É possível parar de roer unhas?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 08/04/2020 11:35:07
Revelação surpreendente ocorrida numa sessão terapêutica, com apenas uma observação: esta paciente tinha o sintoma de roer unhas, algo bastante comum em muitas pessoas. O que, portanto, diferencia e particulariza cada ser humano e ela própria, no caso, é a criatividade da mente na organização do psiquismo, pois cada um é absoluto na criação das estratégias de sobrevivência.
Este relato foi gravado e transcrito com a permissão da paciente que passou pela terapia de reprocessamento cerebral e de acesso direto ao inconsciente. Na terapia, trabalhou com vários aspectos de si mesma que funcionavam como identidades independentes e que agiam muitas vezes de modo antagônico. Por mais incrível que possa parecer, todas estas entidades que veremos atuando dentro dela estavam a seu serviço tentando, mesmo que precariamente, fazer o todo dela sobreviver. Lembrando que este tipo de esquema mental costuma ser criado quando ainda somos demasiadamente pequenos e sem os recursos psicológicos que podemos ter com o passar do tempo.
***Este tipo de sessão/tratamento envolve abordagem, metodologia e técnicas específicas não transcritas aqui por conta de economia de linguagem e também para dinamizar o entendimento da sequência lógica de compreensão e de reprocessamento que resultou na inquestionável melhora de vida da paciente.
Terapeuta: - Você possui uma estória sua para contar onde você agiu por impulso e sem pensar roeu suas unhas?
Paciente: - Uma estória? Tenho tantas que parecem se condensar em uma só que é de um vida inteira. Na verdade, nem me recordo quando comecei a roer pela primeira vez. Tenho uma cena que nem sei se é real e que surgiu em minha mente numa das muitas vezes em que tentei buscar a minha primeira vez para talvez encontrar o sentimento que me foi disparado no momento que provavelmente me fez ter este tipo de comportamento indesejável de roer unhas.
...Eu roo unhas, eu não consigo suportar mais isso. Tenho uma sensação de irritabilidade, algo assim, meio inconsciente, mas é isso que eu sinto e de imediato vou desenfreadamente roendo.
Terapeuta: Conte uma estória que lhe vem na mente, pode ser recente, passada, tanto faz.
Paciente: Hoje, no carro, de repente, do nada, comecei.
Terapeuta: Conte como se estivesse acontecendo agora. Que horas são? O que você está pensando? Onde está indo?
( técnicas de reprocessamento em andamento)
Paciente: Meio-dia e meia, indo para o trabalho, pensando sobre as inúmeras coisas que tenho para fazer, que tenho que dar conta no trabalho e em minha vida. Tenho que ir rápido, não posso me atrasar. Tenho a sensação insuportável de ter que estar atenta a tudo, de ter que dar certo, tenho vontade, uma espécie de desespero, de ansiedade, vontade de jogar tudo para o alto, não suporto toda esta pressão interna de tenho que dar conta de tudo.
...Eu não quero fazer nada tão seriamente assim, desse jeito.
...Quero ficar relaxada... Sem tensão... Sem obrigações (a paciente sente ânsia de vômito, relata parecer que tem um bolo dentro do estômago)
Terapeuta: Respire fundo... Conte-me, então, o que você tem que ser?
Paciente: Devo ser séria, devo ser tensa, então, se eu for tensa serei focada, estarei alerta. Acordada.
Terapeuta: Você está dizendo que se você ficar tensa, você presta atenção. Então, se você ficar relaxada você não presta atenção, é isso?
Paciente: Sim.
Terapeuta: Veja se isso é verdade.
Paciente: Não. Posso relaxar e também prestar atenção.
Terapeuta: Se você não relaxar e prestar atenção, o que você evita?
Paciente: Não terei nenhuma distração.
Terapeuta: E se você não tiver nenhuma distração você é o quê?
Paciente: Serei mais competente.
Terapeuta: Então o que você esta dizendo é que : Seria e tensa = mais competente
Paciente: Sim?
