A Criação da Consciência, o Mito do Nosso Tempo
Atualizado dia 2/11/2009 11:21:19 AM em Autoconhecimentopor Isabela Bisconcini
O DNA da espécie humana carrega o repertório genético da nossa raça, desde os primeiros homens. Jung teve a compreensão de que, da mesma maneira com que o corpo armazena sua bagagem anatômica e funcional, da mesma maneira com que as plantas transmitem a informação de todo o seu ser na sua semente, a psique armazena e transmite o seu repertório de vivências e aprendizados em termos de padrão comportamental da consciência da espécie humana através daquilo que ele chamou de Inconsciente Coletivo, Arquétipo e Símbolo.
Jung, ao cunhar os conceitos de Inconsciente Coletivo, Arquétipo e Símbolo como sendo os “containers”, o continente, os receptáculos que guardam e transmitem a informação psíquica Humana, que têm analogia com o gene humano (DNA), deu-nos uma amplitude definitiva no olhar, na compreensão e na abordagem das questões da alma. Através dos mitos e símbolos armazenamos e transmitimos os conteúdos arquetípicos da psique humana, ou seja, aqueles conteúdos que fazem parte do acervo existencial, ‘H’umano e não pessoal e que preenchem o Inconsciente Coletivo. Os mitos são histórias primordiais que contam passagens e vivências típicas do desafio Humano na Terra.
O mito é o sonho público, coletivo, enquanto o sonho é o mito privado, pessoal.
Jung se dedicou profundamente ao estudo dos mitos, sonhos, símbolos pela função psíquica do mito para o indivíduo, e pelas implicações da perda do mito para o homem moderno. Como diz Edward Edinger: "A perda do mito central acarreta uma situação verdadeiramente apocalíptica, e esse é o estado do homem moderno" ( in “A Criação da Consciência”, 1984). Por isto Jung se dedicou tanto ao estudo de um novo mito em formação na psique moderna. É mais fácil debruçar-se sobre os extratos já pousados da psique do que compreender o padrão que se está desenhando nas almas aqui e agora, o processo de desenvolvimento coletivo Humano que está acontecendo por trás das vivências pessoais de cada indivíduo aqui e agora. É esta profundidade no olhar, que sabe ver o drama existencial Humano por trás de uma simples situação, e como ela não é só pessoal, mas é representativa de um estado de coisas na consciência coletiva, que faz a diferença na percepção do mundo.
Da mesma forma, Joseph Campbell, mitólogo, ao estudar profundamente várias mitologias e compará-las, soube ver o padrão de repetição das vivências do inconsciente coletivo. Ele soube ver em cada um de nós, assim como Jung soube, por trás da vida cotidiana e prosaica, um herói vivendo as histórias, aventuras e peripécias da sua jornada (ver “O Poder do Mito”, de J. Campbell), e este, como disse Jung, foi o mito no qual o homem viveu por muito tempo, mas não vive mais. Jung identificou o novo mito em formação no homem moderno como sendo o mito da Criação da Consciência, a que ele chamou de Processo de Individuação. A razão da existência de cada um de nós, no novo mito em formação, é o Crescimento da Consciência Humana.
Por trás da nossa vida, por mais banal que ela pareça, há o drama de milhares de anos de esforço da consciência por se desenvolver. Esta visão nos dá um lugar, uma função e um significado para a experiência de estar vivo, colocando-nos como parte de um contexto maior que nós, que nos abarca e nos dá sentido; afinal, esta é a função do mito. É bem verdade que o aprendizado evolutivo não é compulsório, ou seja, passar por uma situação não é garantia de aprendizado e de evolução e crescimento, mas a oportunidade está ali, depende de cada um extrair o sumo, sair do adormecimento.
Sempre olho para as questões coletivas vendo nela o esforço da consciência humana por se desenvolver num ponto com milhares e milhares de pessoas vivendo o mesmo tema ao mesmo tempo como milhares de células, até que num dado momento uma nova visão se instala, fruto do esforço coletivo da experiência de tantas pessoas.
Exemplo: se você viu o filme “Foi Apenas Um Sonho” com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio viu que a insatisfação, a crise e a angústia vivida pelo casal não era particular, não era só deles, mas de toda uma geração e foi corajosamente mostrada com uma densidade que raramente costumamos ver nos filmes que retratam os anos 50 (sobretudo nos EUA). Você percebe que a crise e angústia da guerra, ainda que completamente inconsciente, existencialmente vai ter que sair por algum lugar, anos depois... 10- 15 anos depois. Pois estamos falando que as pessoas, você, eu e cada caso isolado (aparentemente), somos células responsáveis por digerir, metabolizar e aprofundar (cada um em si) as questões humanas, de um tema comum a nós.
Vendo o filme você entende a reviravolta social que estava por vir nos anos 60, a função da descoberta da pílula anticoncepcional na vida feminina, porque as mulheres ocidentais então queimaram sutiãs, foram ao trabalho e o divórcio apareceu. Entende também o que está havendo hoje em dia no encontro e no desencontro de homens e mulheres, vivido ao mesmo tempo por milhares e milhares de casais, cada um como uma célula, onde, por trás de cada discussão, de cada tentativa de acordo ou em cada separação, há uma tentativa de encontrar e instaurar uma nova compreensão, uma visão que leve adiante a consciência dos humanos em relação a este tema: a interação do feminino e masculino. São milhares e milhares de pessoas vivendo o mesmo tema ao mesmo tempo na busca de respostas. Movimentos profundos de transformação de padrões coletivos em busca de crescimento da consciência.
Juro que ouço cada história de relacionamento, por exemplo, vendo por detrás da vivência pessoal, milhares de células vivendo a mesma situação ao mesmo tempo para, neste cadinho, na ebulição desta massa, ver surgir uma transformação alquímica da consciência coletiva que levará mais tantos anos, quem sabe quantos, para se instalar de maneira estável.
A consciência se desenvolve coletivamente neste lento gotejar de cristalização da compreensão, ou poderíamos dizer de sabedoria, assim como um óleo essencial é o sumo resultante da expressão do melhor de uma planta: o sublime perfume da sua flor concentrado, e precisamos, por exemplo, de 5.000 kilos - 5 toneladas - de pétalas de Rosas Damascena para extrair um só kilo de seu óleo essencial.
Sabendo disso, passamos a nos ver como seres que, no bojo das vivências pessoais, no interior do vaso alquímico que somos, exatamente através da maneira como estamos vivendo a nossa vida aqui e agora, com os nossos gestos de corpo, palavra, mente e com a percepção que temos das coisas, somos as expressões desta consciência coletiva e interferimos nela quando extraímos uma compreensão mais ampla diante do que nos acontece, fazendo a síntese em nós pessoalmente dos impasses e desafios das questões Humanas; fazendo a nossa parte.
Que esta compreensão possa nos sustentar diante das situações pessoais que vivemos.
É da matéria de nossas vidas que se cristalizará o óleo sumo da consciência coletiva.
Cada história pessoal fornece pétalas para a composição deste óleo. Que ele possa ter o perfume da flor da consciência iluminada.
Fevereiro, 2009.
Avaliação: 5 | Votos: 26
Isabela Bisconcini é Psicóloga Clínica e Consteladora Sistêmica. Terapeuta EMDR. Terapeuta Floral, Reiki II, NgalSo Chagwang Reiki, AURA-SOMA. Deeksha Giver. Dedicou-se por 25 anos ao estudo da psicologia budista e prática do Budismo Tibetano. Participou do Centro de Dharma da Paz desde 1988, quando Lama Gangchen Rinpoche o fundou. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |