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Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 10 - 1a. parte

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 2/4/2006 8:39:44 PM


Capítulo 10
Saindo de Hontanas, estava com os olhos em lágrimas pela calorosa despedida da família. Ali, naquela pousada, pessoas de todo o mundo saberiam, se ainda não sabem, o que é uma família feliz. Segui em frente e, quilômetros depois, estava nas ruínas do convento de Santo Antonio. Algo maravilhoso. Passei as mãos nas pedras para poder sentir o que foi o lugar e o que ele é agora. Serenidade. Humildade. Tranqüilidade. Uma homenagem solene a Santo Antônio. Consegui ver as cerimônias que lá aconteciam. Rezei com muita emoção. É o caminho.
Cheguei em Castrojeriz e não percebi que fui até o fim da cidade duas vezes enquanto procurava um lugar para dormir. Eu esperava uma cidade, mas Castrojeriz era uma grande vila. Fui parar num hotel que atendia os peregrinos. Aquela coisa: a dona cozinha e o marido atende. Tudo perfeito, discreto e super transado.
Do meu quarto, dava para ver o Castillo de Castrojeriz, as suas ruínas no ponto mais alto da cidade, dominando o vale. Centenas de anos de história. O dono do hotel, um estudioso sobre Castrojeriz e toda a Espanha, me contou várias histórias. Ele comentou que o castelo estava em ruínas em razão do terremoto que havia acontecido em 1775, em Lisboa. Me empolguei e, mesmo após a caminhada do dia, resolvi ir até o castelo. Quase ninguém vai. Estava semi-abandonado. Encarei a estrada e decidi cortar o caminho. Caminho, estradinha, escadinha e, de repente, eu não tinha mais como ir para frente ou como voltar.
O castelo estava perto e eu completamente isolado. Sozinho. Não dava para pedir socorro. A situação era complicada, mas tentei me manter calmo. Eu estava na lateral, onde foi construída uma torre de observação, mil anos atrás ou mais, exatamente no ponto em que, atrás de mim, havia um desfiladeiro. Falei alto comigo e com todos os que me acompanhavam e me animavam. Não fiquei desesperado, mas rezei. Fiquei sem saída e sem alternativa. Apelei para Deus, Jesus, meu anjo Rochel, arcanjo Rafael e todos os Santos. Pedi e implorei por ajuda e ela veio.
Consegui algo que, em condições normais, seria impossível para mim. Caso eu caísse, com certeza, a queda seria fatal, pois a altura era grande e não havia nenhum ponto onde eu pudesse me segurar. Mas eu estava confiante e consegui subir o desfiladeiro na mão, no braço, pedindo ajuda a Deus e a todas as forças e energias que eu saúdo respeitosamente todos os dias. Demorei até que, finalmente, cheguei no topo. Durante alguns segundos, levantei o meu cajado e acenei com o chapéu, como se alguém estivesse me olhando. Acho que ninguém.
Andei pelas ruínas. Fotografei. Marchei numa das muralhas. Fechei os olhos e fiquei imaginando o que os homens que guardavam o castelo e o vale do povoado faziam quando havia invasões ou guerras. Ouvi a chegada de centenas de cavaleiros vindo do vale. As muralhas me protegiam. Os cavaleiros deram meia volta e sumiram. O castelo ganhou vida e senti a presença de dezenas de pessoas em atividade, como se o lugar ainda estivesse vivo. Foi fantástico. Tirei muitas fotos e fui embora.
Eu certamente merecia um bom banho depois desse caminho de Hontanas até Castrojeriz, depois de ter invadido o castelo, depois de ter participado da defesa dele. Tanto faz. Foi um sonho realidade. Foi o caminho.
De Castrojeriz fui para Frómista. Fiquei numa pensão. Outra vez, dezenas de pessoas de todos os lugares ao lado a igreja de São Pedro. Entrei à tarde para rezar, fotografar e conhecer um museu. Só indo e vendo: altar, o teto, as imagens e a casa de São Pedro, meu Pai Xangô, o santo da justiça, da decência e da lealdade. Orei e pedi sua proteção.
