A Velha Perigosa - Parte 1 (texto baseado na obra da Dra. Clarissa Pinkola Estés)

Segundo Clarissa Pinkola Estés, a velha perigosa é aquela que questiona certas ideias, imposições da cultura e preserva a sua vida criativa, experienciando a criatividade de maneira plena. Não importa se esta idosa é uma artista ou se é dona de casa. A arte está em muitas coisas que fazemos. É claro que criar filhos, cozinhar, costurar, arrumar uma casa de forma bela também são formas de arte. A velha perigosa é aquela que tem intuição apurada, é "aquela que sabe".

As teorias psicológicas dos últimos cem anos dão ênfase à psicopatologia, ao que há de errado com todos. Muito pouco é dito sobre as qualidades únicas dos dons que todos nós temos. Uma nova abordagem é dar ênfase ao que está dentro da psique, que é generoso por sua própria natureza... Em outras palavras, a alma, que flui como uma nascente do Amazonas. Os saberes e imaginações da alma não são pequenos riachos; eles rugem, eles se levantam... Eles não foram feitos para ser um rio represado que está parado e estagnado atrás de um grande muro de concreto.

A premissa básica de "A perigosa mulher velha", assim como em "Mulheres que correm com os Lobos", é que todas as mulheres nascem com dons. Ao longo da vida, década após década, você vai assumindo formas e até características da cultura; você usa camuflagens para esconder seus dons, esperando que ninguém ridicularize, despreze, machuque ou danifique o tesouro que você está carregando. Então chega o momento em que temos que nos livrar das nossas camuflagens, da nossa autoproteção; temos que nos descontaminar das introjeções da cultura que na verdade obstruem, em vez de permitir, o livre fluxo da vida criativa da mulher talentosa. Isto implica em questionar uma cultura que transmite a mensagem de que é possível viver sem contato com a alma. Evidentemente isso não é verdade. Viver sem contato com a alma não é viver.

O ego é ensinado pela cultura do seu tempo. O ego pode ansiar por coisas que não têm relação com a alma - dinheiro, prestígio. A alma tem uma visão muito mais ampla, profunda e fluída da vida humana, que contém significado, prazer, beleza. Para a alma o prazer tem que transcender o ego, tem que ir além da satisfação do próprio ego. Em outras palavras, o prazer da alma pode estar presente na atividade criativa, que também é útil para outras pessoas.

A perigosa mulher velha é aquela cuja plenitude da alma está intacta e cujos dons fluem como uma fonte de água ou um rio. O que a faz perigosa é o fato de que ela não irá parar ou restringir o seu modo de ser pleno de alma para se conformar a convenções culturais; o fato de que ela não irá parar devido a críticas, ridicularização ou desvalorização. Ela vai onde quer, faz o que quer, fala o que deseja (agindo de maneira ética, é claro) e ninguém deveria tentar pará-la senão. ela teria uma resposta pronta para eles. Ela claramente é alguém que diz: "Venha comigo. Esteja comigo. Mas se você decidir não me acompanhar fique fora do meu caminho; eu tenho um destino a cumprir."

A velha perigosa não é intimidada nem quer se adaptar, se "enquadrar", a não ser que decida agir desta maneira conscientemente, sabendo que é a melhor atitude a se tomar. Mas de qualquer maneira a velha perigosa jamais iría se "enquadrar" se isso significasse amputar parte(s) de si mesma. Ela jamais faria isso apenas para ser aceita, para ser considerada "adequada". A mulher idosa perigosa também pode denunciar como a cultura está doente e se dar a liberdade de ridicularizar o que há de errado com a sociedade. A Derci Gonçalves é um exemplo de mulher idosa que teve este tipo de atitude.

Na nossa cultura nós temos imagens do que supostamente significa ser sábio ou idoso(a). Segundo a Dra. Clarissa P. E., estas imagens ou modelos são estreitos e não são realistas. Estas imagens não têm relação com o que a sabedoria realmente é, com o que o dom é (é algo que está nos nossos ossos, na medula dos nossos ossos) e qual é o propósito de ambos. A nossa cultura "corta as asas" de crianças e jovens talentosos para que estes se tornem peças da engrenagem social. A sociedade transmite a mensagem de que há apenas uma maneira de uma pessoa provar que é talentosa, ou seja, sendo bem sucedido(a) no mundo dos negócios ou tornando-se um(a) profissional reconhecido e bem remunerado(a). Este é um ponto importante: a sociedade procura nos fazer acreditar que sucesso equivale a ganhar muito dinheiro. Ainda mais malignamente: a cultura procura fazer você acreditar que não há chance de alcançar o que quer que tenha sonhado; as suas chances de ter uma vida criativa bem vivida são inexistentes.

Os pais podem ter boas intenções e desejar o melhor para os seus filhos, mas infelizmente em muitos casos transmitem para as crianças e jovens a mensagem de que "artistas não ganham dinheiro". Ser cantora, escritora ou atriz são profissões como quaisquer outras. Mesmo que muitos artistas não cheguem a ser famosos vão realizar o anseio de suas almas e podem ganhar o suficiente para o seu sustento. Músicos dão aula de música, participam de shows e assim por diante.

As vozes que desestimulam uma vida criativa plena estão presentes dentro de muitas pessoas talentosas. Mas chega o momento em que você decide que basta. A fonte da alma é mais forte do que a cultura balbuciante que continua dizendo: "Vá por aqui. Não, você não pode seguir esse caminho, do seu jeito. Ninguém jamais ouviu falar de alguém pensando da maneira que você pensa. Pare com isso, em vez disso faça algo que esta cultura já reconheceria como adequado." Evidentemente estas ideias são armadilhas e devem ser questionadas.