Contos: QUEM VAI CHORAR POR MONA ?
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Autor Alberto Carlos Gomes Lomba
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 4/8/2005 2:15:17 PM
O diário pessoal de Mona estava guardado e muito bem trancado, numa gaveta de seu toucador. Cossaky, seu marido, havia arrombado a peça, estilo Luiz XV, com a intenção de saber quais segredos sua mulher guardava com tanto mistério.
Mona, neste exato momento, participava de um recital de música sacra, no auditório da empresa em que trabalhava como Relações Públicas. Ela mesma promovera o evento do Russian Spiritual Music e, enquanto Cossaky profanava seus mais íntimos segredos, ela se envolvia com os acordes, quase angelicais, das vozes do coral.
“Outono. O outono me traz tristes recordações, mas me trouxe o amor de Phillipe.“, estava escrito numa das páginas do diário. O médico neurologista parou a leitura por alguns instantes. Seu rosto fervia de ódio e seus pensamentos procuravam a imagem de Mona. “Traidora, como pôde? Todos estes anos pensando que ela me amava.”
O recital estava quase terminando e Mona sentiu um calafrio, como a premonição de algum fato. Seus olhos azuis fugiam todo o tempo de Phillipe, que mais a encarava do que ouvia o recital. Desde que se conheceram, sua vida transformara-se num paraíso de êxtases e num inferno de mentiras. “Tudo tem que acabar. É o fim.”, arquitetava a jovem senhora de 34 anos, que trajava um blazer azul claro, camisa de palha de seda amarela e saia xadrez.
Mona fazia parte do restrito clube das empresárias bem sucedidas de Sheridan, cidade central do Canadá.
Cossaky continuava a leitura do diário: “Foram três dias de felicidade total ... praticamente fugimos para um refúgio na Bahia de Hudson. Phillipe me trouxe de volta à vida. Meu marido imagina que estou em Quebec participando de uma reunião de vendedores....”
O ímpeto do médico, naquele momento, era de sair correndo atrás de sua esposa e matá-la a tiros na frente de todos seus amigos, inclusive do amante. “Aquele canalha me paga, confiava nele como em um irmão e me tomou meu bem mais precioso”, lamentava o médico para si mesmo.
Às 23 horas, enquanto Cossaky rolava na cama com seus pesadelos, Mona chegava em casa; fez um pequeno lanche e subiu para o quarto o casal. O seu toucador já tinha sido consertado. Observou, contudo, que alguma coisa havia de anormal com o móvel, mas como os amantes não se perdem em detalhes, pegou sua chavezinha, abriu a gaveta, retirou o diário de capa aveludada e saiu sorrateiramente do quarto.
“Meu amor me procurou depois do recital. Queria mentir dizendo que não o amo mais. Mas a sua boca calou meus lábios. Estou sem forças para reagir a esta paixão, loucura, sei lá. Eu o amo tanto....”
“Como foi o recital, Mona?” “Sucesso total”, respondeu a esposa do neurologista, evitando seus olhos penetrantes e fingindo que passava manteiga numa fatia de pão, na primeira refeição do dia. “Demorei um pouco porque tive que fazer sala para os promotores”, completou laconicamente. “Mentirosa”, pensou o neurologista.
O consultório de Cossaky era um dos mais conceituados. Sua fama extravasava fronteiras e, além do mais, tinha um hobby caríssimo: criação de cavalos, que ainda lhe dava mais fama. Enquanto esperava a entrada do primeiro paciente, olhava de soslaio o porta-retrato com a foto de Mona. O retrato representava Mona aos 21 anos, linda, com um corpo escultural, que era motivo de cobiça de muitos homens, mas ele tinha conseguido que ela se rendesse ao seu amor. “Bons tempos”, relembrava o médico quando foi interrompido pelo seu paciente.
A beleza de Mona não envelhecera com ela. Aos 34 anos era uma mulher que ainda despertava desejos em muitos de seus colegas da empresa. Seu amante apareceu em sua vida num jantar em sua casa, em homenagem ao prêmio que seu marido recebia da Sociedade Médica do Canadá .
Durante todo o jantar seus olhos cruzaram várias vezes e seu marido fez questão de aproximá-los enquanto serviam café e licor. “Sabe, Mona, Phillipe é quase como um irmão, sempre estivemos juntos. Agora volta ao Canadá e por incrível coincidência vai trabalhar como diretor de Marketing na sua empresa.”
“Hoje aconteceu um fato que vai mudar minha vida. Fui a uma reunião com Phillipe e ele pegou minha mão. Senti um torpor, um calor, e ali mesmo no carro nos beijamos avidamente como se fosse um momento de prazer e magia...” escrevia Mona no diário, certa que este jamais seria descoberto.
Mais uma vez, seu esposo tinha acesso ao diário da esposa. Só que, agora, tinha um cópia da chave da fechadura. “Malditos”, balbuciou o médico.
Para Cossaky uma vingança letal não teria o sabor de uma vingança lenta, onde pudesse sorver o sofrimento dos amantes. Neurologista, sabia ele que certas drogas paralisam o sistema central, deixando a pessoa inutilizada para o resto da vida, embora com a consciência viva. Quando Mona chegou à clínica do marido, notou que estava na penumbra. Sem nada saber foi entrando até o consultório, onde o encontrou.
“Você quer falar comigo? Por que aqui?” “Por nada. É que aquela vitamina para a pele que você tanto queria chegou. Importei da Inglaterra.”, explicou o médico. Vaidosa, Mona nem desconfiava que no frasco continha uma droga poderosa. “Posso tomar uma cápsula agora?” Ele lhe apresentou um copo de água e após ingerir o remédio Mona sentiu o mundo desabar.
Meses depois, vamos encontrar no saguão do auditório do Opera Hall, em Nova Iorque, um senhor bem trajado empurrando uma cadeira de rodas, onde uma linda mulher, praticamente imóvel, era levada para um lugar na platéia.
Ninguém percebia que do rosto daquela bela mulher escorriam lágrimas enquanto a Sinfônica de Nova Iorque levava ao delírio a obra do atormentado compositor alemão Richard Wagner.
Os turbilhões dos clarins e flautas de Tannhauser feriam os ouvidos sensíveis de Mona, que tinha certeza que viveria naquele pesadelo por muitos anos e que ninguém choraria por ela.
Texto revisado por Cris
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