Passagem Grátis para o Céu
por Wagner Borges em EspiritualidadeAtualizado em 12/05/2003 12:07:02
- Hoje é um dia muito especial para mim, disse um velhinho no parque. Hoje é o dia em que ela partiu.
Estava no Hyde ParK em Londres com uma máquina fotográfica na mão, tentando encontrar o melhor ângulo para a minha foto de primavera, quando um velhinho veio conversar comigo. Não estava muito interessado em conversar com ninguém ou dar corda para papo, mas havia algo naquele homem. Uma estranha força no olhar e um sorriso incrível que transmitia tanta paz, que era impossível não lhe dar atenção.
- Sabe, sempre vínhamos aqui. Ela adorava deitar na grama e ler poemas pra mim.
- Ela não vive mais aqui? perguntei, já sabendo a resposta.
- Hoje faz dois anos que ela foi pro "lado de lá" e desde então, uma vez por ano eu venho a esse parque, deito na grama e leio poemas para os passarinhos. Nada mais justo, uma vez que ela fazia com que eu voasse ao som da sua voz, quando recitava as suas poesias. Quando nos encontramos não foi a amor à primeira vista, pouco a pouco é que fomos notando um no outro aquela sensação familiar de se sentir em casa ao lado de alguém.
Algum tempo depois, ela virou minha namorada, minha esposa, minha amiga.
Todos diziam que não duraríamos muito, pois éramos bem diferentes um do outro, mas fomos além do que os outros pensavam. E toda vez que estávamos juntos era como se a terra e a água se encontrassem, formando o barro que era nosso alicerce. Você provavelmente chamaria esse sentimento de amor, mas nós o chamávamos de "experimentar e compartilhar". Experimentando, seguimos crescendo e rindo de tudo e de todos, aproveitando cada segundo dessa brincadeira maravilhosa que é viver. Ela dizia que a terra era o nosso playground se soubéssemos manter viva a criança que fomos um dia, em nosso coração.
Se temia perdê-la um dia? Claro, mas sempre evitei pensar nisso, ainda mais quando ela ficou doente. Ela lutou até o ultimo sopro de vida, até que um dia disse que já era hora de parar de ser teimosa e aceitar a passagem grátis para as estrelas. Ela brincava com tudo, por isso é que não caí num buraco quando ela partiu.
A morte veio buscar apenas seu corpo físico, pois o que sentimos um pelo outro é eterno e eu carrego esse sentimento comigo onde quer que eu vá.
Esse sentimento é que me dá forças e toda vez que a saudade fica insuportável, eu fecho os olhos e em algum lugar do meu coração, eu vejo o sorriso dela e não dá para chorar, nem para lamentar. Assim vou seguindo.
Tenho certeza que ela odiaria se eu virasse um chorão e não sei não, mas eu acho que ela sente tudo o que eu sinto no lugar onde está, e não quero que ela fique triste, portanto tento sempre sorrir e fazer algo, sem dar mole para o baixo astral e para a tristeza.
Às vezes, sonho com ela e toda vez é tão real, que juro que estávamos realmente juntos. Ela diz que está muito orgulhosa de como eu estou reagindo. Você acredita nisso, menino?
Bom, vai ver Deus permite que ela venha me ver enquanto eu durmo, e se isso for verdade, eu não quero desapontá-la e sei que é só uma questão de tempo para que estejamos juntos novamente. Até lá, sigo sorrindo, lendo poemas para os passarinhos e agradecendo a Deus apenas pela oportunidade de ter sentido o que senti ao seu lado.
Hoje é um dia muito especial pra mim. É o dia em que ela partiu. E quando ela se foi, não deixou nenhum vácuo ou espaço vazio, pelo contrário, ela deixou vida demais no meu peito para eu desistir de viver.
Frank
Londres, Primavera de 2003.
Nota de Wagner Borges: Frank é o pseudônimo do nosso amigo Francisco Rivaldo de Oliveira, participante do grupo de estudos do IPPB e da lista Voadores, que atualmente mora em Londres. Ele escreve textos muito inspirados e nos autorizou a postagem desses escritos. Há diversos textos dele postados em sua coluna da revista on line de nosso site, e em nossa seção de textos projetivos e espiritualistas em meio aos diversos textos já enviados anteriormente. link