Contos: O CAMINHO DA SERPENTE
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Autor Alberto Carlos Gomes Lomba
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 5/3/2005 3:39:01 PM
Desde criança, Ralpho, também chamado de Garapa pelos meninos do seu bairro, tinha um grande sonho: criar uma sociedade secreta, cheia de mistérios, cuja finalidade seria a de assustar os felizes casais de namorados da cidadezinha de Torrão Seco; mais precisamente, a menina Emilinha Borba, cujo nome era uma homenagem à rainha do rádio, que lhe ficava fazendo caretas da janela de sua casa.
Quantas noites de fornicações com os amiguinhos no secular aprendizado de voyeur tupiniquim, observando os garimpeiros, em colóquios amorosos, com as prostitutas do bordel "Cheiro de Moça".
Desde a descoberta de uma pedrinha de esmeralda, Torrão Seco aumentou sua população de míseros 800 mortais para sete mil desocupados, que passavam os dias poluindo o Ribeirão dos Trapos em contínua briga com Seu Araripe, o único e venal representante do Ibama naquelas paragens.
Ralpho, cujo nome deveria ser Rodolpho Valentino, teve seu nome encurtado devido à bebedeira de seu pai na hora de registrá-lo. Emilinha era uma menina sardentinha, sem dentes, loirinha, que ria como uma hiena. Feiúra maior não existia. Mas para nosso herói era a encarnação da deusa Afrodite. E gosto não se discute.
E a adolescência de Ralpho e de sua turma passou dessa maneira: muita masturbação, ataque às galinhas de Dona Itororó, fumar bitucas jogadas pelos garimpeiros. Aos 18 anos, Ralpho conseguiu um fato inédito. Era um emergente, dono de um filão de terra, já havia garimpado muitas esmeraldas e acabara ficando rico e senhor absoluto do bordel "Cheiro de Moça".
Com grande tendência à cafetinagem - segundo sua avó materna teria herdado tal dom do avô - transformou sexo em dinheiro. Se não se transformou num intelectual nem em nada, globalizou o bordel considerado o mais famoso da região, um roteiro turístico obrigatório dos viajantes que por ali passavam.
Depois de sumido o brilho das esmeraldas, tempos de vacas magras se abateram sobre a cidadezinha. Alguns remanescentes dos garimpos se adaptaram à preguiça do local e, no último censo, Torrão Seco apresentou um milagre: contava com 801 habitantes o que mereceu até uma sessão solene da Câmara e discurso do prefeito Palmitão.
Em seus delírios, o dono do bordel realizou seu antigo sonho: uma sociedade secreta, cujo nome era no mínimo interessante: "O Caminho da Serpente". A confraria funcionava no porão do bordel, transformado num pequeno salão lúgubre com lâmpadas vermelhas, azuis e amarelas. Não era o inferno, mas muito parecido. No meio do salão, uma mesa e sete cadeiras, uma na cabeceira para o grão-sacerdote da ordem, Ralpho Garapa e seus seis adeptos: Lampiãozinho, Cafuné, Dr. Cibélio, Quequé, Astrogildo Lindemberg e Roy Rogers (em homenagem ao cowboy americano).
As reuniões aconteciam todas as sextas-feiras, a portas fechadas, trancadas e cadeadas e todos os adeptos se vestiam com roupas que imitassem uma cobra. A sociedade não levou a sério os antigos desígnios de assustar os namorados e partiu para uma proposta de promover muita sacanagem até altas horas, uma vez que todas as meninas do bordel participavam, como cozinheiras e serviçais e, no final da noite, acabavam indo para a cama com suas cobras preferidas.
Todavia, o que os confrades não sabiam era que o delegado Machadinho estava de olho nessas orgias. Como seu ingresso na ordem fora preterido por ter se casado com Emilinha Borba, a grande paixão de Ralpho, o desafeto prometeu vingança às ocultas.
Para isso convenceu Emilinha a colocar um par de chifres nele com seu antigo bolinador e descobrir o que realmente acontecia naquelas noitadas, nas quais sua presença fora vetada. E Garapa caiu na armadilha. Não resistiu aos 80 quilos do traseiro de Emilinha que de garota desnutrida virou uma baranga. Com tanta emoção, Ralpho deu com a língua nos dentes e entregou toda a sacanagem da confraria.
Sua grande paixão ainda relutou em entregar o ouro para o marido que lhe deu uns bons tapas aos berros de "não virei corno à toa": queria sua desforra. O delegado Machadinho, então, ficou a par de toda traquinice do "Caminho da Serpente" e foi dormir tranqüilo, embora coçando a testa a noite inteira. Emilinha soluçou a noite toda por não ter resistido à pancadaria e ter dedado seu grande amor.
Um alvoroço tomou conta da banca de jornais da pracinha. Um jornal, mal impresso, mostrava a foto de sete jibóias mortas a tiros por uma blitz do delegado Machadinho e seus comandados ao bordel "Cheiro de Moça". Como o jornal era muito ruim e a foto mais ainda, os membros da sociedade secreta pareciam mesmo jibóias pegas no laço.
Para honra e glória da confraria, o antigo bordel se chama hoje "O Caminho da Serpente". Emilinha virou cafetina e Machadinho dono do bordel.
Texto revisado por Cris
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