Revelações
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 19/11/2008 16:04:49
Acredito que ter uma revelação espiritual seja ao mesmo tempo uma dádiva e uma tristeza. Dádiva de poder ver claramente aquilo que antes só era intuído, ou ouvia falar. Dádiva de poder experimentar o gozo da lucidez, da unidade, de perceber detalhes da estrutura na qual você viveu a vida toda e nunca antes havia notado. E tristeza por saber que a maioria não vai poder partilhar de sua descoberta, saber que a maioria estará imersa na ignorância, sendo manipulada a se contentar com o "pão dormido" que mantém, mas não nutre, não desenvolve.
Quem acompanha o Meu Outro Blog já sabe da minha paixão por música e imagem de alta qualidade, e quando eu descobri o DTS surround fiquei louco pra partilhar esta descoberta com o máximo de pessoas, tipo "vocês acham que CD é o máximo da qualidade? Vocês nunca ouviram Música, assim como eu nunca tinha ouvido Música até ouvir algo em 5.1 DTS". Foi uma revelação, não do tipo espiritual, mas uma revelação sonora. Daí tiro o comportamento dos que têm revelações espirituais de grande alcance, que procuram ao máximo "converter" pessoas... O olhar de alguém que "achou Jesus" é de puro júbilo, de pura alegria, e a vontade dele é que mais e mais pessoas compartilhem de sua alegria, afinal, É POSSÍVEL ("Yes, we can!"). Geralmente esse tipo de ação tende a ser reprimida socialmente, afinal não é todo mundo que gosta de ser impelido numa direção (eu mesmo não gosto). Mas eu creio que a abordagem dos crentes não é das mais eficientes, e vou continuar utilizando o exemplo do DTS: Se eu vibro com a qualidade sonora desse formato, e quero compartilhar minha vibração com outras pessoas, vou esbarrar em uma série de dificuldades:
1º - Eu não posso levar a música até elas, porque depende de um aparato que inclui decoder, caixas de som (6 delas!), vários softwares, etc. Com isso, a pessoa tem de estar PRÉ-DISPOSTA a ir até minha casa pra escutar música de um artista que talvez ela nem goste.
2º - Uma vez em minha casa, tenho de fazê-la sentar num ponto especial da sala (pois não tem o mesmo efeito em toda parte) e colocá-la pra ouvir a música em silêncio, com atenção, o que é uma mudança de paradigma (Afinal, as pessoas normalmente não ouvem música com esse grau de comprometimento).
3º - Mesmo com tudo isso é provável que ela não note a diferença entre o DTS e um MP3, seja porque a audição está comprometida por anos de baladas, headfones e sons altos (que sabemos que destroem a sensibilidade para captar certas freqüências) ou porque o ouvido não foi "treinado" pra perceber certos sons. E aí a pessoa vai dizer: "é isso? legal, legal..." e sair dali pensando que sou ruim do juízo, que o fiz perder tempo, etc.
É geralmente nessas barreiras que a religião esbarra. O seguidor pode estar animado como for, mas se ele chegar na família ou amigos falando das maravilhas de entendimento que alcançou graças a determinada religião, que pôde se tornar uma outra pessoa, com uma nova visão, todos vão achar ótimo, mas vão ficar meio com um pé atrás, tipo: "porque essa mudança toda? Será que fizeram lavagem cerebral? Tem alguma coisa aí..." E os parentes e amigos vão até onde a pessoa transformada foi, ou vêem de longe, colhem informações com terceiros, mas não vêem nada demais ali, naquele lugar, naquelas informações, e consideram a pessoa um caso de excentricidade (pra não dizer loucura). O fiel perde o ímpeto inicial, se afasta do convívio familiar para procurar os "seus", e se fecha em sua revelação. E a boiada segue.
Isso se dá porque o "ouvido" espiritual das pessoas não foi treinado pra perceber nuances religiosas. Não temos uma cultura religiosa rica, que deixe a forma de lado e se concentre no conteúdo. Sabemos mais ou menos que budismo é a religião do cara careca, islamismo é do cara barbado de turbante, mórmons são os caras de gravatinha e que se vestem igual, católico, anglicano e protestante é tudo igual e os evangélicos são aqueles que andam com bíblia debaixo do braço gritando alto nas praças e incomodando os vizinhos com as cantorias nas igrejas. Esse é o MP3 espiritual, é tudo o que o cidadão médio precisa pra viver e discernir em nossa sociedade. E tal "discernimento" só se aplica para, por exemplo, evitar cruzar o caminho de um islâmico, pois ele pode se explodir. Outros "ouvidos" ficaram insensíveis diante de tanto "som alto", de péssima qualidade, que acabou danificando os "tímpanos".
