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Ninguém vive feliz sem a Solidão Necessária

por Luís Vasconcellos em Psicologia
Atualizado em 23/06/2003 12:09:24


Quando cada um de nós nasce se vê logo apartado do útero materno, cortam-nos o cordão umbilical e assim fica configurado que se inicia O CICLO DE VIDA DE UM SER AUTÔNOMO e que sobreviveremos como ser individual, ainda que para isso dependamos enormemente da ajuda de companheiros da mesma espécie e de uma incessante TROCA e INTERAÇÃO com o meio AMBIENTE através da respiração, alimentação, sexo, vida familiar e social etc...

Estas duas facetas da existência (AUTONOMIA e INTERDEPENDÊNCIA) convivem uma com a outra e são essenciais a quem queira usufruir um viver pleno.
No entanto, desde muito cedo associamos o PRAZER a ESTAR JUNTO e a DOR a ESTAR SÓ.
Quanto a isso existe uma unanimidade quase inquestionável.
Somos ensinados a isso e nos convencemos de que estar bem com o social (família, escola, civilização de massa), é fundamental e que há algo de errado e verdadeiramente pecaminoso em alguém se isolar ou estar separado dos outros. Associamos doença e morte à solidão com a mesma facilidade com que associamos vida e prazer à experiência comunitária.
Com o tempo a consciência do fato de sermos seres autônomos e individuais cai no esquecimento mórbido das coisas reprimidas e negadas.

Ninguém gosta de pensar ou de lembrar que é indivíduo (e que, portanto, a solidão é inerente ao seu estado de ser).

Quase ninguém se sente confortável quando é obrigado a tomar uma decisão individual (quando não adianta ouvir os CONSELHEIROS DE PLANTÃO e só pessoalmente se pode encontrar uma resposta), e ainda sobretudo quando todas as tentativas de recorrer ao convencional (ou àquilo que é CONSIDERADO como o MELHOR A FAZER) não nos responde à questão: “o que quero/devo/prefiro/escolho /pretendo/desejo... fazer ???????”

Todos sabemos o quanto é mais fácil sucumbir a uma pressão externa do que procurar descobrir qual é a nossa real inclinação ou, ainda, do quanto é mais fácil ter uma resposta pronta nos lábios do que procurar saber o que o nosso íntimo tem a dizer!!!...
Em quase cem por cento das vezes a visão / explicação / valor ou conceito SOCIAL supera / abafa / reprime / humilha nossa insegura procura de uma resposta PESSOAL para o vivido.

Devido a isto, muito freqüentemente nos descobrimos fazendo o que IMAGINAMOS que OS OUTROS gostariam que fizéssemos em detrimento daquilo que faríamos (será?!) se tivéssemos a “ousadia” de agir / pensar / falar e seguir o nosso EU individual.
Pode ser muito cruel o combate entre os MUITOS (os outros, família, escola, autoridades do mundo) e o ÚNICO (o EU, o indivíduo).

Historicamente firmou-se o ditado: “Antes só do que mal acompanhado”.
Contudo verifica-se que o aqui denominado CONTRA-DITADO:
”Antes mal acompanhado do que só“, com demasiada freqüência acaba prevalecendo. Conclusão: É mais confortável seguir o convencional / o aprendido / o que se pensa / o que se faz / o que se deve!!!...

Entretanto, muitos descobrem-se fazendo a pergunta “O que EU estou fazendo aqui com essa pessoa“? (após a saciedade do desejo sexual, por exemplo).
Outros dizem que a noite foi um saco, apenas rotina (em meio a toda a variedade possível de uma noite movimentada).

Muitos descobrem-se sós em meio à multidão, muitos sentem um enorme abismo que separa o EU inapelavelmente dos outros. Os rebeldes e revoltados se isolam da massa fingindo-se de superiores na sua separatividade renitente.
Muitos se revoltam por dizer sempre “sim e/ou não” (às pressões e demandas dos outros) tanto quanto por não saberem dizer “não e/ou sim“... Não se nota, neste sentido, nenhuma diferença qualitativa entre os contingentes de conformados e o dos revoltados, pois de um modo ou do outro, ambos os grupos, em seu desequilíbrio, perderam a liberdade e o poder de escolha verdadeiramente individual.

Muitos se rebelam contra a permanente companhia do OUTRO, para depois se ressentirem de sua falta após a separação.
Outros dizem: “ruim com o OUTRO, pior sem ele” e se submetem a condições insuportáveis no relacionamento.
Os acomodados e conformados esperam (e anseiam), que “alguém“ lhes ofereça soluções e respostas para tudo...
Muitos se misturam aos muuuuuitos para não sentir tanto a presença do EU!
Este é um terreno fértil para todo tipo de ilusão e desequilíbrio.
Há muitos meandros e subterfúgios para se fugir da “SOLIDÃO NECESSÁRIA”.

