Agora que voltei para casa - Capítulo 4
por Angela Li Volsi em EspiritualidadeAtualizado em 04/06/2004 11:52:28
Já tinham se passado seis anos de minha chegada ao Brasil, mas eu não esquecera um projeto que tinha jurado a mim mesma que realizaria: voltar para a Itália. Apesar de estar vivendo uma fase de minha vida das mais interessantes, não conseguia deixar de me sentir no exílio.
Terminado o primeiro ano de faculdade, não hesitei em abandonar emprego e estudos. Com meu dinheiro, comprei uma passagem de navio, enchi o mesmo baú que tinha trazido para cá, e embarquei num navio ainda maior, de volta à minha terra.
Esta segunda viagem foi muito mais emocionante: finalmente estava sozinha e dona do meu nariz. Não que isso mudasse grande coisa na minha maneira de me ver e de me relacionar com os outros, de tal forma estavam arraigados em mim os princípios católicos e o obscuro medo de infringir algum tipo de lei.
Mesmo assim, acabei me apaixonando perdidamente por um homem enigmático, que só aparecia à noite em companhia de um amigo, e que puxou conversa com um pretexto qualquer. Era um italiano que vinha da Argentina, e que também queria voltar definitivamente. Gostei imediatamente de seu jeito brusco e direto de dizer as coisas, fascinava-me aquele ar de mistério que o cercava. Parecia um homem muito experiente, tratava-me sem muitas cerimônias. Atraía-me como um ímã, vindo dele, um quê de superioridade e de autodomínio, que me subjugava. Em uma de nossas conversas, mencionou certas práticas de yoga, que ele usava, e que eu imediatamente desejei poder conhecer. Nosso relacionamento (que também não foi além dos costumeiros beijos e carícias que uma donzela se permitia naquela época) foi bastante tumultuado em razão de minha imaturidade e de sua grosseria. No fim da viagem eu decidira que não queria mais saber dele, embora isso me custasse um sofrimento desconhecido até então.
Quando chegamos no porto de destino eu me recusei a lhe dar meu endereço. Assim mesmo, ele me pediu para que eu segurasse um pacote enquanto ele passava na alfândega. Sem dizer uma palavra, fiz o que ele me pedira.
Ao chegar na casa onde tinha nascido, e onde ainda moravam meus tios que iriam me hospedar, todas as emoções da viagem e da chegada se juntaram para me fazer cair de cama. Quando pude recobrar meu estado normal, me dei conta de que, se quisesse apaziguar meu coração, precisava ao menos descobrir o endereço de L., meu misterioso companheiro de viagem. Movi céus e terra até conseguir a informação, mas decidi não tomar nenhuma iniciativa por enquanto.
Eu já tinha retomado os contatos com todos meus parentes e amigos, a alegria de ter voltado ao meu habitat natural compensava qualquer frustração. Continuava com minha auto-estima em alta, porque todos me elogiavam pelos progressos alcançados. Agora precisava consolidar minha situação em minha terra, e a primeira providência seria encontrar um bom emprego. Com a ajuda de um parente, consegui um emprego de secretária na firma de um diretor suíço, onde poderia utilizar meus conhecimentos de francês.
Passada a euforia dos primeiros tempos, não tardaram a se manifestar os contrastes entre minha vida presente e aquela que tinha deixado no Brasil. O que mais me fazia falta era a liberdade de ir e vir que conquistara a duras penas em São Paulo. Lá eu podia trabalhar o dia inteiro, ir à faculdade, chegar em casa à meia-noite, sem que isso causasse estranheza.
Tirando os resmungos de minha mãe, que naturalmente não ia deitar enquanto não chegasse, ninguém tinha motivos para me criticar.
Aqui eu tinha de prestar contas de todos meus movimentos para os meus tios, que se sentiam responsáveis por mim e deviam achar muito estranha minha desenvoltura em querer ficar fora de casa. Uma de minhas tias jurara que tinha me visto, da janela, entrar no carro de um desconhecido. Quanto mais eu quisesse explicar que se tratava de um equívoco, mais eles ficavam desconfiados.
No trabalho tive de me defrontar com as hipocrisias, as mesquinharias, as invejas e as bajulações de quem compartilhava o mesmo espaço e disputava um lugar ao sol.
Não tinha liberdade de me abrir com o parente que tinha me conseguido o emprego, porque percebi que ele estava alimentando outro tipo de interesse por mim. Foi muito difícil desiludi-lo, porque o considerava uma das pessoas mais decentes e mais generosas que já tinha encontrado, mas não estava apaixonada por ele.
Na minha cidade tinha ido visitar a mãe de M., que ficou encantada de me conhecer, principalmente porque lhe trazia notícias de seu filho adorado. A distância dele e a proximidade de uma eventual nova família fizeram ressurgir em mim a velha chama, sobretudo porque nossa união significaria me libertar de meus parentes, que decididamente não me compreendiam.
De repente, tudo aquilo que tinha deixado no Brasil se revestia das cores e do brilho do que mais poderia almejar para me sentir realizada.
Assim como no Brasil não sossegaria enquanto não realizasse meu sonho de voltar para a Itália, agora tudo que estava vivendo se tornara insuportável; era urgente refazer o caminho de volta.
Após seis meses de experiência italiana, retomei o mesmo navio na direção oposta.