticamente toda vez repetia as mesmas observações sobre os aspectos de mim mesma que só eu não conseguia enxergar. Era como se ela falasse uma linguagem desconhecida.
Precisei de muitas sessões individuais e em grupo para enxergar o óbvio: não se tratava de entender com a mente, eu precisava acionar o caminho do coração.
Levei um tempo enorme, com a ajuda do grupo, para compreender o seguinte: eu não estava acostumada a reconhecer a voz dos meus sentimentos, dos meus desejos.
Era muito difícil, para mim, falar aos outros sobre aquilo que sentia, pela simples razão de que eu mesma não sabia reconhecer de imediato esses sentimentos. Toda vez que, no grupo, eu devia manifestar algo que estava sentindo naquele momento, ficava travada, como se tivesse dado um curto-circuito no meu sistema.
Tinha uma extrema habilidade (surpreendente para mim mesma) para detectar nuances muito sutis... nos processos dos outros, mas quando se tratava de perceber as minhas, era aquele vexame.
Sempre soube que é muito mais fácil enxergar o que se refere aos outros do que aquilo que nos diz respeito, mas não tinha consciência de quanto tinha me afastado da linguagem do meu próprio coração.
Aos poucos, como se subisse do fundo de uma caverna em direção à luz solar, fui decifrando um a um os significados daquilo que me aconteceu na minha vida inteira.
Como S. sempre repete, cada um de nós vem neste “capítulo” para resolver uma única questão, que se reflete em todos os aspectos de nossa existência. Se conseguirmos localizar essa questão, que se revela ao longo de toda a vida, nos levando a repetir os mesmos erros, teremos descoberto o que viemos aqui fazer.
O trabalho do grupo se chama “auto-reconhecimento” porque o que precisamos fazer é simplesmente reconhecer o que aí está desde sempre, à espera de ser revelado, para que possamos cumprir nosso propósito nesta vida. O problema é que, em geral, pensamos ter reencarnado para realizar algum feito mirabolante, de altíssima repercussão, e nos frustramos ao constatar que a vida não nos oferece tal oportunidade. Pensamos então ter fracassado. Não percebemos que o trabalho mais difícil, e essencial, é o de reconhecer quem somos, e qual é a questão que viemos trabalhar.
Por não conseguirmos nenhum feito extraordinário, ficamos à espera que determinadas condições ideais se concretizem para empreendermos alguma coisa. É exatamente o contrário que vai garantir que algo aconteça: é preciso dar o primeiro passo, por mais insignificante que pareça, para que as coisas se ponham em movimento. (Esta é uma das armadilhas mais comuns, porque sempre poderemos culpar as circunstâncias para justificar nosso imobilismo).
Aprendi no grupo que a vida nos coloca em situações, e nos cerca de pessoas, que são feitas para nos lembrar a dificuldade que precisamos superar.
Acontece que em geral interpretamos tudo ao contrário: em lugar de observar o que nos cerca e enxergar aí oportunidades de aprendizado, temos a tendência de culpar essas situações e essas pessoas, como se fossem responsáveis pela nossa infelicidade ou nosso fracasso.
É assim, por exemplo, que percebi que as pessoas da minha família, as pessoas com que me relacionei, estavam aí para me lembrar de minha dificuldade em acessar meus sentimentos e manifestá-los. Eu é que deveria ter criado a ponte para chegar a eles, e não esperar o contrário. Em vez disso, senti-me traída por essas pessoas, como se elas tivessem obrigação de adivinhar aquilo que eu tinha escondido lá no fundo do meu coração, encobrindo-o tão bem a ponto de não saber mais interpretá-lo nem para mim mesma.
Durante toda a vida sempre me pareceu fundamental entender o porquê daquilo que me acontecia. Mobilizei todas as minhas energias para que as coisas fizessem sentido. Era como se, desde que eu entendesse, tudo seria mais suportável. Com isso, me afastei cada vez mais de viver realmente a vida, estando preocupada demais em entender para poder saborear realmente o que estava à minha volta.
Até hoje eu não sei de onde vem esta minha dificuldade de lidar com os sentimentos. Seja qual for sua origem, mais importante do que saber é procurar prestar atenção em mim mesma e viver de verdade todas as oportunidades de fazer aflorar minhas emoções e compartilhá-las.Também não sei por quê sempre precisei mostrar uma força física e psíquica que estava longe de ter, fazendo de conta que podia tirar de letra todas as dificuldades que a vida me apresentava. (Acima de tudo, sempre achei sinal de fraqueza me queixar de algum problema ou, pior ainda, chorar na frente de alguém).
Não sei também por que sempre acreditei que é muito mais meritório agüentar tudo sozinha, sem repartir com ninguém a tarefa.
O resultado prático de todas essas crenças foi sobrecarregar todo meu sistema com um fardo maior do que poderia suportar.
Foi assim que, sob a aparente capa de superioridade e de orgulho, disfarcei tão bem minhas carências que o resultado só poderia ser o de fazer doer cada um dos meus ossos.
Foi mais fácil procurar um antídoto para as dores físicas do que admitir tudo aquilo que sufocava meus verdadeiros anseios.
O mais engraçado é que justamente quando pensamos estar disfarçando algum sentimento, esquecemos que “o corpo fala” e na verdade o que se quer esconder fica pateticamente à mostra para quem quiser ver.