Jesus já advertia para os "ouvidos moucos" quando contou a parábola do semeador:
Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e ouvindo, não ouvem nem entendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, e de maneira alguma entendereis; e, vendo, vereis, e de maneira alguma percebereis. Porque o coração deste povo se endureceu, e com os ouvidos ouviram tardiamente, e fecharam os olhos, para que não vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure. (Mat 13:13-15)
Ou seja, as parábolas funcionavam como um "Cavalo de tróia", adormecido dentro do "hardware", esperando um dia para ser REALIZADA (mais do que entendida). Por isso que a conversão se dá de forma imprevisível e espontânea, e assim será com todas as religiões, seja com as suras islâmicas - cujo conteúdo é impenetrável pra mentes que não estão realmente interessadas - seja com os koans zen-budistas, seja com os ensinamentos sufi, enfim, todo progresso depende de um aprendizado, um desenvolvimento interno que possibilite a apreensão (mais do que compreensão) da mensagem.
No caso do DTS eu tive uma base musical bastante propícia, pois convivi com o LP (pra quem não sabe, é aquele bolachão preto de vinil). Poucos sabem, mas a gama sonora do LP é muito superior a qualquer formato que a gente tenha hoje, pois é analógico. Aprendemos a desvalorizar o analógico em favor do digital, mas o problema do analógico é que não tínhamos equipamento (caro, diga-se de passagem) suficiente pra extrair qualidade do formato. O processo de prensagem do LP era tosco, o vinil era barato, a agulha era barata, o aparelho idem, enfim... mas ainda assim o LP se destaca por ter um som mais orgânico, difícil de explicar. Isso se deve porque o som analógico atua nas mais diversas frequências, até as que o ser humano não é capaz de ouvir, mas é afetado por elas. No digital (CD) várias freqüências (especialmente as acima e abaixo do que podemos ouvir) são eliminadas, e no MP3 de 128kbps são cortadas 90% das informações sonoras (pra ficar com um tamanho de 10% do original), ou seja, as freqüências originais são trocadas por modelos acústicos, simulacros de baixos, baterias, voz, que um ouvido destreinado não percebe. Quem conviveu com o LP e o CD sabe a diferença, sabe o que está trocando em favor da portabilidade, da praticidade, mas e quem já nasce na geração MP3, que vai viver na mais completa ignorância do que é uma Música (com M maiúsculo)? A coisa é pior do que na caverna de Platão, pois no conto pelo menos a inteira população só conhece as sombras na parede, mas nós conhecemos o "real" e optamos voluntariamente pela sombra, seja no MP3, seja nos JPGs de baixa compressão, seja no DIVX... estamos sub-utilizando nossos sentidos, estamos desprezando a beleza e a riqueza dos detalhes em favor da praticidade, tudo isso voltado pra uma sociedade de consumo fast-food, e isso se traduz em tudo, até nas relações. Não precisamos de um homem ou mulher para nos relacionar, nos envolver, basta um simulacro, um estereótipo (e às vezes basta só uma roupa e maquiagem... não é mesmo, "Fenômeno"?). O virtual é a palavra de ordem, mesmo que as coisas aconteçam aqui, no mundo físico.
Semana passada estava jantando, a TV do estabelecimento estava ligada e acabei assistindo a Malhação e a novela das 6. O que mais me impressionou foi a atuação afetada dos atores (todos eles!), que mais parecia que estavam entupidos de cocaína até o tampo, todos agitados, com movimentos exagerados e falando alto. Pela homogeneidade das atuações (não importando se era ator consagrado ou novato) cheguei à conclusão de que se trata de algo planejado, estudado, pra atrair a atenção de um certo público, de uma certa faixa etária. Nossos jovens (e não tão jovens assim) já não conseguem fixar a atenção em algo "normal" (boring) e precisam cada vez de mais e mais estímulo, assim como precisam de música cada vez mais alta e barulhenta pra "agitar" nas festas, ou de outros estimulantes que não o álcool ou mesmo os hormônios sexuais, tendo que apelar pra drogas de todo tipo.
