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Encontros e desencontros do Caminho - Final do Capítulo 10

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Autor Fernando Tibiriçá

Assunto Autoconhecimento
Atualizado em 2/4/2006 8:43:22 PM


Vão acontecer muitos desmembramentos. É o natural no caminho.
Contei ao cubano que, no caminho para Calzadilla de la Cueza, havia entrado num povoado buscando sombra, comida e água. Na televisão do bar, vi um musical cubano chamado Buena Vista Social Club, que me deixou alegre por causa do ritmo e da ginga da banda. Todos os estrangeiros presentes também se surpreenderam com o programa. Ele riu e deu uns passos daquela dança.
À noite, escrevi até tarde na cafeteria. Pude presenciar a confraternização diária dos donos e funcionários jantando juntos quando todos os hospedes já se recolheram. Peregrinos dormiam cedo. Como sou executivo noturno, ainda estava acordado nesse horário, apesar da forte influência dos peregrinos.
Dia seguinte, vamos ao caminho. Pedi minha conta. No lugar do meu nome estava escrito Brasil. Fiquei feliz e senti saudades. E fui. Agora, sem moscas, tomei o rumo de Sahagun. Passei por Lédigos e outros povoados. O caminho ia costeando a carretera e, porque era uma estrada de menor tamanho, que ligava pequenos povoados, o perigo era bem menor. Muito sol, aridez intensa. Atravessei a divisa das províncias de Palência e León. De Calzadilla de le Cueza até Sahagun foram 22 quilômetros. Tudo certo. Caminho quase plano. Consegui manter o ritmo até que estourou uma bolha que tinha se formado no calcanhar. Os músculos começaram a pedir socorro. Fora isso, estava bem.
Perto de Sahagun, você tinha a ermita, uma pequena capela da Virgem da la Fuente, um lugar sossegado junto a uma ponte maravilhosa. Seguindo em frente, os trilhos de trem, e Sahagun. Impressionante o número de bicicletas e motos ali. Fiquei em um hostal em frente ao albergue e, da sacada, via a Plaza de Toros, o albergue e muita gente chegando à cidade. Peregrinos não paravam de chegar, uma van descarregou equipamentos de som. Soube que haveria um concerto de música à noite. Gratuito e no albergue.
De manhã, dei uma volta pelo povoado. Avenida, ruas, estação de trem, Plaza Mayor: em 30 minutos, tinha visto tudo a pé. Não continuei o caminho para me recuperar e cuidar das bolhas no calcanhar. Na hora do almoço, estive numa feira que ocupa o centro do povoado. Flagrei um negão, magro, óculos escuros, todo cheio de graça, analisando as pessoas que passavam. Alias, o único negro da cidade, na dele. Fotografei o que pude. Estava tomando um baile da máquina, que qualquer criança saberia mexer, perdi vários filmes. Esperava ter conseguido uma boa foto do figuraça. Não trouxe câmera digital porque sou distraído, costumo, sem querer, manipular tudo bruscamente, a mochila, literalmente, voava nas mãos dos peregrinos e os bolsos estão sempre cheios. No meu caso, uma câmera simples era a melhor opção. Se as fotos não derem certo, as imagens ao menos estarão eternamente guardadas na minha memória. Isso é o caminho.
Vez ou outra, pegava uma música brasileira no ar. Em Estella, entrei numa loja, rolava um som com Gilberto Gil e o pessoal curtia. Falei que era o ministro da cultura do Brasil. Pouco mudou. Na estrada a caminho de Calzadilla, próximo de um albergue com área verde, ouvi Paulinho da Viola. Parei e fotografei. Quando estava em Akerreta, o casal basco colocou sons de Cesária Évora, a famosa cantora de Cabo Verde, para me agradar e se queixaram que as opções para comprar CDs de músicas brasileiras eram sempre as mesmas.
