Contos: TRANSMUTAÇÃO
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Autor Alberto Carlos Gomes Lomba
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 4/22/2005 2:34:19 PM
Esta história é mera ficção, mas bem que poderia ser verdade. Também não se trata de nenhuma anormalidade de genoma no mundo animal.
Era uma vez uma cachorrinha que se chamava Memphis (isto mesmo, com ph) Aparecida. Seu dono era egiptólogo de plantão e gostava de alcunhar animais com nomes do antigo Egito. O “Aparecida” foi dado como complemento, pela empregada, uma morena de olhos verdes, avantajada de seios e de traseiro...
É claro que num dos anais de algum veterinário Memphis Aparecida foi devidamente registrada, tomou vacinas e por incrível que pareça era uma vira-latas de dar inveja a qualquer animal de madame. Memphis vivia uma vida feliz sem tormentos e seu dono dizia que ela até falava através do olhar.
Como o paraíso não é perfeito e nem a humanidade, numa tormentosa noite de violenta tempestade, a cadelinha dormia em sua aconchegante casinha, indiferente a tudo. De súbito, foi despertada por um som alienígena: "Miau, miau, miau..." Seu mapa genético falou mais alto e ela pensou: "Tem felino na área".
E o temporal não dava trégua. E "Miau, miau, miau..."
Com tanto alvoroço Memphis perdeu o sono. Até mesmo seu dono já estava esbravejando com todo o alarido do felino. A porta da varanda foi aberta e o dono da casa balbuciou: “Coitadinho do bichano, tão pequenininho..." Memphis ouviu apenas o bater da porta, chuva e silêncio.
"Vem cá, Tebas, vem cá...". A cadelinha foi conferir o que se passava e deu de cara com um gato meio angorá, meio não sei o quê, e que estava no maior carinho com seu dono.
Seu primeiro impulso de acordo com a genética foi mostrar os dentes e rosnar. O tal do bichano arrepiou e pela primeira vez em sua vida Memphis levou uma vassourada.
"Cachorra egoísta, pensa que a casa é só dela!"
Depois desse incidente matinal Tebas Augusto foi introduzido no lar como reencarnação do deus egípcio Anubis e a cadelinha teve que se conformar. Convém explicar que o “Augusto” foi mais uma colaboração da doméstica.
E assim o tempo ia desenrolando seus dias e o gato se tomou de amores pela cadelinha, a ponto de achar que ela era sua mãe, pois até o pêlo dela era da cor do dele: marrom claro. Há muito tempo que a cadelinha havia assumido o papel de mãe do gato e até teve uma gravidez psicológica, precisando de tratamento e tudo.
Tebas Augusto, por sua vez, conquistou seu espaço. Tornou-se um gato malandro e só escapou de ser capado por causa da empregada.
"Que é isso, seu Gusmão. Vai tirar o melhor da vida do pobrezinho!".
Noite e dia, dia e noite, para o felino, seu mundo era aquele. Sua mãe cachorra, seu dono, a empregada, boa cama, comida, enfim, uma vida de um deus egípcio.
É claro que pela natureza o instinto fala mais alto e Tebas começou a dar suas escapadelas e acabou se apaixonando por uma cadela pastora alemã.
Toda noite contava para sua mãe cachorra seus sonhos e Memphis ficava preocupada: tinha que explicar que ele era gato e não cachorro.
Num desses passeios o gato, muito do motivado, observava a cadelona toda dorminhoca e resolveu conferir tanta beleza de perto. Quando pulou no chão algo de inusitado aconteceu. A cachorra de nome Viúva Negra - pois já matara dois pretendentes - se lançou para o jantar da noite: Tebas Augusto. Caso Tebas não fosse protegido pelos deuses egípcios viraria adubo no outro dia. Surpreso, assustado, deu um pulo indo se agarrar numa mureta salvadora, quase sem rabo.
Meio capenga, voltou para casa arrasado, auto-estima no ralo, pensando nas sábias palavras de sua mãe: "Na nossa espécie, quem não come um bom naco de carne se conforma com um apetitoso gato".
A partir daí, Tebas nunca mais questionou os relacionamentos do mundo animal. Parou de dar em cima das cadelas da redondeza e resolveu assumir seu lado divino e felino. Afinal, resolveu o problema de forma científica, transmutando cadelas em gatas.
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 10
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