Terapeuta: Se você for focada, você vai ver tudo o que você precisa ver?
Paciente: Sim....Nossa...estou me vendo agora, estou me punindo para prestar atenção...uau... roer unhas, já vou roendo com uma dose de irritação, me punindo como se estivesse me batendo, as vezes me machuco e fico triste com isso...
Terapeuta: Focar, prestar atenção em algo e bater em você para que preste atenção.
Paciente: Eu vivo para me punir o tempo todo, me monitoro o tempo todo. Quando eu tenho mais afazeres eu roo mais, nunca havia notado isso. Vivo tensa o tempo todo me monitorando, para prestar atenção nas coisas e não me distrair, sou um general comigo.
Terapeuta: Que tipo de pessoas precisam apanhar para prestarem atenção?
Paciente: Pessoas idiotas
Terapeuta: Então idiotas precisam apanhar para prestarem atenção e focarem.
Paciente: Sim.
Terapeuta: Apanhar faz ser mais competente. Pessoas idiotas são competentes. ( porque você nunca para de roer...se bater). Idiotas = apanham = focam = competentes. Então você tem que roer suas unhas para ser competente. É isso?
Paciente: Sim, roer unhas me faz prestar atenção. Roer unhas = idiota = Ansiedade. Eu roo unhas porque sou incompetente e distraída. As pessoas distraídas são idiotas e devem apanhar. Eu sou uma idiota por isso roo unhas. Vejo que roo unhas e penso que sou uma idiota. E roo unhas para me bater, para me machucar porque tenho que acordar, porque sou uma incompetente, burra idiota que se ficar relaxada não vou prestar atenção. Uma estupida. Quando roo unhas acho que sou uma estupida por ter roído unhas e me detesto e bato mais em mim e roo mais unhas por isso.
Terapeuta: Roer unhas = idiotas = estúpidos = ansiosos = punição. E isso faz serem mais focados e prestarem mais atenção.
- Idiotas e estúpidos são ansiosos.
Idiotas e estúpidos são tensos
Idiotas são competentes, porque apanham para prestarem atenção e assim serão competentes e serão idiotas e estúpidos.
Pessoas tensas são competentes.
Idiotas e estúpidos roem unhas
Idiotas são competentes
Então: Eu roo minhas unhas e sou tensa para ser competente - focada e prestar atenção. = Sou uma idiota = Sou estúpida.
Pessoas espertas prestam atenção e são focadas enquanto estão relaxadas = pessoas incompetentes?
Terapeuta: - O que aconteceria com você se você fosse relaxada e focada?
Paciente: Eu seria feliz. Eu seria livre.
Se eu fosse livre e feliz eu não conseguiria ser competente. Pessoas livres e felizes são incompetentes.
Terapeuta: Então é correto dizer que: Pessoas limitadas, tristes, sérias e tensas são competentes?
Então a sua ordem oculta é: Roer unhas é seguro. Ser livre é perigoso. Eu não posso estar relaxada, livre e competente. Estar relaxada e livre é perigoso.
- Se eu for feliz eu não sobreviverei porque eu não vou focar, não vou prestar atenção...
Terapeuta: Qual o motivo oculto?
Paciente: Não ser livre... sim! Eu captei isso!
Terapeuta: É isso o que você quer?
Paciente: NAAAÃOOOOO!Terapeuta: Qual é o seu novo conhecimento? O que você aprendeu disso?
Paciente: - Que eu estive funcionando até hoje deste modo:
- Que ser livre é perigoso.
- Ser feliz é perigoso.
- Estar relaxada é perigoso.
Olha... eu, na verdade, gosto de ser feliz, mas faço isso escondido... uau... então, eu não posso ser feliz em todo lugar e nem ficar relaxada e nem ser feliz... Se eu sou feliz num lugar escondido e que ninguém ou quase ninguém sabe, então, eu não sou livre e sou triste e tensa!
Na verdade, eu não era livre! Estava perdendo o meu tempo antes, perdendo minha vida...
...Estava dissociada, tinham muitas dentro de mim... Uma me roendo toda, me punindo, outra querendo ser livre, um ambiente interior caótico, enlouquecido de verdade.
Uma louca punindo, batendo, espancando, uma outra que seria a má e não menos enlouquecida, para ser punida e outra querendo ser livre... eu uma outra ainda olhando tudo isso horrorizada sem saber como romper este angustioso ciclo de terror repetitivo! Ai...
Consigo, neste instante, ver muitas dentro de mim... Não é bom machucar meu self, me machucar roendo minhas unhas... E eu estava sempre me machucando, me ferindo como uma menina ruim...
Isso, essas instancias minhas não eram boas para mim, partes minhas não gostavam de outras partes de mim mesma... Havia um aspecto meu, uma instancia minha muito ruim para mim. Consigo visualizar agora uma instancia dentro de mim, louca...
Não era justo. Não havia justiça dentro de mim, e sim, uma dinâmica louca e punitiva. É agora, não estava sendo justa, coerente comigo mesma.
Nossa... parece que agora começa de verdade a ser feita a justiça real dentro de mim... estou vendo todo este complexo internamente, o funcionamento, como que estava funcionando até agora...!
Terapeuta: Está presenciando a cura da natureza do seu conflito?
Paciente: Sim. Vejo tudo isso como um complexo. Literalmente louco, uma forma louca de ser.
Terapeuta: Perdoa a si mesma?
Paciente: É o melhor que posso fazer por mim, sinto compaixão, me perdoo, claro. Perdoo todos os meus eus. Sem cabeça! E com pouquíssima referência sobre quem eu sou hoje e sobre quem eu poderia ser.
...Estava doente e não sabia... Consigo neste instante ver as imagens de todas essas pessoas dentro de mim. Interessante... parece que elas estavam todas localizadas na região do meu estômago... sinto compaixão por todas, por todo este complexo organizado, nesta caoticidade...
...É como seu eu estivesse me multipartido em algum tempo criando todas estas instâncias para me salvar. Elas estavam tentando fazer o melhor dentro do conhecimento delas para me ajudarem... E assim estou agora acolhendo a todas. É humano, estamos todas juntas agora, em paz, acolhidas... Estamos descansando, depois de muito tempo tentando sobreviver naquela construção de realidade tensa, sofrida, punitiva...
Estas instâncias parece que estão descansando agora... agora parece que estão como um sonho... eu estou vendo como um sonho... interessante... parece que estão sem vida... ou que nem existem... estão ficando distantes como a lembrança de um sonho que gradativamente vai se apagando da mente...se esvanecendo...uau...
Parece que foi tudo um sonho e que deixei ir embora, deixei todas irem embora como um sonho cada vez mais distante...
...Estou me sentindo vazia..
Hmmm...minha respiração esta profunda, ampla, acho que tinha muita gente aqui dentro ocupando espaço..
Terapeuta: E agora...?
Paciente: Sinto que estou livre, me sobe uma onda de alegria, um sentimento de expansão e calma ao mesmo tempo. Ahhhh... Isso é o efeito, uma despossessão, foi isso o que aconteceu...!
Essa é a razão porque eu nunca conseguia fazer muitas coisas que desejava...estava monitorada, punida e podada o tempo todo, estavam me batendo de tantos modos e neste momento me sinto feliz e livre.
Desde o final dessa sessão, a paciente perdeu a demanda para roer as suas unhas e com isso em muitas outras áreas de sua vida tiveram uma mudança em autonomia somando-se a novos conhecimentos de si mesma.
A lição que fica é que existe neuroplasticidade cerebral, de alma e de realidades. Ou seja, tudo pode mudar a qualquer instante, basta ter atenção, foco, determinação e se necessitar de ajuda externa, este mesmo foco, determinação e atenção lhe guiarão para o que necessário for. É a lei.