Ouvi músicas típicas de jovens espanhóis. Fiquei impressionado com Kepa Junkera e seu acordeón e um legítimo som basco e tradicional. Alguns peregrinos caminhavam ouvindo som ou conversando. Eu falava comigo mesmo, às vezes, discutia e chegava a interferir apartando qualquer discussão. Escutava a natureza, o vento e os pássaros. Tantos anos sem escutar a natureza e agora estava no caminho.
Anos atrás, década de 50, 60, eu costumava ir com meus pais e irmãos para o Guarujá. Ainda não havia a Piaçaguera. Eram 10, 12, às vezes, 18 horas de fila na balsa para atravessar de Santos para o Guarujá. Ficava no Sobre as Ondas ou no Grande Hotel, que foi demolido. Pitangueiras era um charme. Quando ficava no Grande Hotel, almoçava e jantava no restaurante ao lado da piscina, em frente ao hotel, do outro lado da rua. Quem cuidava da piscina era o seu Genaro que vivia acompanhado por um fox terrier. Cansei de comer camarão de tudo que é jeito. No hotel e cassino, as ações eram coordenadas pelo Batatinha. O cassino ficava ao lado do hotel e só rolava baralho. O Grande Hotel, o cassino e a piscina faziam parte de um único negócio.
Havia apenas um cinema na cidade. Terra batida era o piso. Quem queria comodidade, levava a sua cadeira de praia. Telefone, só com a telefonista e chamadas sujeitas a horas e horas de espera. O resto do dia era natureza mesmo. Não havia barulho, só o vento, os pássaros e o mar. Para se ir à Enseada, era uma aventura. À praia de Pernambuco, era preciso combinar um dia antes. Iporanga e outras eram ecoturismo. Mas o impressionante era a praia das Tartarugas, onde se via muitas delas nadando. A gente até podia nadar com as tartarugas. O clima de semi-deserto dos anos 50, quase 60, era um espetáculo da natureza.
Na década de 60, numa noite atravessando o canal numa das balsas, percebi que ela tinha parado. As pessoas saíram dos carros e todos, inclusive eu, pudemos ver sobre a Ilha Porchat quatro OVNS em movimentação lenta, mudando de posição até acelerarem e sumirem. Acho que estavam analisando o final de uma época naquelas praias de Santos e Guarujá. E projetando o desastre que o homem traria.
Em 82, montei o Victoria no local onde até 35 anos antes havia funcionado a boate do cassino do Guarujá. 35 anos fechada. Nos primeiros dias de obras, tivemos que botar morcegos para fora. Depois, refizemos o lugar, que ficou um legítimo club de rock´n´roll com um ar antigo e moderno. Verão de 82. O lugar ficou incrível e 35 anos depois foi reaberto como um pub, com uma pista de dança, um palco, DJs e bandas ao vivo. Foi o caminho.
Do terraço do hostal, via o footing típico das cidades menores do Brasil acontecendo em Sahagun. As motos roncavam, as gatinhas circulavam e o pessoal estacionava para paquerar, enquanto eu me arrumava para o concerto das oito no albergue. No concerto, ouvi música celta e tradicional da região. Violão elétrico, flauta, acordeón, violino, percussão e duas gaitas de fole, mais dois ou três vocais. Pronto: música tocada há centenas de anos. Na platéia, gente de todo o mundo. Aplausos o tempo todo. O lugar era antes uma igreja, agora transformada em auditório e albergue. Maravilhoso. Um dos membros da equipe do grupo me contou qual era o nome da turma: Reñuberu. Tocavam um celta folk e músicas tradicionais de León. Mesmo em Sahagun, eles se sentiam celtas. Me lembrei de uma das histórias do Asterix e Obelix, quando eles tinham contatos com os celtas e, juntos, davam uma surra nos romanos.
Juan, o das Ilhas Canárias, depois foi me encontrar, ele não curtia música. Muito menos celta e blá, blá. blá. Fomos jantar e outra vez ele falou do orgulho de fazer o caminho, que pode ser seu último caminho.

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