Acho que pra muitos eu pareço um velho falando, e talvez esteja me sentindo velho, mesmo. Valores como honra, lealdade e decência, que ainda eram ensinados na minha geração, já foram para o brejo. Revendo os desenhos da minha infância encontro dezenas de valores morais ("não desista de seus sonhos", ou "resista, resista com todas as suas forças"), e olha que cresci na saudosa e politicamente incorreta década de 80, onde "Os Trapalhões" faziam piada com negros e nordestinos e "TV Pirata" consagrava Tonhão e Zeca Bordoada.
Mas o triste mesmo é perceber que a coisa vai ficar cada vez pior. E nem é coisa de velho ranzinza que tem lembranças distorcidas do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. É um fato constatado por qualquer um que a educação brasileira (diria até mundial) vai de mal a pior. Minha avó estudou em escola pública, e teve uma excelente formação. Aprendia francês, latim, piano, era incentivada à poesia, às redações, bordado, enfim, ela teve a preparação de um ser humano integral. Minha mãe já não teve acesso a uma boa escola pública fundamental, mas beneficiou-se de uma excelente formação técnica no nível superior. Já eu, que estudei a maior parte da vida em escola particular, tive um ensino que foi uma piada, na escola pública. E a faculdade é um desmantelo só. Ou seja, através de gerações, ficou evidente o descaso do Estado para com o ensino, que é uma das coisas mais importantes garantidas pela Constituição brasileira. Constituição esta que é cada vez menos mencionada, pois não é interessante que o povo saiba que tem direitos (acabaram com aulas de Educação Moral e Cívica, com Filosofia, qualquer coisa que possa trazer uma luz de consciência e questionamento a esse mundo de trevas em que nós vivemos.
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição
E não é só educação: a saúde nesse país sempre foi tratada com desprezo, mas só se agrava com a formação dos médicos, que cada vez mais se "especializam" e passam a tratar o paciente como um pedaço do corpo. Tente precisar da saúde pública, que pagamos com o dinheiro dos nossos impostos, e você vai ser atendido num corredor de um hospital amontoado de outros doentes (alguns deles terminais). A moradia é cada vez mais restrita, com preços exorbitantes que levam grande parte da população a ficar literalmente marginalizada, formando conglomerados onde o Estado não chega e impera a lei do cão. O que nos lembra da segurança (ou falta dela), que está sendo retirada progressivamente pelo Estado e posta nas mãos de grupos privados. E estamos vendo tudo isso NESTA geração. Estamos como o sapo, que não pula da água quente se ela for aquecida aos poucos. Assistimos todo dia nos noticiários a notícias escabrosas, sempre superadas por outras piores ainda, e acabamos por esperar qual vai ser a próxima comoção popular da semana, se vai ser outra criança jogada de um edifício ou um outro crime passional. Entre uma notícia e outra vemos que os vereadores aumentaram seus salários em 20%, mas já estamos tão anestesiados com as notícias ruins sobre nossos políticos que não atentamos para o fato de que nenhum salário de nenhum trabalhador do serviço público ou privado tem aumento de 20%. Novamente o povo prefere abdicar da informação em favor do MP3 das notícias: rápido, indolor, e de preferência acompanhado de algum comentário divertido ou alguém que reclame por nós (assim nos sentimos representados na sociedade).
A solução fácil pra isso não existe. Revolta popular de 1 dia patrocinada pela Rede Globo não adiantará (até porque não interessa à Rede Globo). Assim como um ouvido destreinado não fará questão de mais do que um MP3, o povo não abandonará seu estilo de vida, por não ter um referencial, por não ver a m... na qual está atolado até o pescoço... afinal, ainda estamos respirando, não estamos? Está bom assim. Sun Tzu, em seu livro "A arte da guerra", já dizia: "Não detenhas nenhum exército que esteja a caminho de seu país. Sob estas circunstâncias, um adversário lutará até a morte. Há que deixar-lhe uma saída a um exército cercado. Mostra-lhes uma maneira de salvar a vida para que não estejam dispostos a lutar até a morte, e assim poderás aproveitar para atacar-lhes. Não pressiones um inimigo desesperado. Um animal esgotado seguirá lutando, pois essa é a lei da natureza". Nossos governantes sabem disso, e sempre deixarão uma brecha, sempre farão um paliativo ou encontrarão um bode expiatório pra extravasar nossa frustração, para que não enlouqueçamos e pressionemos os responsáveis. O brasileiro é acomodado por natureza, e isso facilita as coisas.
