CAMINHO
Autor Claudette Grazziotin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 8/27/2004 3:38:49 PM
Gondil, foi uma amizade que fiz aqui no Clube e é daquelas pessoas especiais que sempre nos brindam com preciosidades. "Caminho" foi a mais recente e, depois de lê-la, não resisti ao desejo de publicá-la.Talvez eu tenha sido indelicada e agido erroneamente, mas "Caminho" é daqueles textos que não pertencem a quem os escreve. Sander Bazetti, o autor, que só conheço através dos textos que Gondil me envia, que me perdoe, mas "Caminho" pertence a todos nós, porque é universal e por isso mesmo precisa tomar o rumo deste mundo de Deus, tão conturbado, tão perturbado, tão sem direção, para tentar ajudar a humanidade a reencontrar o caminho de volta ao equilíbrio, à serenidade, à verdadeira vida escondida na simplicidade das coisas cotidianas que não sabemos usufruir, que não gozamos e renegamos porque não reconhecemos seu autêntico e precioso valor. Pensemos nisso, na próxima vez que acharmos ridículo o beijo explícito, escancarado, desavergonhado dos amantes deitados ao sol nos gramados dos parques, a velhinha faceira dançando ao som de um Reegue embalado que sai dos seus fones de ouvido, as mensagens estandardizadas das amigas de todos os "...entas", cheias de infantis cupidinhos com asinhas e flechinhas agitando-se e anjinhos, florzinhas multicoloridas que se abrem e fecham e gatinhos, ursinhos, cãezinhos, uma fauna de minúsculos seres semoventes que se espalham pela tela do nosso micro, a declaração de amor sem chances, a risada sem culpa, estrepitosa e gostosa liberada ao ouvir ou ver algo engraçado diante de olhares severos e condenadores que fulminam, o tão sonhado, arquitetado telefonema que é completado e que o outro considera chegado numa hora imprópria e acha inoportuno, insano e piegas. Todas tentativas saudáveis e desesperadas de não se deixar engolfar por este desvario que um pseudo-mundo, desprezível, frio e calculista de consumismo e intenções suspeitas tenta nos impor, despótico.
Sander faz parte do insólito grupo de resistência que não quer se deixar manipular e dominar, que preserva o direito de ser livre para ser feliz, naturalmente. E grita para quem quiser ouvir com suas palavras mágicas e lúcidas, como eu grito com as minhas, com minha poesia, meus livros, com meus desenhos. Como, certamente, tu gritas de alguma forma, com um dom que eu desconheço mas que te identifica neste desejo de resistir e de resguardar a identidade e a alegria da liberdade de decidir o que se quer para si.É assim que mostraremos e construiremos um outro mundo, mais digno, mais alegre, mais saudável e feliz de se viver, na simplicidade do exemplo de nossas vidas cotidianas e belas. Obrigada, Sander Bazetti pela força e beleza das tuas palavras que me inspiraram.
Claudette
CAMINHO
É uma pena que sempre descobrimos as coisas quando já é tarde demais.
O corre-corre é tão grande. A angústia em ter é tão possessiva que estamos valorizando mais o tamanho das casas do que o tamanho dos seres que as ocupam. Estamos cada vez mais pobres. Estou certo disso.
Lembre-se que éramos mais românticos. Comíamos mais sorvete e colocávamos pipocas um na boca do outro. A vaca foi pro brejo. Isso tudo engorda, tem muita caloria. Estamos pobres de prazer.
Cadê o prazer de uma boa conversa? Cadê o prazer de conhecer o outro? Cadê o prazer em trocar, em pedir, em receber, em ser amável? Ninguém é mais amável. Estou certo disso.
É fantástico como estamos pobres. Pobres para perceber que o outro nos quer. Pobres para perceber que estamos com medo de tudo. Pobres para tolerar que fizemos esta grande confusão e não queremos arrumar o quarto. Que tolice é isso tudo. Pessoas que se dão bem porque tem dinheiro. Jovens que escolhem profissões porque dá dinheiro. Meninas que se expõem nuas para ter dinheiro no futuro.
Não me venha perguntar meu sobrenome e a família que descendo. Descendo da espécie que ainda acredita que vizinhos devem alcançar uma xícara de açúcar um para o outro. Sou daquele lado do mundo que chora no cinema. Fecho os olhos quando beijo e quando abro quero saber que tipo de compromisso teremos. Como um sonhador ainda acho as mulheres grávidas as mais lindas do mundo.
Realmente esse mundo está muito violento. É violento ver gente safada na TV falando de ética e princípios. É violento acreditar que tem gente que não passou da graduação e dá uma de doutor. É violento também ver tanta preocupação com a violência e tão pouca com a fome, com o abandono, com a miséria. Somos todos muito violentos. Estou certo disso.
É bom que entendamos que temos que ser mais misericordiosos, mais religiosos na acepção da palavra, mais sentimentais, antes que nos ensinem isso na marra. É muito simples nessa sociedade que insistimos em construir ter um filho seqüestrado. A mesma facilidade com que estendemos uma mão é como o traficante estende 100 gramas de cocaína. Todos os dias há uma tragédia. Quando ela não vem do exterior vem de dentro. É uma sociedade impregnada de câncer, de depressão, paraplégica... Doenças que queremos curar no shopping. Vamos falar sério elas só demonstram uma única coisa. Esse monte de concreto, ciência, riqueza e tecnologia não dão proteção ao frágil caminho que tomamos que é o do interesse. Estou certo disso. Estes jogos de interesses estão nos envenenando.
Somos tão inteligentes. Pelo menos pensamos assim. É burrice perseguir. Vamos parar um pouco e olhar um dentro do olho do outro. Vamos escutar o coração do outro e compartilhar o que está preso no nosso coração. Tenho certeza disso. O amor é querer ver a verdade do ser amado. Esse barulho todo e todos falando ao mesmo tempo. A sensação que eu tenho é que vivemos rodeados de muita gente, mas continuamos sós para enfrentar o dia de amanhã.
Sander Bazetti
Retalhos da Vida.
ILUSTRAÇÃO:deorienteaoccidente-Susana Wildner Torres
Avaliação: 5 | Votos: 16
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