Não reagir como forma de proteção
por Bel Cesar em EspiritualidadeAtualizado em 23/10/2008 13:10:33
Creio que a maioria de nós já vivenciou pelo menos uma situação de agressão no trânsito de São Paulo: assaltos, seqüestros-relâmpago, acidentes, fechadas e brecadas bruscas são experiências desagradáveis, que marcam nossa memória com sustos e nos deixam cada dia mais alertas e tensos.
Outro dia, estava na faixa esquerda da Av. Dr. Arnaldo para fazer o contorno em direção ao Pacaembu quando o sinal fechou e eu parei o carro. Inesperadamente, o motoqueiro à minha direita deu um soco no vidro da frente e gritou: “Olha lá como você dirige! Você quase pegou minha perna!”. Assustada, olhei para ele como quem não estava de fato entendendo nada. Afinal, não estava dirigindo rápido, nem havia brecado bruscamente e muito menos senti ter tocado na sua moto... Enfim, devo ter dado um susto nele também! Mas logo vi que não havia jeito de pedir desculpas ou tentar melhorar a situação: ele colocou a sua moto na frente de meu carro, e com voz e olhar raivosos, gritava, me convidando para um duelo sem precedentes.
Vulnerável diante de sua ameaça, senti meu coração acelerar. Então, instintivamente abaixei os olhos e repeti interiormente inúmeras vezes a frase “Esta raiva é sua, fica com ela...”. Num misto de nervosismo e certeza, tive a intenção clara de lhe enviar uma mensagem direta: eu não estava disposta a brigar. O sinal de quem estava para seguir a avenida em frente abriu e ele, ainda me xingando, foi embora. Aliviada, senti o efeito da adrenalina em meu corpo enquanto deixava aquela situação para trás. Lembrei de um conselho de Lama Michel: “Quando uma pessoa está nervosa, não tente convencê-la de nada; falar só vai deixá-la mais irada”.
O budismo nos ensina a responder às situações em vez de reagir a elas, pois nos conscientiza de que uma reação irracional e automática produz um efeito idêntico sobre aquele que a recebe, isto é, ao sermos agredidos, agredimos facilmente. Então, precisamos nos treinar para não cair na armadilha da agressividade alheia, pois ela atua como um catalisador de nossa própria agressividade interna.
Nesse dia, escolhi não duelar, nem fazer acordos. Senti que era preciso definitivamente me distanciar internamente da raiva alheia: não era apropriado procurar entender nada, apenas me desconectar. Naquele momento, não reagir foi a melhor forma de me proteger.