O Real e os Sonhos
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 10/04/2008 16:04:39
Imagem do Instituto de Astrofísica das ilhas Canárias exibe restos de antigas galáxias que desapareceram há mais de 5 bilhões de anos
Estranho como uma coisa tão "real" pra nós, aqui na Terra, já não exista mais. Você aponta o telescópio e vê aquilo lá, e continuará vendo até o fim da sua vida, mas o que vê é apenas a luz de algo que já se apagou há 5 bilhões de anos. O que é real? A luz que chega às nossas retinas, ou a informação científica? Para um índio, as estrelas que vemos no céu são reais, tão reais quanto a crença de que são os espíritos dos seus ancestrais. Mas essa "realidade" é despedaçada quando nos esclarecemos, através de preceitos científicos e comprováveis, como a velocidade da luz. Aí então abandonamos nossas crenças de outrora, herdadas de nossa cultura imediata, para abranger uma cultura global, impessoal, e com isso passamos a ser mais racionais e críticos, com o risco de nos tornarmos a ser bidimensionais, padronizados, pausterizados pelo novo saber-comum que não dominamos inteiramente, mas aceitamos por ser o "certo".
Isso me lembra o conceito de inconsciente coletivo, brilhantemente intuído por Carl Jung. Um "compartimento" comum a todos os seres humanos, onde o espaço/tempo é relativo, e que era chamado na antiguidade de "simpatia de todas as coisas". Do inconsciente coletivo pegamos "emprestados" nossas máscaras (personas), que compõem nossa personalidade. De lá também vêm os arquétipos, (Que Jung chamou primeiramente de `vestígios funcionais´ do inconsciente coletivo.) instintos(*) que parecem "dirigir" a história da raça humana em maior ou menor intensidade, através dos mitos.
O perigo é quando tais imagens se apoderam do consciente:
O mais fantástico disso tudo é que, por ter caráter coletivo, ao olhar para o inconsciente dos "outros", estamos também lidando com a matéria-prima do nosso próprio inconsciente:
Conhece a ti mesmo
"O psicoterapeuta não deve contentar-se em compreender o doente; é importante que ele também se compreenda a si mesmo"
EROS X INSTINTO DE PODER
No livro Memórias, sonhos e reflexões, Jung nos fala um pouco de duas forças em oposição que, ao meu ver, são centrais em nossas vidas:
Surgiu-me a idéia de que Eros e o instinto de poder eram como que irmãos inimigos, filhos de um só pai, filhos de uma força psíquica que os motivava e - como a carga elétrica positiva e negativa - se manifestava na experiência sob a forma de oposição; o Eros, como (Uma força que se sofre passivamente.) patiens(*), e o instinto de poder como um (Força ativa, que age.) agens(*), e vice-versa. O Eros recorre tantas vezes ao instinto de poder como o instinto de poder ao Eros. O que seria um destes instintos sem o outro? O homem, por um lado, sucumbe ao instinto e, por outro, procura dominá-lo. Freud mostra como o objeto sucumbe ao instinto. Alfred Adler, como o homem utiliza o instinto para violentar o objeto. Nietzsche, entregue a seu destino e sucumbindo a ele, precisou criar um "super-homem". Freud - tal era minha conclusão - deve ter sido de tal forma subjugado pelo poder do Eros, que procurou levá-lo, como um (Em latim Presença, termo que se refere à deidade, ao Sagrado que habita em todas as coisas.) numen(*) religioso, ao nível de dogma aere perennius (eterno). Isto não é um segredo para ninguém: Zaratustra é o anunciador de um evangelho e Freud chega a competir com a Igreja através de sua intenção de (Tenho ainda uma viva lembrança de Freud me dizendo: `Meu caro Jung, prometa-me nunca abandonar a teoria sexual. É o que importa, essencialmente! Olhe, devemos fazer dela um dogma, um baluarte inabalável.´) canonizar(*) doutrinas e preceitos.Se Freud tivesse apreciado melhor a verdade psicológica que faz da sexualidade algo de numinoso - ela é um Deus e um Diabo - não teria ficado prisioneiro de uma noção biológica mesquinha. E (Abro aqui um parêntese pra recomendar o filme `Quando Nietzsche Chorou´, que trata de encontros fictícios entre Josef Breuer (mentor de Freud) e Nietzsche para sessões de análise (um do outro).) Nietzsche(*), com sua exuberância, talvez não tivesse caído fora do mundo se tivesse permanecido nos fundamentos da existência humana.
Cada vez que um acontecimento numinoso faz vibrar fortemente a alma, há perigo que se rompa o fio em que estamos suspensos. Então o ser humano pode cair num "sim" absoluto ou num "não" que também o é! (`Livre dos opostos´) Nirdvandva(*), diz o Oriente. O pêndulo do espírito oscila entre sentido e não-sentido, e não entre verdadeiro e falso. O perigo do numinoso é que ele impele aos extremos e então uma verdade modesta é tomada pela Verdade e um erro mínimo por uma aberração fatal. Tudo passa: o que ontem era verdade, hoje é erro, e o que antes de ontem era considerado um erro será talvez uma revelação amanhã... e isto é ainda mais válido na dimensão psicológica, acerca da qual, na realidade, sabemos pouquíssimo. Muitas vezes negligenciamos isto e estamos longe de levá-lo em conta: que nada, absolutamente nada existe, enquanto uma consciência, por restrita que seja - luz efêmera -, não o advirta.