No caminho, começavam a aparecer com destaque algumas pontes romanas, construções maravilhosas. Dia seguinte, nova aventura, o caminho e a carretera juntos por 20 quilômetros até Carrion de los Condes. Povoado médio. Tudo cheio e nenhum lugar. É turismo total. Peregrinos ou não, todo mundo está curtindo.
Acabei me hospedando em um monastério. Um jovem seminarista me atendeu, pediu meu passaporte, cobrou adiantado e meu deu um molho de chaves. Em seguida, me acompanhou até o quarto, mostrando a utilidade de cada uma das chaves, fechou a porta e sumiu. Duas recomendações: desocupar o quarto até às 11h da manhã seguinte porque um grande grupo de franceses chegaria e deixar a chave na porta do quarto antes de sair. E assim fiz. Não havia ninguém para dar tchau. Chave na porta, fui embora.
No dia anterior, quando cheguei a Carrion de los Condes, o cajado de um conhecido do caminho tinha sumido. Seu nome era Juan, 70 anos, nascido nas Ilhas Canárias, carpinteiro durante 40 anos. Hoje, colecionador, vive na captura de baús, fechaduras antigas etc. Gente simples de hábitos simples e bom coração. Quando me conheceu, em Hontanas, ficou feliz por eu ter conversado com ele. Estava se sentindo muito só, não conhecia ninguém. Vez ou outra, eu o encontrava. Feliz, ele dizia que o Caminho de Santiago era um sonho e que a oportunidade de conhecer tanta gente, mesmo não tendo contato próximo, já o deixava satisfeito.
Mas ele estava injuriado porque, enquanto preenchia sua ficha no monastério, alguém tinha roubado seu cajado. Ele estava disposto a ir aos albergues e perguntar. Vendo o homem revoltado, fui com ele. Ao chegarmos, no primeiro albergue, o casal responsável disse que não sabia o que fazer. Juan pediu para olhar os bastões e cajados dos peregrinos. Não deu outra. Lá estava o dele. Aí, começou uma maratona para saber quem o pegou.
No dia seguinte, logo cedo, Juan voltou ao albergue e o responsável pelo lugar, mediante um recibo, liberou o cajado. Para ele, aquele cajado era o seu companheiro desde o início do preparo para o caminho, quatro meses atrás. E ele não o deixaria no meio do caminho. Era uma recordação daquela que poderia ser sua última viagem. Sua meta de felicidade, agora, era justamente chegar em Santiago de Compostela e, depois, voltar para Las Palmas para curtir a família. Em Carrion de los Condes, assisti a uma missa, também às 8h, e o padre, atenciosamente, rezou parte dela em espanhol, a outra parte em inglês. No final, uma benção especial e todos os peregrinos formamos um círculo de mãos dadas. Foi um barato. Todos unidos numa só vibração. Coisas do caminho.
A caminho de Lédigos, a aridez é muito grande e o caminho se torna desgastante no horário em que eu o fiz. Horas depois de estrada de terra, nada na frente, atrás e dos lados. Já esgotado, vi um carro vindo no sentido contrário. Fiz sinal para que ele parasse. Dentro, uma mulher e dois cães. Ela estava indo buscar uma amiga, que havia descido da bicicleta e agora vinha a pé, empurrando a bike, completamente acabada. Era jovem, talvez menos de 25 anos. Perguntei quanto faltava para Calzadilla de la Cueza, ela me deu uma idéia, me disse “uma média” e foi embora. Média, para nós, é café com leite ou uma nota escolar. Olhei para frente e nada. A estradinha não tinha fim e, vista do ângulo em que eu estava, só lá na frente havia algumas árvores e arbustos. Calor imenso. Bebi o que restava de água e suco e vamos nessa.
Depois de meia hora, aí estava a média. Desanimado, não acreditei. Mais uma vez, um pequeno vale e uma pequena aldeia. Tirei fotos de todos os cantos, era como se a aldeia estivesse enfiada embaixo da terra.
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