Viver a vida sem medos, sem crises de pânico, é possível?
por Silvia Malamud em PsicologiaAtualizado em 26/05/2021 16:23:37
Inúmeras vezes, ao longo de nossas vidas, passamos por situações disparadoras de medos irracionais e outras vezes, quando deveríamos ter muito medo, agimos de modo totalmente diferente do esperado...
Alguma vez em sua vida já foi assolado por um medo irracional, aquele que faz congelar e literalmente tremer nas bases? Pior, passou por alguma situação nessa ordem de pavor que, inclusive, possa associar à síndrome do pânico? Se a resposta for sim, por um instante parou para refletir o que além do fato em si pode ter causado esta tremenda e avassaladora reação emocional? Ou seja, quais circunstâncias internas podem associar-se a eventos reais promovendo estados inexoráveis de medo que, inclusive, chegam a paralisar? O que pode ser feito para sair desse estado? Exemplo ilustrativo:
Maria veio ao meu consultório achando que poderia estar começando a desenvolver a conhecida "síndrome do pânico". A seu ver, o motivo determinante seria que andava muito estressada e sempre com inúmeros afazeres sentindo que poderia não dar conta de tanta coisa. Relata que num determinado momento enquanto dirigia seu carro por uma ponte de acesso à cerca de sua cidade, notou que pouco a pouco perdia a conexão com a linha reta do chão... Mais um pouco, uma sensação de medo avassaladora foi lhe acometendo somada ao medo de bater o carro ou mesmo de cair abruptamente da ponte. A sensação foi gradativa e rapidamente lhe invadindo a ponto de aterrorizada sentir todo seu corpo paralisar.
A partir dessa terrível sensação, Maria não conseguiu pensar em mais nada, possuída por insegurança desmedida que rapidamente transformou o medo em pavor absoluto, totalmente sem alternativas, viu-se obrigada a parar o carro no meio da ponte até que sua irmã, acionada pelo celular, chegasse.
Até o momento do resgate, Maria encontrava-se paralisada em meio a suor excessivo. Sua boca estava totalmente seca sentindo que poderia desmaiar a qualquer instante tamanho era o pânico. Ao chegar em sua casa, ainda sem compreender o que de fato ocorreu, pouco a pouco foi se acalmando até ser tomada por profundo cansaço e sono sem igual. No dia seguinte, porém, aparentemente pareceu que tudo voltara ao normal.
Mais dois dias se passaram e desta vez Maria estava em meio a um enorme trânsito, quando de modo inesperado o mal-estar e o medo novamente foram alavancados. Desta vez, consciente de para onde essa sensação a poderia levar, tentou se acalmar respirando fundo conseguindo manter o controle até chegar ao seu destino. Depois disso, não quis esperar passar pela mesma sensação uma terceira vez e foi assim que veio me procurar em busca de auxílio terapêutico.
Desenvolvimento e cura emocional deste caso: todos nós temos um mundo interior muito particular e único e que difere de todo o restante das pessoas. Explicando melhor, seria o mesmo que compararmos a humanidade toda tendo dedos, porém, com nenhuma impressão digital igualando-se a outra. Assim somos nós. Iguais na forma, porém diferentes e únicos em nossos aspectos pessoais, em nossas nuances e especificidades.
Maria estava de fato começando a desenvolver a conhecida síndrome de pânico, em meio todas as características reconhecidas por todos que a estudam a fundo. Um dos fatores disparadores dessa síndrome é o estresse emocional.
A formação particular deste estresse e todo o significado pessoal é o que faz Maria ser única em sua história.
Isso serve exatamente para qualquer pessoa que esteja na situação de adoecimento emocional onde se é possível classificar a nomenclatura científica para determinado padrão de funcionamento, jamais porém, sendo viável rotular um motivo interno e externo padrão, como detonador de todo evento da mesma ordem de adoecimento emocional.
No caso específico de Maria, havia dois acontecimentos muito importantes rondando sua vida: luto recente ocasionado pela morte abrupta do pai, por meio de infarto fulminante, e uma conquista profissional nova em que teria que sair do lugar comum de seu trabalho para gerenciar toda a equipe que anteriormente fazia parte.
Processar o luto da morte repentina de seu pai não estava sendo tarefa fácil. O pai sempre fora o verdadeiro chefe da família, mas contava muito com Maria para que o ajudasse a administrar seus bens e pagamentos em geral. Maria sempre fora boa em contas e orgulhava-se de poder auxiliar seu pai além de sentir-se na obrigação. Constantemente, era acionada para esse feito quando retornava do trabalho e fazia sem questionar seu cansaço ou o que seja. Isso ocorria mesmo nas incontáveis vezes em que se encontrava exausta após intenso dia de trabalho. O fato é que desde o falecimento, sentiu-se obrigada a tomar conta de tudo, inclusive a tomar decisões que antes cabiam apenas ao pai. Nesta ocasião, estava com 28 anos. Antes de sua primeira crise, sentia-se sobrecarregada de afazeres, triste com a morte do pai e ao mesmo tempo ansiosa com a expectativa de ter bom desempenho no novo cargo conquistado no trabalho.
O primeiro disparador do pânico foi a passagem pela ponte... Em seu reprocessamento, durante a terapia, compreendeu qual sentido fazia para ela o simbolismo de atravessar a ponte dirigindo o seu próprio carro. Em seu íntimo entrou em pânico duvidando de si mesma, achando que não iria dar conta de toda a demanda da vida prática e emocional pela qual estava passando. Silenciosamente, já sentia e pensava sobre isso, mas em momento algum havia se dado ouvidos e em momento algum freou sua velocidade ou parou para observar o quanto poderia estar ultrapassando seus limites de suportabilidade, de medos, ansiedade e de exaustão... Se tivesse parado antes, muito provavelmente não teria chegado ao ponto do disparo da crise de pânico.
Em seu processo de resgate de si mesma, pouco a pouco foi entrando em contato com suas inseguranças, com tudo o que havia se auto-imposto, seus limites, suas origens e o porquê de tudo. Gradativamente foi legitimando seus inúmeros recursos emocionais ao mesmo tempo em que foi reprocessando fatores perturbadores e impedidores de que estes mesmos recursos pudessem ajudá-la a melhorar seu discernimento sobre si e sobre até onde poderia ir naquele momento. Maria pôde resgatar o quanto de positivo já tinha de estrutura emocional, inclusive, para dizer não, quando necessário fosse, e também para entrar em contato com seus valores sem culpa de ser o que é. Fez acontecer dentro de suas reais possibilidades, que de verdade não eram poucas.
Este processo resultou em uma verdadeira alquimia geradora de um novo e exuberante equilíbrio. Um novo modo de lidar consigo mesma e com a realidade se inaugurou.
Maria surpreendeu-se ao perceber-se mais segura, sentindo-se curada após fazer vários testes de realidade em locais antes disparadores de pânico. Estava de alta terapêutica.
Após seis meses, conforme combinado, Maria volta para contar como estava. Sentia-se plena e honrando seus próprios limites, capacidades e desejos.