Em nossa cultura de massas a ação mais individualizada aparece, por exemplo, nos egocêntricos renitentes (o contingente das pessoas que são “do contra” em uma cultura de massas), quase sempre de uma forma desequilibrada e deselegante.
Ou então, esta ação individualizada é considerada uma prerrogativa de artistas / filósofos / idealistas / sonhadores / visionários / líderes carismáticos ou, é claro, não se pode esquecer dos roqueiros (risos!).
Nota-se, portanto, que apenas uma pequena parcela da sociedade se INDIVIDUALIZA (e são idolatrados!) enquanto o restante (a grande massa), se alimenta dos produtos e realizações destes poucos, invejando abertamente as suas façanhas e esquisitices.
Sentimentos e disposições contraditórias se oferecem neste terreno.Continuando...
Há uma SOLIDÃO NECESSÁRIA e não somos mais felizes por reprimi-la, por não gostar dela ou, ainda, por torna-la indesejável e desagradável...
Há uma SOLIDÃO NECESSÁRIA quando o OUTRO nos chama a uma cumplicidade negativa com ele e somos obrigados a enfrenta-lo dizendo a verdade ou apontando um outro ponto de vista.
Vice-versa, quando não aceitamos a SOLIDÃO NECESSÁRIA acabamos cúmplices dos outros com muita facilidade, sendo demasiadamente flexíveis e/ou não nos fazendo moralmente claros e nem verdadeiros (geralmente pelo medo da rejeição).
Naturalmente, em assim sendo, o OUTRO não encontra em nós um oponente valoroso, e sim, um cúmplice benevolente demais, complacente demais e sem limites definidos.
(Esclarecimento necessário: oponente valoroso: é aquele que não foge do confronto (quando é o caso) e se opõe a nós quando estamos desequilibrados e, portanto, errados. É aquele que nos mostra o outro lado daquilo que desejamos ver; ou ainda, aquele que nos aponta os furos e as sombras de nossa posição costumeira)...
Estar junto é uma coisa boa, mas estar em cumplicidade é criar vínculos negativos que roubam nossa liberdade de ser e nos fazem escravos da necessidade de afeto, que por si mesma nos faz dependentes e submissos ao OUTRO.

Alguém que vive a SOLIDÃO NECESSÁRIA aceita pagar o preço e o risco de se descobrir em má companhia (quando defendendo aquilo que, para si próprio, faz sentido ser, dizer ou fazer!) e pode se ver diante da necessidade de decidir pela separação / afastamento (já que, nesta hora, ele descobre que SOZINHO já estava há muito tempo... sem um oponente valoroso).
Muitas vezes, fugimos de ter que tomar decisões porque a falta de aceitação da SOLIDÃO NECESSÁRIA nos faz frágeis e dependentes.

Muitas vezes, em meu consultório, acompanhei a evolução de casais até o momento de se poderem enxergar verdadeiramente e daí em diante é imprevisível o que eles possam decidir a respeito da continuidade da relação.
Se assumirem o risco de se individualizarem ( o UM perante o OUTRO) poderão descobrir que era exatamente isto que faltava para a relação ser mais plena, feliz e realizadora para ambas as partes.
No entanto, quando a separação se impõe, um e outro acabam por descobrir que se frustraram na expectativa de que sua solidão pessoal desaparecesse.
Nestes casos, ao invés de se separarem, bastaria unicamente aceitar este fato: a existência da SOLIDÃO NECESSÁRIA. Há um risco, mas é o único modo de se saber se a relação pode ou não dar certo. Ao invés de uma mera adaptação, conveniente a ambas as partes, pode-se viver uma relação vitalizada e cheia de aventura, porém sem um resultado previsível no horizonte.

Numa relação, alguém pode descobrir que apesar de sempre ter tido companhia, sempre esteve só e isso é ainda mais notório se algum fator inesperado quebra a rotina e expõe os envolvidos à urgência de exercer uma opção individual, antes muito adiada...
Toda vez que um indivíduo toma uma posição em função de um desafio, dúvida ou paradoxo e faz uma escolha/toma uma decisão de uma direção a seguir, ele exerce a SOLIDÃO NECESSÁRIA (Claro, desde que sua opção não se tenha baseado unicamente nos padrões sociais convencionalmente impostos...).
Pode haver muito prazer (elevando a auto-estima) no fato de aceitarmos a SOLIDÃO NECESSÁRIA.

Há um estado solitário que se mostra na ausência de companhia, na ausência de um companheiro e este isolamento é composto de carência e medo.
A SOLIDÃO NECESSÁRIA não se abastece da carência e do medo: ela é o preço a ser pago pela individualidade e pelo exercício do direito de escolha e de decisão responsáveis.
Depois de sermos “jogados no mundo” sem escolha e sem opção, podemos livremente assumir este fato e tocar a vida adiante, com muito mais consistência, estratégia e determinação individuais. Temos que abandonar a posição trágica e passiva do sofredor/vítima do destino e exercer nosso arbítrio em nossas vidas.

Alguém já disse:
“Não se pode MORRER MAIS OU MENOS então, por que aceitamos que se possa VIVER MAIS OU MENOS?“
Será que ocorre a alguém que ele possa ser feliz e sentir-se completo sem se individualizar?
Usando uma metáfora posso dizer que o Universo (o Todo-Poderoso) pode nos ter dado o oceano, as correntes marítimas, as marés e os ventos, mas cabe a nós tomar o “leme” de nossos humanos recursos (barco) de sobrevivência e de produção, para nos orientarmos de modo autônomo na tomada responsável de decisões individuais.

Talvez caiba aqui lembrar que ENVELHECER é obrigatório, mas AMADURECER é opcional.


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luis
Luís Vasconcellos é Psicólogo e atende
em seu consultório em São Paulo.



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