Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 14 - 1a. parte
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Autor Fernando Tibiriçá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 2/18/2006 12:54:17 AM
Capítulo 14
Acordei, neblina intensa, garoa, mas precisava ir. Música celta tocava alto, músicas com letras ou apenas instrumentais. Gostei mais das músicas instrumentais, já que, muitas vezes, não entendia as letras.
Um exército de pessoas já se movimentava na aldeia, àquela hora. Gente chegando e gente saindo. Bicicletas, táxis, carros, entregadores de produtos e cães latindo provocavam o maior agito. Aliás, os cães já não me preocupavam como antes, mesmo os grandes, como pastores alemães, belgas e cães da região, eles passavam pelos peregrinos sem qualquer manifestação agressiva. Não me preocupavam, mas eu estava sempre alerta. Juntei minhas coisas, tomei café e fui embora, a princípio, pela carretera. O dia permanecia nublado, garoa fina, frio. 24 horas antes, o calor era forte. Seguindo pela estrada, todos agasalhados, com poncho e chapéu.
As aldeias eram belíssimas. Quando a neblina diminuía, dava para ver os pastos, o gado, as árvores e os pássaros. A gente sempre ouvia os sinos pendurados nos pescoços das vacas. Parei em frente a uma estátua em homenagem aos peregrinos, enorme, de ferro e bronze. Tirei fotos. Quando estava saindo, dois alemães chegaram e pediram para eu tirar uma foto deles junto da estátua. Perguntaram de onde eu era, respondi. Tive que mexer na máquina fotográfica deles, pequena, prateada e cheia de botões. Era o que eu temia. Um deles notou que eu estava com dificuldades e me deu umas dicas. Finalmente, tirei a foto, parece que deu certo e eles ficaram felizes. O mais comunicativo da dupla me agradeceu em português, disse obrigado.
Eu ainda não tinha tirado nenhuma foto minha, a não ser na frente dos espelhos, quando tentava registrar a presença dos meus acompanhantes e guardiães. Então, pedi para que um dos dois tirasse uma foto minha com a minha câmera. Me posicionei, estava sério. O que ia tirar a foto me disse, em bom português, “batata” - por duas vezes. Não agüentei e ri. Me lembrei das brincadeiras, quando era criança, a gente cantava: “alemão, batata, come queijo com barata”. Até hoje não sei porque essa rima. Mas, para uma criança, ela representava apenas mais uma brincadeira. Agradeci, eles se foram. Tirei mais uma foto da estátua e segui pela carretera.
A garoa parava e voltava. Eu subia e descia na estrada. Subidas e descidas imperceptíveis. Senti um perigo me rondando. Não havia feito qualquer alongamento, meu tornozelo começou a doer, mais precisamente na parte da frente, na junção da perna com o pé. Vai ficar esquisito, pensei. E segui adiante. O tempo, felizmente, começou a melhorar, comecei a ver as pequenas aldeias. Mesmo com a neblina, os pastos e as casas eram bonitos. Os pássaros mais atrevidos cantavam. O meu tornozelo também.
Por volta das 2h da tarde, saí da carretera e voltei para o caminho original. Logo, parei, estava completamente encharcado. Não da chuva, mas da transpiração. O casaco e o poncho de nylon me protegeram bem, mas a caminhada me aqueceu e, transpirando, me molhei. Tirei o poncho, bebi água, comi um chocolate, bebi um suco. Ventava e fazia frio. Não tirei a camiseta, embora ela estivesse molhada, mantive o casaco de nylon e segui em frente pelo campo. O caminho agora se dava por entre árvores e bosques até Viduedo, uma aldeia de camponeses.
Havia apenas dois hotéis pequenos, um restaurante e uma capelinha maravilhosa, toda de pedra, bem rústica. A porta estava fechada, mas havia uma janelinha com grades. Tirei fotos e, novamente, apareceu um grupo e me pediu para eu bater umas fotos. Expliquei que não era muito bom naquilo, que minha máquina era bem simples, coisa de criança. Uma das senhoras me disse que a máquina dela era, na verdade, do seu neto. Achei que podia encarar e tirei umas fotos da jovem senhora com mais cinco pessoas, eram três casais. Perguntam de onde eu era, respondi. Eles eram colombianos. Nos despedimos e eu voltei para o caminho, para o campo, passando por povoados e aldeias com 20, 30 moradores, mais ou menos, em cada lugar. E merda de vaca em todas as vielas.
A vista era cada vez mais bonita. Um vale maravilhoso, ao longe dava para se ver as várias aldeias e o povoado aonde queria chegar. Primeiro, Triacastela, antes de chegar a Samos e, por fim, Portomarin. Parei durante alguns instantes para ouvir os pássaros. Estava sozinho em uma das trilhas, o que era raro. Àquela altura, o caminho estava cheio: muita gente se concentrando para a parte final. Eu tinha apenas mais quatro etapas até Santiago de Compostela. Os mais resistentes caminhavam duas etapas de uma vez. Os ciclistas tentavam acabar de vez. Eu seguia em frente, sentindo a proteção dos amigos do caminho e dos meus guardiães. Sentia a proteção. Agradeci a Deus por tudo e me lembrei de uma noite em 2000, quando quase interrompi o meu caminho.
Numa das noitadas do Manga Rosa, em fevereiro de 2000, eu estava na cabine de som, como costumo ficar sempre. De repente, me virei bruscamente sem perceber uma viga atrás de mim e bati a cabeça. Contrai os ombros e, num movimento brusco, “esgarcei” o ombro esquerdo, uma tal de cérvicobralguelgia, em outras palavras, uma lesão no trapézio esquerdo. Como estava aquecido, embora um pouco dolorido, não dei atenção. 48 horas mais tarde, estava em um ortopedista recebendo medicamentos, um colar ortopédico e uma lista de remédios e cuidados. No meio disso tudo, um remédio à base de morfina.
O Manga Rosa ia comemorar seu primeiro aniversário. Eu, juntamente com todo o time do Manga, preparava uma grande festa, que seria realizada no topo da Aldeia da Serra, à beira de um lago, com pista de dança, tendas, bares, raio laser etc etc etc. Como a direção do evento era minha, fui ao local para acompanhar a produção como se eu não tivesse me machucado, como se não houvesse nada. Ao invés de guardar repouso, trabalhei normalmente. No início de março, no alto da montanha, o calor era muito grande. Trabalha aqui, toma remédio ali, não percebi o que estava acontecendo.
A festa estava programada para sábado, 18 de março. A terça, 14, era véspera do meu aniversário e eu já não conseguia me mexer. Sentia fortes dores no ombro e no peito esquerdo e no lado direito do abdômen. Meu intestino não funcionava corretamente. Pensei numa lavagem intestinal, que ficou para o dia seguinte. Na madrugada de terça para quarta, fui acordado pelo meu filho e por sua namorada cantando parabéns para mim. Bolo e vela. Apaguei e apaguei. Dia seguinte, tentei retomar o ritmo, mas estava difícil. Procurei pelo meu ortopedista, mas ele estava em um congresso em Miami. Na quinta, 16, não agüentava mais. Comecei a delirar, vi pessoas estranhas querendo tirar pedaços do meu corpo. Liguei para o médico, mas ele ainda não tinha voltado de viagem. Um assistente me disse para eu ir ao pronto socorro do Sírio Libanês e procurar um médico conhecido. Ele veria o que estava acontecendo.
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