Waking Life: A eterna pergunta
por Acid em EspiritualidadeAtualizado em 11/10/2007 14:05:18
- Deixe eu lhe contar um sonho que tive. Li um ensaio de Philip K. Dick...
No seu sonho?
- Não, eu o li antes do sonho. Esse é o preâmbulo. Era sobre aquele livro, Flow My Tears, the Policeman Said (Minhas lagrimas caem, o policial falou), você o conhece?
Ele ganhou um prêmio por esse livro.
- É um que ele escreveu muito rápido. Simplesmente fluiu. Ele sentiu como se o estivesse psicografando, ou algo. Quatro anos antes de vir a ser publicado o livro, ele estava em uma festa, e conheceu uma mulher com o mesmo nome que a mulher do livro. E o namorado dela tinha o mesmo nome que o namorado da mulher do livro. E ela estava tendo um caso com um delegado de polícia, que tinha o mesmo nome que o delegado de seu livro. Tudo o que ela dizia sobre a vida dela parecia ter saído de seu livro.
Isso tudo o deixou muito assustado, mas o que ele podia fazer?
Anos depois, ele foi pôr uma carta no correio e viu um sujeito meio estranho em pé, ao lado de seu carro. Mas, ao invés de evitá-lo, como normalmente teria feito, ele disse: "Posso ajudá-lo"? E o sujeito disse: "Sim, eu fiquei sem gasolina". Ele lhe deu algum dinheiro, coisa que jamais teria feito.
Ele chega em casa e pensa "Ele não conseguirá chegar ao posto. Ele está sem gasolina!"
Então, ele volta, acha o sujeito e o leva ao posto de gasolina. Enquanto estaciona, ele pensa: "Isto também está no meu livro! Este mesmo posto. Este mesmo sujeito. Tudo!"
Bem, este (Na verdade a ordem dos acontecimentos está trocada no filme. Leiam o relato original de Dick aqui, que é ainda mais assustador.ocorrido(*) é um tanto assustador, certo? Então ele resolve contar a um padre que ele escreveu um livro e que, quatro anos depois, tudo isso aconteceu.
E o padre diz: "Este é o Livro de Atos dos Apóstolos". Ele responde: "Mas eu nunca o li!" . Então ele lê o Livro de Atos e lhe é estranhamente familiar. Até os (Em Atos, o alto oficial romano encarregado de pender São Paulo é chamado Felix, o mesmo nome (e mesmo posto) do personagem de Dick, que é um alto oficial de polícia. Há inclusive um diálogo no livro que lembra muito o de Felix com Paulo. Há um personagem chamado Jason (Jáson). Em toda a bíblia ele aparece apenas no livro de Atos. E mais: No livro, ele é um fugitivo das autoridades que se abriga numa casa, enquanto em atos ele é o dono da casa que abriga um fugitivo... Há outras coincidências, que podem ser lidas no link do comentário anterior.) nomes(*) dos personagens são iguais aos da Bíblia!
O Livro dos Atos se passa em 50 d.C. Então, Dick criou uma teoria segundo a qual o tempo é uma ilusão e estaríamos todos em 50 dC E que a razão pra ele ter escrito esse livro era que ele de algum modo atravessou essa ilusão, esse véu do tempo, e o que ele viu ali foi o que acontecera no Livro dos Atos.
Ele se interessava pelo gnosticismo e pela idéia de que um Demiurgo, ou demônio, teria criado essa ilusão do tempo para nos fazer esquecer que Cristo retornaria e que o Reino dos Céus estava pra chegar. E que estamos todos em 50 dCe há alguém tentando nos fazer esquecer que Deus é iminente. Isso define o tempo e a História. É só um tipo de devaneio ou distração contínua.
Então eu li isso e pensei: "Que estranho". E, naquela noite, eu tive um sonho. E nele havia um homem que, supostamente, era um paranormal. Mas eu pensava: "Ele não é realmente um vidente". Então, de repente, começo a flutuar, levitando até atingir o teto. Eu estava quase atravessando o telhado, quando digo: "Ok, Sr. paranormal, tudo bem, eu acredito em você". E flutuo de volta. Quando meus pés tocam o chão o vidente vira uma mulher usando um vestido verde, e esta mulher é Lady Gregory. Ela era a patrona de Yeats, uma irlandesa. Mesmo nunca tendo visto a sua imagem eu tinha certeza de que esse era o rosto de Lady Gregory.
Então, enquanto andávamos, Lady Gregory vira-se para mim e diz "Deixe-me explicar-lhe a natureza do universo. Philip Dick está certo quanto ao tempo, mas errado quanto a ser 50 dC. Na verdade, só existe um instante, que é agora. E é a eternidade. É um instante no qual Deus está apresentando uma pergunta, que é basicamente: "Você quer fundir-se com a eternidade? Você quer estar no céu?" E estamos todos dizendo: "Nããão, obrigado. Ainda não". Logo, o tempo é apenas o constante "não" que dizemos ao convite de Deus. Isso é o tempo. Não estamos em 50 dC, como não estamos em (Época em que o filme foi lançado.) 2001(*). Só existe um instante. E é nele que estamos sempre".
Então ela me disse que esta é a narrativa da vida de todo mundo. Por detrás da enorme diferença, há apenas uma única história, a de se ir do "não" ao "sim".
Toda a vida é: "Não, obrigado. Não, obrigado". E, em última instância é: "Sim, eu me rendo. Sim, eu aceito. Sim, eu compreendo". Essa é a jornada. Todos chegam ao "sim" no final, certo?
Então, continuamos a andar e meu cachorro corre em minha direção. Fico tão feliz. Ele morreu anos atrás. Estou fazendo carinho nele e percebo um troço nojento saindo de seu estômago. Olho para Lady Gregory e ela tosse, se desculpando. E há vômito escorrendo por seu queixo, e o cheiro é horrível. E eu penso: "Peraí, isto não é só cheiro de vômito. É cheiro de vômito de gente morta!". Isso é duplamente horripilante. Então percebo que estou no Mundo dos Mortos. Todos à minha volta estão mortos. Meu cachorro morrera há 10 anos, Lady Gregory há muito mais tempo.
Quando acordei, pensei: "Aquilo não foi um sonho. Foi uma visita a um lugar real, o Mundo dos Mortos!".
- O que aconteceu? Como você conseguiu sair de lá?
Cara, isso foi uma daquelas experiências que transformam a vida. Eu nunca mais voltei a ver o mundo do mesmo jeito.
- Mas como é que você finalmente saiu do sonho? Esse é o meu problema. Eu estou aprisionado! Fico achando que estou acordando, mas ainda estou num sonho. Quero acordar de verdade. Como se acorda de verdade?
Eu não sei... Não sou mais tão bom nisso. Mas, se é o que está pensando, você deve fazê-lo, se puder. Porque, um dia, não será mais capaz... então - é fácil - simplesmente acorde.
Diálogo do filme Waking Life, de Richard Linklater
Referência: A experiência de estar perdido