A PAIXÃO PELA FELICIDADE
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Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 5/29/2005 10:02:59 PM
Este texto nos remete à busca e à redescoberta da felicidade possível e permanentemente disponível, que se oferece doando-se generosa, entrelaçada às nossas coisas cotidianas e simples e que, pela nossa insensibilidade e fixação em projetarmos e perseguirmos sonhos mirabolantes e inatingíveis, deixa de ser vivenciada e experimentada em doses mais modestas, talvez, mas constantes e confiáveis, que a todo instante nutrem e fortalecem nossa alma com belas e inesquecíveis surpresas, elevando nosso espírito nesses momentos de raro valor.
Um texto escrito com alma.
Impossível não sentir que um pedacinho da felicidade que Samarone ofereceu em sua receita pessoal, com tanto carinho, pode ser provada e compartilhada pela sensibilidade de cada leitor de forma única e diferenciada e sem medo de correr o risco de gostar dela e querer mais.
Claudette
“A PAIXÃO PELA FELICIDADE
SAMARONE LIMA
Talvez "felicidade" seja uma das palavras mais importantes da língua portuguesa. Eu, particularmente, acho-a lindíssima, embora confesse, o conteúdo dela me influencia muito. Murmúrio é outra. Adoro a palavra murmúrio. Outras palavras me encantam muito, como "abuela", em espanhol.
Do espanhol, fico emocionado quando um filho diz "papi". Não sei o que é; acho uma pérola. Ah, "pérola" é também algo maravilhoso. Há pessoas que são pérolas. "Pérola negra", então, são palavras que parecem ter nascidas juntas, graças à voz maravilhosa do Luiz Melodia. "Tente passar/pelo que estou passando..."
Ocorre que estou envelhecendo rapidíssimo e o conteúdo da felicidade também vem me interessando cada vez mais. Como acontece com freqüência, basta eu me envolver com algum tema que as coisas começam a se encontrar. Vinha pensando em escrever uma cronicazinha sobre a felicidade, e esbarrei em um livro do Henry Miller (Dias de Paz em Clichy). Lá pelas tantas, me aparece a frase: "Apaixonar-se pela felicidade!"
Talvez tenha sido o gancho, como dizemos no jornalismo. Como escrever sobre a felicidade sem aquela conversa fiada de que é "feita de instantes"? Passei o filminho na cabeça. Dei uma geral nos últimos 36 anos que ganhei de presente e percebi que tenho tido mais momentos felizes que infelizes.
E tenho um problema existencial envolvendo a felicidade - quando estou triste, infeliz, quero ficar só. Me desdobro por dentro, sinto a alma se rasgando, mas faço meu luto sozinho. É um egoísmo meu. Quando estou alegre, feliz, quero estar perto das pessoas que amo. Acho difícil ficar feliz sozinho. Felicidade é para compartilhar, creio.
Mas só ultimamente, descobri que é preciso gostar da felicidade – se apaixonar por ela, se for o caso - para mudar um pouco esta cultura de fodição que toma conta desta vida moderna, à base de ansiolíticos e anti-depressivos. Acho que tenho feito meu dever de casa. Tenho sido um bom aluno de felicidade. Senão vejamos.
Minha infância foi insuportável, tristíssima, mas, de alguma forma, consegui escapar sem tanta amargura. Vejo aí tanta gente criada com tudo do bom e do melhor, com pais amorosos, que estudou em escolas de primeira linha, com passeios maravilhosos, e fico impressionado com o grau de agressividade, a falta de respeito com os mais velhos, as brigas absurdas por qualquer motivo. Então sinto até um pequeno orgulho de ter me machucado, mas de ter transformado essas coisas do passado em alguma forma de beleza. Talvez seja por isso que tenha me dedicado a escrever. É uma coisa que me transforma muito. Espero que seja em uma pessoa melhor.
Embora a gente busque tanto a felicidade, ela dificilmente é incorporada como coisa a ser exercida no tempo presente, vivenciada, revelada. É sempre algo para o futuro (um dia vou ser feliz) ou do passado (ah, como eu era feliz). Não me lembro de ter conversado com algum amigo ou amiga, recentemente, e o papo tenha sido:
"E aí, tudo bem?"
"Tudo ótimo. Estou feliz pra *C*".
"Ah, é, que bom..."
"É, tem algumas coisas ainda para melhorar, pra consertar, mas, no geral, estou feliz com minha vida, minhas escolhas, meu cotidiano".
Não. De jeito maneira, como dizemos por aqui. Se a gente está mal, infeliz, canta loas e loas sobre o infortúnio, se debruça numa mesa de boteco e passa horas contando a infelicidade, lamentando, repassando o sofrimento, polindo, fazendo reluzir o lado ruim das coisas. Difícil mesmo é encontrar alguém que nos dê um telefonema, lá pelas dez da noite, para dizer:
"Rapaz, estou ligando pra tu somente para compartilhar este momento feliz
que estou vivendo".
Engraçado que no "Parabéns pra você", ela, a felicidade, está lá: "muitas felicidades/ muitos anos de vida". Parece que nos preocupamos mais com os "muitos anos de vida". A felicidade, que não é como uma gota de orvalho no oceano, me perdoe o poeta, ela pode ser o próprio oceano da vida, mas ocupa o papel de coadjuvante. Às vezes, nem entra em cena. Bom mesmo, para muita gente, é curtir uma boa fossa, ficar fodidão, louvar aquela velha e boa depressão.
Ah, esta minha filosofia de boteco não vai a lugar nenhum, eu sei, mas é que estou ficando irrecuperável. Desconfio que, com todas as pendências, ausências, dores e insuficiências, estou vivendo um período feliz da vida. Pensei nos motivos e encontrei alguns.
Tenho uns amigos que me fazem feliz. É bom saber que eles existem, longe ou perto, e que há uma troca amorosa de esperanças e afetos. Louvada seja esta minha pequena grande legião, além da minha legião mais delicada, que é a mulher que amo. Moro num lugar lindo, mas acho que o sujeito pode viver num lugar não tão lindo, e encontrar sua felicidadezinha também.
Tenho uma paixão pelo cotidiano e acho que isso ajuda muito a valorizar a tal felicidade. Não sou muito de esperar coisas espetaculares, heroísmos, momentos bombásticos e arrebatadores. Felicidade não se escreve com letras maiúsculas. É uma palavra com um certo grau de timidez. É como afeto, outra palavra que adoro. Afeto se escreve com minúsculas. Aliás, se inscreve.
Às vezes, estou aqui na esquina, de manhã, tomando um cafezinho, vejo este dia claro e iluminado do Recife, e penso - como é bom estar vivo, ter saúde, sentir este sol e tomar este café muito doce aqui de seu Vital, Deus do céu!
E a frase do Henry Miller surge com força: "Apaixonar-se pela felicidade!" A gente se apaixona por tanta coisa, tanta gente, que talvez seja esta uma pequena descoberta para o dia de hoje. Apaixonar-se por ela, a felicidade. O risco é a gente acabar sendo feliz. Vai ser estranho no começo, mas depois acostuma, creio.
Recife, 9 de maio de 2005.”
SAMARONE LIMA tem 36 anos, é jornalista e autor dos livros Zé (1998) e Clamor (2003)
Texto revisado por Cris
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