Medo de ser Feliz
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Autor Priscila Gaspar
Assunto Almas GêmeasAtualizado em 12/12/2005 12:00:15 PM
É comum no dia a dia de muitas pessoas, uma espécie de comparação de desgraças. Sejam tragédias pessoais ou coletivas, em um grupo, cada qual que conta algo é sucedido por outro que conta algo ainda pior e assim por diante. Por exemplo, chega alguém dizendo que está com dor de cabeça, aí o outro sofre de enxaqueca crônica, o seguinte diz que isso não é nada, porque o tio dele tem tumor no cérebro, etc. Ou então, comenta-se sobre alguém que foi assaltado, outro fala de um caso que além de assalto houve estupro e sempre aparece alguém com um caso bem pior.
Como se não bastasse, o mesmo ocorre na imprensa como se apenas as notícias ruins e previsões alarmantes fossem de interesse público. É possível que dentro dessa tendência muitos fatos sejam descritos e interpretados de forma piorada como que para atender a um anseio por más notícias.
No final do século XIX, Freud denominou de expectativa angustiada essa tendência de, a partir de um fato, esperar o pior. Entre vários exemplos ele citou o de uma mulher que pensava em pneumonia fatal cada vez que seu marido tossia. No entanto, salientou que nesses casos a angústia ultrapassava a simples tendência ao pessimismo considerada plausível. Será que o pessimismo generalizado que vemos em nosso dia a dia está dentro desse limite plausível citado pelo pai da psicanálise? Ou estamos diante de uma espécie de neurose coletiva, produto da cultura atual?
Em parte, a tendência de ver sempre o lado ruim das coisas vincula-se à projeção do “mal” que o sujeito sente existir dentro de si. Por um lado nega seus sentimentos invejosos e destrutivos, projetando-os no outro e no ambiente externo. Dessa forma, o mundo se torna ruim e ameaçador enquanto ele próprio se resguarda na confortável posição de vítima, ou seja: o “bonzinho”.
A posição de vítima traz uma série de vantagens: atrai a atenção para si e permite que o sujeito regrida a um estado semelhante ao infantil: dependente, desamparado, exigindo cuidados... É possível, portanto, que boa parte de nossa tendência para competir com as desgraças seja, no fundo, uma espécie de disputa pelo lugar de vítima, incapaz e impotente para assumir a responsabilidade pela própria vida. Obviamente é mais fácil projetar dizendo que o mundo é ruim e que o país não presta do que admitir a própria incapacidade ou a falta de vontade.
Por outro lado, existe também a tendência a rejeitar o que é bom. Parece incrível, mas tem muita gente que não consegue receber um presente ou uma notícia boa sem se sentir um pouco estranho. Um certo desconforto, como se as coisas boas não tivessem lugar. Outros ainda, quando tudo vai bem em suas vidas, ficam com medo de que aconteça uma desgraça, a ponto de falar: “tá bom demais prá ser verdade!” Por trás desses comportamentos existe a crença de que, para receber, temos de dar algo em troca. Novamente encontram-se as projeções; o sujeito projeta seus sentimentos ruins no outro (ou no mundo) e, assim, não entende porque está recebendo algo bom. Entram nesse jogo questões relacionadas a auto-estima, merecimento, dúvidas quanto a ser ou não verdadeiramente amado e aceito e até mesmo medo de ser cobrado pelo que está recebendo. Como se, ao receber algo bom tivesse de trocar, ou seja, abrir mão de algo igualmente bom. Esse fenômeno é enfatizado pela cultura, com crenças segundo as quais temos de ser ”bonzinhos” para merecer coisas boas, “aqui se faz, aqui se paga”, etc.
Todos sabemos, de forma consciente ou não, que não somos perfeitos. Assim, cultivamos uma crença interna de não merecer. Passando para o coletivo é como se a sociedade como um todo não merecesse melhorias, nem o progresso. Mudam os índices econômicos, mudam os governantes e todos continuam tendo imenso prazer em ver apenas o lado ruim, sem contar as previsões sempre catastróficas. Alie-se a isso a projeção do lado ruim e os ganhos de estar na posição de vítima, temos um conjunto perfeito para o culto ao pessimismo e às desgraças!
Há muitos anos ouvimos que “desse jeito ninguém mais vai poder viver neste país”, ou que “com o preço da gasolina não vamos mais poder andar de carro”... No entanto, inúmeras pessoas tiveram grande melhoria no padrão de vida. Outras, que se queixam de que está cada dia pior, parecem ter mantido o padrão. Porém, o desejo de ir além faz com que se sintam prejudicadas demonstrando a natural dificuldade de lidar com as limitações da realidade...
Quando se trata de “felicidade” o assunto é bem mais complexo: o próprio conceito de felicidade é difícil! É lógico que desejamos saúde, realização pessoal, harmonia familiar... Mas, será que não estamos sempre boicotando a vida por causa de crenças infundadas ou, até mesmo, medo de ser feliz? Medo da inveja, de que outros possam destruir sua felicidade que é a projeção da própria inveja? Medo de que a felicidade seja destruída por algo (ou por alguém) que, no fundo, é apenas projeção de nossa própria destrutividade? Não estaremos olhando para as coisas ruins com lentes de aumento para, comodamente, assentarmo-nos na posição de vítima, cruzando os braços para nada fazer, chorando como bebês carentes?
Talvez seja interessante refletir sobre o conceito de expectativa angustiada... É possível que ao tomar consciência consigamos evitar que ela se torne uma neurose! Vamos aproveitar também para trocar as lentes do pessimismo por lentes que permitam enxergar o mundo, as outras pessoas e a si mesmo com mais realismo: com aspectos bons e ruins, com perspectivas e limitações.
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Priscila Gaspar é Psicanalista, Terapeuta de Regressão e Terapeuta de Casais, com especialização em Sexualidade Humana. Atende em psicoterapia individual e de casal.Contato: [email protected] E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Almas Gêmeas clicando aqui. |