O texto abaixo é do filme Network, de 1976, dirigido por Sidney Lumet. Esta pérola esquecida voltou à tona graças ao documentário Zeitgeist, onde tem um brilhante trecho do filme. Há muitos outros discursos interessantes, contudentes e atuais, como esse que tem a ver com o post:
Não preciso lhes dizer que a coisa está feia. Todos sabem que está feia. É uma nova "depressão". Todo mundo desempregado ou com medo de perder o emprego; Um dólar compra um quarto de dólar; Os bancos estão quebrando; Balconistas guardam armas em baixo das registradoras; Punks vandalizando...
Ninguém em lugar nenhum parece saber o que fazer e não há fim para isso. Sabemos que o ar é insuficiente para respirarmos e a comida para nos alimentar.
Nos sentamos assistindo à nossa TV enquanto o apresentador nos diz que hoje tivemos 15 homicídios e 63 crimes violentos... Como se esse fosse o jeito que as coisas deveriam ser! Nós sabemos que as coisas estão ruins. Pior que ruim. Elas estão enlouquecendo. Tudo em todo lugar está ficando maluco. Então nós não saímos mais de casa. Nos sentamos dentro de nossas casas, e lentamente o mundo em que vivemos vai ficando menor.
Tudo o que dizemos é "Por favor, por favor, ao menos em nossas casas deixem-nos em paz. Deixe-me ter minha tostadeira, minha TV e minha calota cromada. Não direi nada. Só deixe-me em paz".
Pois eu não vou deixá-los em paz. Eu quero que vocês enlouqueçam! Eu não quero que vocês protestem ou façam um tumulto. Não escrevam para seu congressista. Porque não sei o que dizer pra vocês escreverem. Eu não sei o que fazer sobre a "depressão", a inflação, os russos e o crime nas ruas. Tudo que eu sei é que antes de tudo vocês têm que enlouquecer!
Vocês têm que dizer: "Eu sou um ser humano, diabos! Minha vida tem valor!"
Eu quero que vocês se levantem agora. Eu quero que todos vocês se levantem de suas cadeiras. Eu quero que se levantem e vão para suas janelas, abram-nas, enfiem suas cabeças pra fora e gritem: "Eu enlouqueci e não vou mais agüentar isso!"
Abram elas, coloquem suas cabeças pra fora e gritem: "Estou louco como o diabo e eu não vou mais agüentar isso!" Então vocês descobrirão o que fazer com a depressão e a crise do petróleo. Primeiro, saiam de suas cadeiras, abram suas janelas, ponham suas cabeças pra fora e gritem: "Eu enlouqueci totalmente e não vou mais aturar isso!"
Mas antes nós temos que enlouquecer um pouco. Vocês têm que dizer "Estou louco, e não vou mais aturar isso!"
Esse post foi meio que motivado por uma epifania que tive quando, mexendo em meu computador, descobri uma configuração de software que liberou um poder sonoro ainda maior para as minhas caixas acústicas. Ou seja, eu sub-utilizava minhas caixinhas por causa de uma limitação de software que vinha configurada por padrão para a MAIORIA das caixas acústicas, ou seja, com uma gama de sons limitada. Eu nunca tinha atentado para o fato até hoje, quando resolvi fuçar nas configurações e selecionei a opção "full range". O som DTS passou de excelente pra impagável e, uma vez aprendida com essa lição, não satisfeito em aperfeiçoar, ainda descobri que desligando a opção "upsampling pra 96kz/24-bit" (que teoricamente é superior) o som fica ainda melhor. Então pensei: o quanto de limitações em nós não se devem somente ao software que nos foi dado por default (padrão), com configurações adaptadas à MAIORIA e que ficam boas em nós, mas poderia ser muito melhor se soubéssemos (quiséssemos) mexer nesse nosso software? A frase "Conhece a ti mesmo" ecoa em minha mente, seguida de "Todos são Buda, só não o percebem..."