Psicoterapia Breve: Uma Abordagem Eclética - Parte 7
por Flávio Gikovate em PsicologiaAtualizado em 25/10/2007 12:22:28
c) Problemas relacionados mais com a sociedade
Já registrei o impacto negativo sobre as moças jovens e inexperientes, sedentas de um lugar ao sol no jogo erótico que se estabelece entre elas na conquista dos rapazes mais disputados, produzido pelas imagens de modelos e símbolos sexuais femininas altas e magérrimas. É ínfima a proporção de moças que naturalmente se aproximam desse modelo, hoje tido como ideal - sim, porque até há poucas décadas a mulher atraente era aquela em que as formas realçavam, o que implicava em uns 10% de peso a mais do que hoje; e já foi muito mais. O peso ideal e a aparência física mais atraente são definidos pela cultura, segundo critérios variados, que vão desde sinais de prosperidade, passando por aquilo que se acredita ser bom para a saúde e chegando perto dos interesses comerciais da indústria de roupas e cosméticos em geral.
O fato é que as moças que não estão de acordo com o padrão - quase todas - se sentem muito mal, inferiorizadas e menos atraentes ainda que despertem o interesse de um bom número de rapazes. Elas todas desejariam ser as mais belas, sem perceber que isso é impossível e não tão relevante. Mas quem conversa com uma adolescente sabe que nada é mais importante que estar em sintonia com o que pensam e o modo como se comportam os seus pares. Assim sendo, praticamente todas as moças passam a fazer dietas com o intuito de perder peso e estarem de acordo com o padrão atual. Quando não conseguem o grau de sacrifício necessário, passam a vomitar após as refeições ou sempre que comem algo “proibido”. Outras se sentem encantadas com o poder que desenvolvem de dominar seu apetite, de modo que praticamente não se alimentam por dias seguidos. Se sentem orgulhosas com sua disciplina e força de vontade e isso se torna mais importante que tudo. Passam a perder peso indefinidamente, definhando e adoecendo. Desenvolvem um quadro difícil de reverter, pois acabam por “adorar” sua competência para jejuar.
O tratamento, nesses casos cada vez mais freqüentes e complexos, passa por uma fase cognitiva, onde é preciso explicar que estão pensando mal a respeito das “ordens” que estão recebendo de fora, que nem tudo é para ser obedecido ao pé da letra, que não existem represálias para os transgressores desse tipo de solicitação do meio. Passa depois para uma fase dinâmica e interpretativa das questões relativas à vida afetiva, necessidade de ser aceito pelo grupo, desejo de sucesso social, especialmente com o sexo oposto, necessidade de auto-afirmação e tantas outras questões básicas para quem está iniciando a vida adulta. Nos casos mais graves, especialmente de anorexia nervosa, é necessária a internação hospitalar, alimentação por via intra-venosa e medicação antidepressiva para desfazer este quadro que mais parece um transtorno obsessivo. No caso da bulimia, os resultados costumam ser mais fáceis de serem atingidos, mas a experiência ensina que há forte tendência à reincidência: cada vez que a moça engorda um pouco mais, volta a vomitar. É como se tivesse aprendido a “roubar” no jogo das calorias. O tratamento deve, por vezes, se estender um pouco mais justamente para tratar desse aspecto “moral”. Existe também a necessidade de um trabalho de linhagem comportamental ligado à mudança definitiva de hábitos alimentares. Já disse e repito que estabelecer associações e criar hábitos é muito fácil. Desfazê-los é tarefa difícil e cheia de dificuldades. Nem por isso devemos nos acomodar e deixar de nos empenharmos ao máximo no sentido de ajudar o paciente a alterar todos os hábitos inadequados.
Outro tipo de dificuldade, essencialmente masculina, é a relativa ao pleno exercício da função sexual justamente em virtude deles se sentirem excessivamente exigidos nessa área. Ouvimos, desde sempre, que um homem de verdade não recusa situações eróticas, que não sente medo e nem evita uma mulher em hipótese alguma, que deverá ser capaz de ter não sei quantas relações em seguida, e assim por diante. Enfim, crescemos com a idéia grosseira de que “quanto mais, melhor” e que jamais deveríamos dizer “não” a uma mulher. Isso seria coisa de maricas! Vejam a situação dos homens, especialmente os mais delicados: têm que desempenhar sempre de acordo com a expectativa que o meio social tem deles; o pior é que nem sempre conseguem. Aí, fracassam. A sensação é desastrosa e terrível. Em qualquer outra situação, mesmo mais adequada, o pavor de novos fracassos passa a perseguir aquele que um dia fracassou - é incrível, mas o homem quando não consegue manter a ereção e ter a relação sexual numa situação específica generaliza sua experiência e sua ansiedade de modo que passa a duvidar sistematicamente de sua virilidade.
