Psicoterapia Breve: Uma Abordagem Eclética
por Flávio Gikovate em PsicologiaAtualizado em 13/09/2007 16:00:33
(Psicoterapia breve sem escola)
1. Introdução e apresentação dos objetivos
Minha avaliação, ao fazer um retrospecto do que aconteceu com a psicologia e, em particular, com a psicanálise, ao longo do século XX, é de que as três primeiras décadas podem ser consideradas como a dos “anos dourados”. Os extraordinários avanços representados pela psicanálise jamais deveriam ser subestimados mesmo por aqueles que, como eu, sempre tiveram muitas dúvidas acerca do rigor e veracidade de suas conclusões. Às contribuições geniais de Freud se agregaram várias outras de seus “discípulos” mais dotados e que talvez por isso mesmo se tornaram dissidentes - a cega obediência dificilmente pode conviver com um espírito criativo e inovador. Jung, Adler, Ferenczi, Rank estão entre os muitos que participaram dessa época invejável, quando se trocavam experiências e os dogmas ainda não existiam, quando se estava na “oposição” e não no “governo” e todos - a maioria ainda jovem -, foram amigos e analistas uns dos outros.
Ao mesmo tempo, na Rússia, e não na Áustria e arredores, estudos de fisiologia animal conduzidos por Pavlov introduziam interessantíssimos elementos ao processo de aprendizado, os chamados reflexos condicionados. Tais reflexos, uma vez estabelecidos, eram difíceis de serem desfeitos e, na prática, atuavam como os reflexos incondicionados, aqueles com os quais nascemos e que nos protegem contra animais perigosos, o escuro, ruídos fortes, entre outros. As reações neurofisiológicas relacionadas com a luta e a fuga e que são a essência dos processos orgânicos relacionados com o stress, também foram estabelecidos por volta dessa época.
A partir dos anos ‘30 a psicanálise passou a ter crescente credibilidade e as sociedades psicanalíticas se estenderam para quase todas as partes do mundo. O assim chamado “movimento psicanalítico” foi, cada vez mais, sendo conduzido por discípulos e não por Freud pessoalmente. As formas de treinamento de novos profissionais e as técnicas de trabalho foram sendo padronizadas de forma cada vez mais consistente, especialmente depois da morte do fundador (1939) e sobretudo na Inglaterra, para onde migrou o centro de poder do “movimento”. Surgiram, de modo mais evidente, as disputas pelo poder. Todos queriam suceder ao mestre, inclusive sua filha Ana e Melanie Klein. Não há interesse em descrever detalhes assim “humanos” observados entre aqueles que se propunham ser criaturas mais equilibradas e bem “analisadas”.
Não é o caso aqui de aprofundar a descrição do que acontece quando uma doutrina se transforma em uma instituição e o que isso possa significar para o avanço ou retrocesso de uma ciência. De forma genérica, penso que o processo passa a ser governado pelas regras usuais nas instituições, qualquer que seja a doutrina envolvida. O fato é que foi dessa forma que a psicanálise se estabeleceu e se disseminou, gerando núcleos autoritários em todos os continentes. Encontrou grande oposição na França, talvez em virtude das históricas rivalidades européias. Como costuma acontecer em outros setores da atividade humana, é claro que grupos críticos também se constituíram em toda a parte, defendendo pontos de vista antagônicos aos da psicanálise, ou seja, de que o essencial para o entendimento da nossa condição tem que ser procurado nos meandros do nosso cérebro, na química e nos mecanismos recém descobertos relacionados aos reflexos condicionados. Entre esses opositores, o mais radical e vibrante talvez tenha sido Eisenck, professor na Universidade de Londres, e que fazia guerra aberta à “sede central” da psicanálise, localizada a poucos quarteirões de distância de sua sala.
Outros autores atuavam no desenvolvimento de processos relativos aos mecanismos reflexos, de modo que começaram a pipocar trabalhos mostrando a utilidade de propostas terapêuticas derivadas dessa matriz. Surgiram, nos EUA, os textos de Skinner, propondo técnicas específicas para o tratamento de crianças deficientes e também para outras condições. Autores de formação médica, especialmente Wolpe e Lazarus, desenvolveram os primeiros tipos de terapias comportamentais para aplicação em casos de fobias. Outros autores também se dedicaram a essa tarefa, especialmente em Londres a partir dos anos ‘60.
A França só passou a se interessar pela psicanálise quando ficaram conhecidos os trabalhos de Lacan, uma espécie de reescritura dos textos originais de Freud em uma visão talvez ao mesmo tempo revolucionária e adaptada ao modo de pensar dos franceses. De todo o modo, para a psicanálise de linhagem inglesa, que vinha vivenciando ao mesmo tempo grande reconhecimento internacional e severo processo de cristalização - entendido como empobrecimento de suas possibilidades de renovação e perda total de criatividade -, a entrada em cena de Lacan e das sociedades que se constituíram em seu nome significou grave cisão interna e polarização de posições no seio do “movimento”. Além de uma vertente “Junguiana”, sempre presente, mas pouco influente, havia agora os “Lacanianos” que se opunham aos tradicionais psicanalistas da escola freudiana inglesa.
