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Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 2 - 1a. parte

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 1/29/2006 9:29:14 PM


Chegando em Saint Jean Pied de Port, o início do Caminho francês, entrei na igreja de Saint Jean exatamente ao meio-dia de 1º. de setembro. Estava só. Uma sirene começou a tocar e os sinos deram as dozes badaladas. Não agüentei e chorei discretamente: parecia que aquela recepção toda era para mim.

Ali dentro, diante do altar, rico em detalhes milenares e, ao mesmo tempo, extremamente aconchegante, me senti absolutamente protegido e bem recebido pelos anjos e santos protetores do Caminho. Era como se fosse uma demonstração de bons presságios. Outros turistas logo começaram a entrar para visitar e fotografar. Eu estava feliz pois momentos antes tinha sentido um abraço de Deus com a “homenagem” que recebi. Saí da igreja e fui procurar um lugar para me hospedar.

Embora as pessoas da cidade estivessem acostumadas com os peregrinos, muitas vezes, estranhavam uma ou outra pessoa, mais ainda um brasileiro maluco, extasiado com o acontecimento da igreja, a cara moderna com os piercings e cansada pela viagem de avião, a mochila pesada nas costas. Além disso, eu não falava francês. Arrumei um lugar "descolado" em frente à entrada da cidade. Quarto com banheiro. A dona ficou tão surpresa com a minha espontaneidade que não perguntou meu nome e não pediu documento. Também não pedi nada a ela. Empatou. Tomei um banho e saí para ver a cidade, carimbar a minha credencial de peregrino, ver o povo e os turistas do mundo todo. Do mundo todo mesmo e com as caras mais deslumbrantes; a maioria com cabelos brancos comprando, curtindo ou se preparando para o Caminho. Voltei à igreja para rezar e pedir a benção para o cajado que eu havia comprado. Caro, mas feito com carinho por um artesão. Depois, vi muitos cajados por apenas 5% do preço que paguei. Mas o cajado era aquele mesmo, um misto de lança medieval e bastão de luta oriental, com um ponto arredondado para apoio das mãos. Me senti um guerreiro a caminho do céu, preparado para cumprir minha missão religiosa que era zelar pelo Caminho de Santiago, defendendo-o de todos os inimigos. Mas, que inimigos?

A igreja de Saint Jean era linda, assim como as ruas e as lojas. Tudo muito bonito. E muito religioso. E político. E comercial. Esgotado, fui dormir ouvindo músicas medievais, celtas e bascas, que tocavam em uma festa pública próxima ao hotel. Música medieval celta e basca mais a peregrinação: componentes encantadores para um sono merecido; a coisa tinha sido difícil. Como difícil é todo caminho.

Logo cedo, fui ao correio despachar uns cartões, paguei a conta do hotel e comecei o Caminho. Não imaginava o que me esperava. Logo no início, quase desisti. Vi uma ladeira ou subida gigantesca ainda dentro da cidade. Eram 11h30min da manhã. Final da manhã e o calor era insuportável, a mochila pesava uma tonelada, mas tinha que ser. Era agora ou nunca. Comecei a marchar como um cavaleiro, um aprendiz, um guerreiro e logo avistei, ao longe, o movimento de um cão se preparando para dar o bote. A encrenca seria grande. Me disseram que nos arredores do Caminho e, mais ainda, dentro das cidades ou povoados, encontraria muitos cães soltos. E aquele, com certeza, era o primeiro da turma. Abaixado, ele ficou esperando a minha chegada. Eu, com meu instrumento de guerreiro na mão, decidi enfrentá-lo. Quando ele avançou bati com o cajado no chão. O cão correu. Fiquei aliviado, embora ele fosse apenas um yorkshire.

No caminho conheci uma senhora francesa, pequenina, descansando. Trocamos barras de cereais por queijo. Ela falava e eu também falava. Não entendíamos nada, mas sabíamos que ambos queríamos o Caminho.

A subida não terminava e eu sabia que seriam muitos quilômetros. Vendo que não tinha volta, fui em frente até entrar em uma área rural. Passei pelo Refúgio Orisson, mas ignorei tudo e todos. Eu era o marchador que estava cansado mas encantado. Começou a trovejar. Parei e coloquei o poncho, protegi a mochila e segui. A chuva não vinha e eu fui em frente, suando. Cairam alguns pingos de chuva e nada mais. E sobe, sobe, passando por pastos e todo tipo de criação.

Percebi que pequenas peruas passavam indo e vindo com uma ou duas pessoas dentro. Fui reparando que as pessoas eram as mesmas. E durante quilômetros de pastos, vales e montanhas, as peruas esporadicamente apareciam. Na medida em que foi entardecendo pude entender o que acontecia. Aquelas pessoas eram criadores que percorriam seus pastos não cercados, cuidando dos seus rebanhos. E os animais entendiam a coisa de tal forma que, através de assobios ou toques nas buzinas, iam se recolhendo sem que os homens precisassem descer das peruas. Para eles, os peregrinos eram invasores de suas áreas. Ainda assim, não eram agressivos. A rotina era cumprida por toda família, o que impedia qualquer relação com os peregrinos: dava a impressão de que eles passavam pela vida apenas cuidando dos animais.

Durante a passagem pelos Pirineus não encontrei pessoas ou peruas por muitos quilômetros. Mas observei abutres se misturando aos rebanhos na expectativa de encontrar algum animal recém-nascido ou machucado. Enquanto três ou quatro abutres, que são enormes, ficavam no chão andando lentamente, outros dois ou três ficavam voando e observando o rebanho. É o ciclo da vida e eu estava nele, sozinho, vento frio, a chuva querendo chover. Comecei a pensar se os abutres não iriam mudar de idéia. Afinal, ali eu era presa fácil e não tinha um rebanho para me ajudar. Mas não estava só: Deus, meu anjo Rochel, arcanjo Rafael e todas as forças - que eu saúdo prazerosamente todos os dias - estavam comigo. E Jesus Cristo na minha mente e no meu coração. E seu apóstolo Tiago me enchendo de coragem para seguir em frente. Era muita energia positiva.

Comecei a pensar em todos de quem eu gosto e que gostam de mim. Pensei naqueles que talvez não gostem, mas que serviram para eu refletir, que serviram para tentar descobrir como melhorar e fazer com que a maioria goste de mim. Afinal, o caminho é gostar de todos e, com isso, ganhar o amor de todo mundo. Eu tava que tava feliz da vida quando cheguei na imagem da Virgem de Orisson, no meio das pedras, num ponto elevado, tendo como fundo o céu e as montanhas. Uma equipe de produção da televisão francesa trocava idéias sobre algum documentário. Fui chegando, tirei a mochila, peguei água no bebedouro para lavar o rosto e as mãos (acho que se tem água por perto a gente deve se lavar antes de rezar), me enxuguei, tirei o poncho, respirei fundo e olhei para imagem. A equipe tinha quatro homens, uma mulher e uma criança. A mulher e a criança se afastaram, enquanto três dos homens vinham e iam na direção da imagem, como se estudassem ângulos ou sei lá o que; o outro, quase sentado no colo da virgem, fumava, demonstrando nenhum respeito.

Bati minha mochila no chão, peguei o cajado para ajeitá-lo e fui em direção da Virgem. Os homens saíram de perto, inclusive o que estava sentado, e foram encontrar a mulher e a criança que estavam mais afastadas, brincando com uns carneiros. Pude ficar só com a imagem que tem Jesus nos braços. Foi um momento de grande emoção. Pedi forças para continuar a caminhada. Fiz minhas orações e segui em frente, quando percebi uma das peruas dos criadores parada ao longe, acompanhando a equipe francesa com muita desconfiança.
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