Acontece que o medo de fracassar se torna a principal causa de novos fracassos. Sim, porque o homem vai para cada relacionamento ansioso e com medo, o que implica em vaso-constrição, o oposto do que é necessário para que haja a ereção. Se não conseguir reduzir a ansiedade, o que depende muito do comportamento da mulher com quem ele está, não conseguirá manter a relação normal outra vez. Isso pode se tornar rotina e a dificuldade tende a crescer. Esses homens têm ereção normal quando dormem, quando estão mantendo intimidades com uma mulher longe da situação de terem que ir para a cama - num baile, por exemplo. Ou seja, não necessitam de exames urológicos para sabermos que estão fisicamente bem. Técnicas comportamentais variadas, desenvolvidas desde o fim dos anos 60 a partir dos trabalhos de Masters e Johnson, são muito eficientes para reduzir a ansiedade associada à situação erótica e recriar condições positivas para o exercício da função erótica. Elas passam por pedir ao homem que tenha uma companheira cooperativa, com quem possa reaprender - ou aprender - a ficar na cama sem se sentir obrigado a nada - conforme o caso, convém proibi-lo de ir para além de certas carícias mais superficiais, o que o deixará ainda mais calmo - até que seja capaz de recuperar a serenidade e a autoconfiança. Hoje em dia as pessoas têm se socorrido de medicamentos tipo Viagra, vasodilatadores da região peniana, que ajudariam a manter a ereção, já que atuam na direção oposta à da ansiedade e do medo. Eles substituiriam as técnicas de tipo comportamental, com a desvantagem de que a pessoa tende a se tornar um tanto dependente da medicação. É aí que entra como elemento fundamental, ao menos do meu ponto de vista, a psicoterapia dinâmica, que conduziria o paciente a trabalhar essa terrível e indevida dependência, presente na grande maioria dos homens, de sua competência sexual. Ou seja, não tem cabimento que nossa auto-estima e orgulho pessoal estejam vinculados ao nosso desempenho sexual. Isso, no mínimo, deixa os homens extremamente fracos perante as mulheres; mais precisamente, mostra a fraqueza que sentimos em relação a elas, assunto que é um dos temas da psicoterapia. Uma postura nova, mais independente e menos preocupada com desempenho e com o jogo de poder entre os sexos, é indispensável para a resolução dessa dificuldade no longo prazo.
De uma forma geral, podemos dizer que, aqui como em tantos outros tipos de problemas descritos, os medicamentos tendem a substituir as terapias comportamentais. No que diz respeito à psicoterapia de caráter dinâmico, ela me parece cada vez mais necessária e insubstituível, especialmente quando se pretende consolidar resultados no longo prazo e quando se pretende tirar lições mais profundas e definitivas dos sofrimentos que a vida nos impõe.
O meio social influencia bastante na formação de uma personalidade predisposta à homossexualidade masculina. À medida que vivemos num meio que considera parte da virilidade o menino ser portador de certa dose de agressividade, competência para revidar quando objeto de ironias e brincadeiras violentas, essa mesma sociedade faz com que aqueles meninos mais delicados e medrosos, mais sensíveis e menos competentes para situações agressivas, cresçam com dúvidas acerca de sua virilidade, sendo chamados por apelidos que indicam sua futura predisposição homossexual. Chegam à puberdade inseguros, com medo de fracassar. Se isso acontecer, ou mesmo se o medo for maior que a coragem para procurar uma mulher, o rapaz não terá mais dúvidas: é homossexual! Ainda mais se for bonito e perceber que é desejado por outros homens mais velhos e que já estão encaminhados nessa direção. Trata-se de mais um caso em que a profecia parece se auto-realizar. Tendo da homossexualidade uma visão desse tipo, é claro que acho possível tratá-la; isso para aqueles que efetivamente assim o desejarem.
Inúmeros outros problemas emocionais derivam de pressões sociais relacionadas com o preenchimento de um padrão médio que não serve para todos. Os que são mais baixos do que o usual da população são objeto de ironias e brincadeiras desde crianças, condição incômoda e humilhante. Tentam disfarçar a violência com que sentem o golpe e tendem a se transformar em adultos ressentidos, vingativos e muito ambiciosos. O mesmo acontece com aqueles que são mais gordos, mais altos, que tem os cabelos de um tipo que não está entre os corriqueiros, os que falam com a língua presa etc.. As pressões são tantas e tão variadas que os sentimentos de inferioridade podem ser considerados como universais. Eles são responsáveis por sérias dificuldades de socialização que se manifestam em muitos dos que não forem capazes de encontrar melhor solução para suas mágoas: tendem a ser retraídos e agirem como rejeitados por antecipação, outra profecia que se auto-realiza, já que o que se coloca assim defensivamente aparece aos olhos dos “outros” como arrogante e pretensioso, o que desperta sentimentos negativos.
Muitos se tornam extraordinariamente tímidos, sempre achando que não irão agradar e que sua presença será tida como um incômodo para as outras pessoas. Tentam ocupar o mínimo de espaço possível e se retraem, o que determina reações pouco simpáticas por parte dos interlocutores, o que reforça a postura cada vez mais defensiva. Os tratamentos nesses casos têm que ser de tipo psicodinâmico, tentando, através da própria vivência terapêutica, alterar o ponto de vista da pessoa a respeito de si mesma. A psicoterapia terá que ser uma “experiência emocional corretiva”, para usar a expressão de F. Alexander: o paciente irá se comportar como é, se mostrar como, de fato, é, e perceberá que pode despertar sentimentos positivos sinceros por parte do terapeuta. Vivências desse tipo neutralizam e desorganizam pontos de vista cristalizados na subjetividade do paciente. Aliás, todos os procedimentos terapêuticos deveriam conter, entre os seus vários ingredientes, esse do indivíduo se sentir aceito e respeitado do modo como efetivamente é. Isso só pode acontecer se o terapeuta não for pessoa crítica e nem se arvorar em juiz.
A timidez radical é, por vezes, fenômeno mais complexo, encobrindo dificuldades específicas da área sexual ou mesmo fazendo parte de um tipo de personalidade chamada de esquizóide, onde dificuldades de comunicação derivam de supostas alterações cerebrais de caráter genético. Não são freqüentes e escapam aos objetivos desse trabalho, uma vez que não poderiam ser tratadas a não ser por psicoterapias sem prazo definido, além de eventual acompanhamento medicamentoso. Quando existem causas definidas escondidas por trás das dificuldades de convívio social, convém tratá-las primeiro para ver se a inibição no trato com as outras pessoas não se dissolve por si.