Entre os comportamentalistas, também havia divisões: os discípulos de Skinner eram os mais radicais e negavam qualquer utilidade a algo que não fossem os trabalhos de condicionamento operante. Os de mente um pouco mais aberta aceitavam os empenhos de tratar pessoas por meio de processos de dessensibilização sistemática e até mesmo técnicas mais radicais tipo “implosion” - exposição de um fóbico, por exemplo, à mais adversa condição para buscar um resultado mais rápido - e que foram usadas com algum sucesso pelo grupo do Maudsley Hospital de Londres chefiado por I.M.Marks.
Surgiu, também nos EUA, o termo “terapia cognitiva”, cunhado por A. Beck e também desenvolvido por A. Ellis, e que implicava em tratamentos envolvendo contatos verbais de caráter não dinâmico, ou seja, conversas que pretendiam entender os equívocos cometidos durante o processo de compreensão de uma dada situação geradora de sintomas e buscar fórmulas terapêuticas, muitas vezes semelhantes às desenvolvidas pelos comportamentalistas. Da reunião delas surgiram as terapias cognitivo-comportamentais, hoje tão bem aceitas.Dentre os psicanalistas que, antes da segunda guerra mundial, migraram para os EUA, cabe o registro especial para Franz Alexander. Trabalhando em casos de medicina psicossomática, tratou de tentar adequar os conhecimentos psicodinâmicos estabelecidos pela psicanálise a formas de tratamento mais adequadas à cultura norte-americana. O senso prático, as questões até mesmo de caráter material próprios desse povo para quem os resultados contam mais do que as doutrinas - até porque não costumavam ser grandes produtores de teorias - criaram as condições ótimas para o surgimento das primeiras reflexões efetivas acerca da necessidade de revisão da técnica psicanalítica, no sentido de torná-la mais adequada à prática médica. Surgiram, ao longo dos anos ‘50, os trabalhos iniciais de psicoterapia analítica breve sistematizados no livro, escrito por Alexander junto com T. French, chamado Terapêutica Psicanalítica, marco básico para o surgimento das técnicas psicoterapeuticas hoje mais usadas em todo o mundo. Otto Rank, que também havia emigrado e se preparava para viver uma nova etapa, talvez a mais produtiva de sua vida, inclusive com interferência nas questões técnicas, morreu prematuramente logo após a guerra.
Não se pode deixar de registrar que na Inglaterra do pós-guerra também aconteceram importantes contribuições que influenciaram a maneira de pensar de muitos psicoterapeutas em todo o mundo. Talvez o mais influente, junto com Winnicott, tenha sido Bowby, que tratou particularmente dos vínculos, dos elos que unem crianças às suas mães e de como eles podem influir no modo de vivenciar relacionamentos em fases posteriores da vida.
O trágico é que os profissionais mais ortodoxos e radicais, defensores de cada uma dessas doutrinas, têm tanta certeza de que estão de posse da verdade absoluta, que sequer se dão ao trabalho de ler o que pensam seus colegas pertencentes a outros grupos. Aliás, a simples existência de tais grupos já é dramática, pois não é assim que se faz ciência. Ciência depende da observação de fatos, de resultados. Ciência depende de debates, de confronto entre pontos de vista e resultados, e não da formação de “escolas” que se isolam e não querem contato com oponentes. Não existe teoria física que se sustente se os fatos não a comprovarem. Em psicologia isso existe!
Ainda hoje existem, e são em maioria, os defensores desse ou daquele grupo teórico. Na prática, porém, todos tem tido a necessidade de trabalhar de forma mais homogênea. Hoje vivemos divergências teóricas enormes e práticas terapêuticas mais afinadas. A grande maioria dos terapeutas não tem tido resultados brilhantes e a conseqüência disso tem sido o forte declínio da procura por psicoterapias e uma diminuição do respeito pelos profissionais que as praticam. Surgiram medicamentos novos, razoavelmente eficientes, e muitos são os que preferem se submeter a tratamentos farmacológicos ao invés de psicoterapias. Outros preferem relaxamentos, Yoga ou práticas de meditação. Outros ainda aderem a alguns dos inúmeros tipos de charlatanice que sempre se renovam. Muitos preferem ler livros que parecem lhes dar a fórmula da salvação.
Aqueles profissionais que trabalham com melhores resultados são os que têm uma visão mais global, mais ampla das questões humanas, além de se sentirem menos comprometidos com qualquer tipo específico de teoria psicológica ou técnica psicoterapêutica. É claro que todos temos nossas preferências, mas o que se segue, e que constitui a base do que hoje se chama de psicoterapia breve sem escola, tem por finalidade o bem-estar do paciente. Trata-se de um trabalho personalizado, onde se busca essencialmente uma forma de encaminhar e, se possível, solucionar os dilemas e dramas de uma dada pessoa. Não se trata de defender essa ou aquela teoria ou técnica terapêutica. Trata-se de ajudar o indivíduo que nos procurou a sair do desconforto em que está mergulhado.