Tropa de Elite
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 18/10/2007 14:23:18
Dois soldados do BOPE (Tropa de Elite da PM) olham de cima de um telhado uma transação no morro, onde policiais corruptos entregam fuzis do exercito para traficantes. O tempo todo eles estão na mira telescópica de um dos soldados, que só aguarda a ordem do Capitão pra executá-los. Este vacila, diz que os policiais já estão cercados, mas depois dá de ombros e fala uma frase que se tornou célebre na internet: senta o dedo nessa porra! Nasce nesse exato momento o mais novo herói brasileiro: Capitão Nascimento, o homem que fez Chuck Norris pedir pra sair do treinamento pro BOPE. Dizem que, empolgado com o símbolo da Caveira, o Satanás em pessoa entrou pro curso preparatório, mas pediu pra sair quando o Capitão Nascimento falou: "Sr. 666, o senhor é o novo Xerife".
Cinema é a arte de manipular uma platéia por toda a duração do filme. Pegá-la pelo estômago e conduzi-la através das cenas, para que se sinta transportadas a outra realidade. O filme Tropa de Elite faz isso como nenhum outro do cinema nacional, nem mesmo Cidade de Deus (que chegou bem perto). Tropa de Elite é o nosso (Como tal, cheio de frases memoráveis, como o `Bota na conta do Papa!´) Pulp Fiction(*), um fenômeno não só cultural, mas social. Sim, social, porque esse lado do filme foi ignorado por meses, enquanto as cópias piratas proliferavam nos camelôs, e foi uma grata surpresa quando vi no (Sim, eu esperei pra ver no cinema, pois sabia que o filme era bom e eu me senti no dever de dar um retorno financeiro, para que mais filmes bons possam ser produzidos. É assim que a banda toca, camaradas... a menos que vocês queiram ver um filme cheio de propagandas de Coca-Cola, biscoito, hotéis, que nem as novelas da Globo.) cinema(*) um roteiro com (E nem parece, pois é tudo muito dosado, com diálogos enxutos e edição rápida. Só depois do filme você fica pensando no sentido de algo que viu numa cena em particular.) profundidade(*) que dá margem a HORAS de conversa sobre Foucault, psicologia, direito, sociologia, tráfico, violência, papel da polícia, papel do Estado, corrupção, enfim...
Foi com grande alegria que constatei que Capitão Nascimento, mesmo não tendo sido intenção do (José Padilha, que em nenhum momento procura glorificar cenas de tortura ou execuções, e do mesmo modo não procura tornar os traficantes melhores ou piores que os policiais. O diretor diz claramente: `Capitão Nascimento não é um herói´) diretor(*), se tornou um herói brasileiro. Num país que segue à risca a Lei de Gérson, e que se identificou com o Zé Pequeno, agora tem, pelo menos, alguém que quer preservar a lei e a ordem. "Faca na caveira, e nada na carteira" é o lema do BOPE. Nós, cidadãos que pagamos os impostos e temos que aturar tanta roubalheira descarada dos políticos, ouvimos isso como música. Pena que eles não façam incursões ao Congresso e ao Senado.
Certos PMs ficaram revoltados com o filme, intimando inclusive o diretor e o roteirista a depor. Afinal, o roteiro não foi muito lisonjeiro ao mostrar as táticas de "0800" e "segurança particular" que todos nós sabemos que muitos PMs fazem mas não gostam que falem. Mas recentemente uma penca deles foi presa por corrupção, inclusive um coronel.
Após o filme você poderá pensar: Será que toda a corrupção e os esquemas que o filme mostra têm embasamento? Pode apostar que sim, e tende a ser pior. O filme é baseado no livro "Elite da Tropa", do capitão reformado da Polícia Militar (e colaborador do filme) Rodrigo Pimentel, e do ex-secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares (co-autor). Ou seja, gente de dentro.
E assim a sociedade vira refém e, ao mesmo tempo, financiadora de bandidos. Quem compra droga não é favelado, não é morador de morro. É gente com grana. Gente com muita grana e pouco juízo, do tipo que atira ovos nas pessoas e não acha nada demais nisso. Gente que só pára pra pensar na violência quando é assaltado, e a única medida que tomam é blindar o carro. "Fodam-se os outros, eu quero é garantir o meu: meu dinheiro, meu conforto, minhas drogas, meu bem-estar. Se eu estou legal com minha ervinha, que mal há nisso? Se eu não comprar a aquele vapor, outro vai e compra. Gente não vai faltar". Enquanto isso estudam direito ou economia (com uma tal de "relação entre oferta e demanda" que eles só entendem na prova). Acho até que, no filme, faltou algum playboyzinho ir pro saco...
Enquanto isso uma PM desestruturada, com cargos sendo negociados por políticos, baixos salários e corrupção generalizada, ainda assim possui bons policiais, que sobem o morro com um 38 pra enfrentar bandidos armados de fuzil, ou que protegem com a própria vida o cidadão. É como o Capitão Nascimento diz no filme: "Nesta cidade, todo policial tem de escolher: ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra". Como ir pra guerra sendo um gentleman? Como conciliar a vida social com a violência que É parte integrante de seu trabalho nas ruas?
O cerne do filme é a questão da vida do policial. Ser policial é um trabalho de 24x7, em detrimento de sua vida pessoal. Ser policial num lugar de guerrilha como o RJ e tentar levar uma vida social (nos desfazendo da máscara/persona policial, como nós, como um sapateiro ou vendedor faz após o expediente) pode colocar em risco a própria vida, ou a das pessoas próximas a ele. Sobra então o papel de policial full time, e um comprometimento desses pode levar a pessoa a uma personalidade (máscara, persona) nada agradável.
Ironicamente, tanto o Capitão Nascimento como o "Baiano" (o líder da boca) são, indiretamente, duas vítimas e criações de um "inocente" grupo de estudantes do Leblon. Não só eles, claro, mas de toda uma ELITE que financia a droga do tráfico. Recomendo a todos do blog que assistam o filme (de preferência pagando) e teçam seus comentários (senta o dedo nessas teclas!). Nossa sociedade precisa botar os pés no chão e encarar seus papéis face ao quadro dramático da violência.
Referência: Capitão Nascimento, o herói indesejado;
Tropa de Elite fora da festa do Oscar;
Luciano Huck e a tropa "das elites"