Norman Mailer e Deus
por Adília Belotti em EspiritualidadeAtualizado em 22/11/2007 15:11:15
Morreu Norman Mailer, o escritor, aos 84 anos. E o mundo perde um dos seus "enfants terribles", aquelas pessoas comuns ou célebres que provocam, empurram, sempre insatisfeitas com o jeito modorrento das andanças da vida.
Talvez você não tenha lido nada dele, nenhum dos muitos livros que ele escreveu, “O canto do carrasco”, “O Exército da noite”, (por esse, ele ganhou um premio Pulitzer), “O Sonho americano”, mas muito do que você lê hoje tem o toque de Mailer. Lá pelos anos 60, ele foi um dos "malucos" que ousaram um estilo de escrita todo novo, o que hoje se chama "novo jornalismo", mistura de reportagem com ficção que transformou o jornalismo em literatura.
Mas, como não sou crítica de literatura, não vou aborrecer você com meus parcos conhecimentos do assunto. Falo de Norman Mailer porque seu último livro chamou-se (Sobre Deus: uma conversa incomum) "On God: an uncommon conversation"(*), no qual ele recria para Michael Lennox um extraordinário personagem: "Deus". Na revista “New York”, uma sensacional entrevista antecipa - porque o livro ainda não chegou ao Brasil - como seria esse personagem, no mínimo, curioso e estranhamente "atrapalhado"...
Para Mailer, Deus seria um artista, um Criador. Um novelista, talvez. Como todo artista genial, ele teria que se confrontar com seus fracassos e suas vitórias.
Imagine um Deus eternamente sujeito à sua própria evolução, como um jovem artista tendo que se reinventar o tempo todo. E com um arquiinimigo, o Diabo, que sempre tenta atrapalhar os seus planos?
Como todos nós, ele teria que lidar com limites, negociar, eventualmente, até ceder, quem sabe? O Deus do escritor esbarra no Deus-arquiteto do "design inteligente" mas tem uma certa fragilidade muito típica dos homens...
Nós, humanos, querendo ou não, fazemos uma determinada imagem de Deus. Transformar em imagem é uma forma mais ou menos cautelosa de se
aproximar, de poder conceber. Norman Mailer e seu Deus irreverente me remetem à minha imagem de Deus...
Não consigo de fato me relacionar com o Deus que é "a Voz que clama no deserto", dos judeus. É muito, muito distante, lembra dunas vastíssimas e imensas ausências... nossa imagem ocidental de Deus, ao contrário, tem muito de Michelangelo na exuberância das formas, na força dos gestos, nas barbas brancas esvoaçantes. Também é bela! Cabe no civilizado Júpiter romano ou no todo-poderoso e fecundíssimo Zeus grego. Gostamos de imaginar Deus como essa figura patriarcal protetora e imponente, machista - sim, um tanto - o que se há de fazer?
Mas tenho tentado ampliar essa "visão", um pouquinho ao menos, e experimento conversar com Krishna, o deus azulado dos hindus, com Shakti, a Divina Mãe, que imagino em forma de flor de lótus. Sem muito sucesso, devo confessar... Deus sempre escapa da minha imaginação...
Talvez um dia eu, como o velho escritor rebelde, possa ter intimidade bastante com Deus para de fato recriá-lo em meu coração, emprestar-lhe atributos, cores, formas. Por enquanto, essa imagem é pura bravata minha. Por enquanto, Deus ainda é para mim o misterium tremendum de que falava o pensador Rudolf Otto. O que não pode sequer ser sonhado, concebido. O que está muito além da compreensão humana.
Mas no dia em que eu conseguir fazer meu ninho pessoal para abrigar a imagem Deus, tomara, que Ele seja...(um tantinho que seja) Mulher!
No Diário Digital, uma revista online de Portugal, você lê mais sobre Norman Mailer
E, se inglês não for um problema, não deixe de ler a reportagem na revista New York.
A ilustração é de Sean McCabe, Adam Nadel/Polaris