MARIA ENGAIOLADA



Autor Hellen Katiuscia de Sá
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 12/29/2005 3:25:15 PM
Maria estava vagando pelas ruas. Chorava muito e não via os carros passando rente a ela no meio-fio. E para piorar, chovia e já era noite alta. Maria ainda estava abalada. Na tarde daquele dia chuvoso seu companheiro havia terminado com ela.
A relação dela com seu ex-namorado - o rapaz que se chamava Argot, nunca foi um mar de rosas, mesmo assim, Maria apegou-se de tal maneira a seu antigo parceiro, que não conseguia mais viver sem ele à tira colo. Vivia em torno dele, seus planos eram feitos a partir da figura do rapaz. Maria inconscientemente passou a desprezar-se completamente, desde então.
Pobre Maria... Argot era tão paciente com ela, ensinou-lhe tanta coisa, mas ela estava ainda cega pela beleza da forma, não compreendia nada do que Argot falava. Foi no mesmo dia em que ele havia escrito um poema para dar de presente à Maria, que ela brigou com ele e o rapaz não tendo mais alternativas, terminou o relacionamento.
Caminhando aos prantos e sedada pelo desespero, Maria ficou frente a frente com um facho de luz artificial sob seus olhos. A luz, porém, não lhe cegava mais, seus olhos abertos há muito estavam molhados e por isso distorciam as imagens. O farol do carro, vinha em sua direção, a moça não desviou... e o mesmo aconteceu com o motorista do automóvel.
O descontrole da jovem ocasionou uma tragédia em sua vida, tudo porque Maria estava engaiolada na figura do namorado. Sempre fora assim ao longo de sua vida, Maria se agarrava às coisas, como se fossem talismãs incumbidos de experimentarem a vida antes que a vida a experimentasse. Havia vários muros e prisões que a própria moça levantara em torno e dentro de si mesma.
Argot foi seu muro mais espesso, e Maria não pode mais enxergar nada nem compreender o que ele lhe dizia. O rapaz via e experimentava coisas que a moça dificilmente compreenderia, por não vivenciar por si mesma, e por isso seus sentidos não passavam além da forma. Maria aprendera muita coisa em livros; filmes; relatos... Mas dela própria não sabia nada.
E o rapaz sempre quis que Maria fosse em busca de seus objetivos, conversava com ela, explicava-lhe... Mas os objetivos dela eram permanecer ao lado de Argot e continuar cega para a vida, e isso ele não pôde aceitar.
Somente quando Maria estava próxima de fechar seus olhos físicos para este mundo é que, ironicamente, viu finalmente a luz verdadeira das coisas. E a luz era verde-clara, tinha aroma de final de tarde de primavera, era como uma pequena fumaça a rodear tudo.
Maria compreendeu que para ter mesmo as pequeninas alegrias da vida, deveria primeiro começar a abrir os olhos. Enxergar e vivenciar as coisas além de seus sentidos. É desse modo que as vivências pessoais são interiorizadas: aceitando-as, vivenciando-as, compreendo-as.
Foi nesse momento que Maria parou de tentar roubar e aprisionar os outros e a si própria dentro de fatos vazios. E sua vida física estava se esvaindo naquele facho de farol de carro... Tudo parecia acabado e mesmo assim, naquele instante para Maria, sua existência passou a ter mais razão de ser, coexistir e existir. E mesmo terminando o namoro, indiretamente Argot fora seu grande bem-feitor, e num último suspiro, soube agradecer-lhe. A moça abriu a gaiola que aprisionava ela ao rapaz. E Maria experimentou seu primeiro instante de Paz.
Hellen Katiuscia de Sá
29 de dezembro de 2005
______________
“Ainda nos nossos dias os humildes, os miseráveis, os desprezados, os insubmissos, ávidos de liberdade e de independência, os proscritos, os errantes e os nômades falam argot, esse dialeto maldito, banido da alta sociedade (...). O argot permanece a linguagem de uma minoria de indivíduos vivendo à margem das leis estabelecidas, das convenções, dos hábitos, do protocolo, aos quais se aplica o epíteto de vadios, ou seja, de videntes e, mais expressivo ainda, de Filhos ou Descendentes do Sol”.
*O trecho acima foi retirado do livro:
O MISTÉRIO DAS CATEDRAIS – Cap. III, por Fulcanelli. Coleção Esfinge, Ed. 70, 1998.
https://www.spectrumgothic.com.br/gothic/origem_fulcanelli.htm









Visite o Site do autor e leia mais artigos.. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |