Caminhada na montanha
Atualizado dia 10/3/2014 1:04:25 PM em Autoconhecimentopor Renata Kindle
“Dirigir até cansar”... certamente isso daria início à ruminação mental... Então, vamos fazer uma simples caminhada montanha acima, mas aos poucos isso mudava... o som do cascalho pisado a passos firmes e determinados aumentava, na mesma medida em que as palavras diminuíam. Meus pensamentos aquietavam-se e eu ia me tornando cascalho, terra, chuva, montanha.
O cheiro da vegetação se misturava ao da terra úmida. Na medida em que nossos passos avançavam em direção ao nada, a nenhum ponto específico, as enormes casas ficavam pequenas como composições de uma maquete. Nossos passos avançavam ritmados, simplesmente seguíamos. À direita o resto de sol, à nossa esquerda, a aproximação da chuva e as nuvens escurecendo rapidamente e ficando cada vez mais densas. Era lindo de admirar.
Um gavião adulto, altivo, dono de si nos olhou como um velho eremita que estabelece o próprio limite, possível compreender suas “palavras”, era a expressão da força e da sabedoria intrínsecas a cada ser. Os girinos surgem como uma promessa do vir-a-ser, da vida que sempre se renova.
Ao pararmos à beira do penhasco, a sensação era ao mesmo tempo, de constatar a pequenez humana diante da vastidão do horizonte, como de grandeza pela conexão com toda aquela força que a natureza gratuitamente oferece àqueles que se abrem. Naqueles poucos minutos de contemplação, tinha o coração mais puro, invadido por um amor sincero e muita gratidão. Vivenciei a harmonia entre os opostos que habitam minha mente. O espírito estava livre, transportando-me a um patamar mais elevado. Entendi com cada célula do corpo que cada pessoa tem seu destino, mas todos têm liberdade de mudá-lo. Há ainda muito a aprender e vivenciar, mas o essencial estava ali, diante de mim, sendo generosamente ofertado e bastando-me receber.
A chuva catártica veio como um alívio daquelas nuvens tão densas, tão pesadas e coroou o sentimento de transformação e a nova certeza de que velhos sistemas e padrões já simplesmente não são mais.
Compreendi a máxima dos antigos chineses de que não fazer nada é, no fundo, fazer tudo. Para eles, a montanha é o símbolo da quietude e isso se fez verdade. A meditação ensina a esvaziarmos nossas mentes, senti fortemente que qualquer um pode controlar a mente e a respiração e se assim é, então também pode tomar ciência das próprias falhas, dos próprios erros e transmutar tudo, transformando o mal em bem, em virtude.
O arrependimento tão ensinado como forma de redenção não é importante e não é bom. Erros e falhas são parte do aprendizado então, arrepender-se é mais covardia que vontade de fazer diferente. A coragem está em voltarmo-nos para dentro de nós mesmos e realmente soltar as amarras que nos prendem ao velho cais já apodrecido. Dar passos que nos distanciem da “civilização”, contemplar a natureza, sentirmo-nos natureza... tudo isso nos conecta com algo maior, mais magnânimo, mas que também é nós. Manter em nossas veias sentimentos e pensamentos ruins é letal e aprisiona a alma, mas para nos libertamos deles, é necessário que os vivenciemos profundamente e, aí sim, podemos nos despedir e deixá-los sem que venha aquela súbita vontade de olharmos pra trás.
Texto revisado
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Psicóloga clínica e hospitalar (crianças, adolescentes, adultos, casais e família); autora de alguns textos e artigos. Desenvolvedora de um trabalho piloto sobre a atuação das emoções no corpo físico, que se realiza com grupos de oficinas terapêuticas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |
