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Encontros e desencontros do Caminho - Capítulo 3 - 1a. parte

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 2/4/2006 8:02:18 PM


Acordei, fiz uns alongamentos, tirei umas fotos e me preparei para a etapa até Larrasoaña. Novas surpresas me aguardavam.

O caminho foi puxado; passei por árvores, pedras, rios, riachos e, sem acreditar, dei de cara com uma máquina de Coca-Cola à beira de um rio, logo após uma ponte maravilhosa. O calor era insuportável - 32 ou 34 graus - para quem vinha caminhando há horas com mochila de oito ou nove ou dez quilos. Estava com sede e encontrar uma máquina de Coca-Cola com vários produtos no meio do caminho... Havia até um painel da Coca-Cola ali. E ninguém por perto. Nada. Silêncio e calor. O sol castigando. Não era miragem. Estava no caminho. Como outra placa estava no meu caminho em 1978.

Em fevereiro de 1978, eu, um amigo, a mulher dele e minha namorada estávamos em uma perua que mais parecia um microondas ambulante; ele dirigindo por uma estrada esburacada que ligava uma fazenda, onde estávamos, à cidade de Barra do Garça. Nós, homens, de sunga e havaianas. Elas, de biquínis biquinininhos. 45 graus, início da tarde, fazia uma hora e meia que estávamos desviando de buracos nessa estrada. E tudo isso para nadar no rio Araguaia. Para nos refrescarmos, na fazenda, tínhamos que fazer a caixa d’água, suspensa, transbordar e ficar embaixo. Havia um riacho mas as cobras dominavam a área. Então, o Araguaia era a solução e a diversão.

Mas o calor e a estrada ruim provocavam um grande desconforto. O ar quente quase nos levava ao desespero. Até que, como uma miragem, surgiu um out-door da Pepsi-Cola. Enorme! Não acreditamos. Do nada, no meio daquele mato, floresta, selva, o que fosse. Fomos chegando até ver que o gigantesco painel estava sobre uma pequena birosca onde mal cabíamos nós quatro. Lá dentro, um grande freezer e uma senhora sorridente. Perguntamos sobre as Pepsis. A mulher abriu o freezer e tirou uma garrafa geladinha, no ponto ideal, na temperatura ideal, naquela temperatura que o fabricante só descobre depois de gastar fortunas em pesquisas. E, no meio do nada, aproveitamos e tomamos garrafas e garrafas de Pepsi-Cola. Não dava para conter os arrotos suspeitos ou descarados. Era prazer mesmo. A mulher sentada, o radinho ligado e quatro alucinados se enchendo de Pepsi gelada – uma lembrança feliz de um caminho.

A mulher do meu amigo morreu anos depois por causa de uma bobagem chamada lipoaspiração. Seguiu o caminho dela e deixou muita gente sem caminho, pois ela agregava uma multidão ao seu redor com sua simpatia, espontaneidade e atenção. As pessoas não tinham mais porque se encontrar. Um caminho foi interrompido e cada um foi para o seu. Meu amigo continuou no dele e, entre altos e baixos, vai vivendo. Os filhos, carentes com a ausência da mãe, tomaram caminhos próprios mas, certamente, diferentes caso a sempre alegre mãe estivesse presente.

Eu tomei um "pé na bunda" da minha namorada que, anos depois, se casou, teve duas filhas e um bom marido. Seguiu o seu caminho. O meu com ela só não foi melhor porque eu queria mais: as irmãs dela, as amigas dela e tudo o mais. O caminho do descaminho.
Antes, eu já tinha vivido um outro descaminho, em 1976, quando, em uma noitada em uma boate da moda, trombei com uma mulher e fomos parar num motel. Minha namorada não soube de nada até que, meses depois, talvez um ano depois, caminhando pela rua onde eu morava, encontrei a mulher do motel andando pela mesma calçada. Nos cumprimentamos e segui em frente. Ela não sabia onde eu morava. A rua era muito comprida, havia muitos prédios e eu morava num deles.

Na mesma noite fomos ao meu apartamento, eu, minha namorada e uma das irmãs dela. Havíamos passado no supermercado e comprado coisas deliciosas para um jantar que seria feito pelas duas. Eu, com os pacotes na mão, pedi para uma delas pegar no meu bolso a chave e abrir a porta. Havia um envelope no chão. Não dei atenção; é comum que as correspondências, em prédios, sejam colocadas debaixo da porta. Estava na cozinha quando escutei um choro intenso sendo consolado. Fui até a sala e encontrei a minha namorada em prantos, a irmã aborrecida e uma carta nas mãos das duas. Peguei para ler. Tomei um choque: a carta era da tal mulher do motel dizendo da saudade que sentia por mim e do prazer que tinha quando ia ao meu apartamento. E ela descrevia o meu apartamento como se realmente o conhecesse. O que era impossível.

Nunca mais vi a tal mulher; perdi o carinho da minha namorada e logo tudo terminaria. Outra mudança na vida. Era o caminho mudando a sua rota, seu rumo. Mas era o caminho.
Em 1980 tentei uma reaproximação. Eu coordenava a produção geral do desfile do costureiro Markito que aconteceria no Maksoud Plaza (seria o último desfile de Markito no Brasil). Então, chamei minha ex-namorada para trabalhar comigo. Markito era o maior nome na moda brasileira na época, promovia noitadas na boate Gallery, tinha apartamento em Nova York e seu trabalho era conhecido e reconhecido.

Tínhamos muitos quartos do Maksoud reservados para a equipe e eu aproveitei para forçar uma situação com a ex-namorada. Mas nada aconteceu; o desfile foi um sucesso e, no ano seguinte, 1981, Markito morreu de AIDS em Nova York, tornando-se o primeiro brasileiro de destaque a morrer vítima do HIV. Caminhos encerrados, relações encerradas, a vida seguindo, cada um com seu caminho.

Tomando Coca-Cola no meio do caminho, sentado em um banco colocado despretensiosamente ao lado da máquina, fiquei observando o rio, a ponte e o sol. Ninguém aparecia, só havia o barulho da água e eu ali me deliciando com a gasosa gelada. Ainda peguei um energético e segui em frente. Agora, era caminhar pela estrada com carros e motos passando ao meu lado em alta velocidade. Eu tinha feito um estudo sobre os momentos mais difíceis do caminho mas, na arrumação da mochila, deixei muitos papéis e coisas em São Paulo. Firme e forte, refrescado e pensativo, fui caminhando e pensando nos muitos caminhos e rotas da minha vida. Lembrei de muitas pessoas queridas e de muitos que poderiam ter se tornado queridos também. Não havia arrependimento de nada, havia a sensação de missão cumprida.

Sábado à tarde na Espanha, em Navarra, ainda dentro do país basco, dia ensolarado, o mundo estava na estrada apesar do respeito à siesta; entre 13h e 16h todo mundo some, em geral, para tirar uma soneca. Fui andando, andando, subi uma montanha saindo da estrada e comecei a observar como tudo é certinho. Grandes mansões, carros modernos, motos belíssimas, toda a terra aproveitada, nenhuma miséria, nenhum pobre ou pedinte. E eu no caminho, pensando que fosse encontrar miseráveis em pequenas aldeias onde iria aprender ou até ensinar, entrevistar um povo simples e a coisa toda era ao contrário. Simples são os autênticos peregrinos e os moradores que auxiliam e ganham com os peregrinos. Miseráveis, não vi nenhum.

Vi um mundo moderno mesmo no campo, na conservação de prédios históricos ou antigos, nos rios não poluídos, nas matas demarcadas e cuidadas; vi uma agricultura impecável e os pequenos povoados fazendo inveja com sua estrutura e riqueza. Eram povoados e aldeias com menos de mil habitantes e impressionantemente bem cuidados. Não vi polícia. Não vi policial. Mas vi uma disciplina e respeito metódicos que deixavam as pessoas felizes e uma religiosidade discreta, mas presente.
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