Microscópios ou óculos para miopia III
Atualizado dia 2/23/2007 4:07:07 AM em Autoconhecimentopor Fernando Cavalher
Destas descobertas genéticas e neurológicas à afirmação de que toda a vida cultural humana é apenas “química e eletricidade”, o salto supera a distância entre a Terra e Maia, na constelação das Plêiades. Tal reducionismo revela na ciência um desejo de radicalismo teórico que só se equipara ao desejo de radicalismo dogmático encontrado nas igrejas fanáticas (que gostariam que o gene não existisse para viabilizar sua visão igualmente errada de que há algo de espiritual que não tem qualquer relação com o físico). Estes cientistas querem dizer que, como o gene existe, toda a vida cultural humana não existe realmente, pois é apenas uma ilusão provocada pelo aparato genético com o objetivo de nos procriarmos, aumentando o número de indivíduos na espécie e nossas chances de sobrevivência a cataclismas e outras dificuldades.
O leitor esperto já terá percebido que estou usando “vida cultural humana”, ao invés de “vida espiritual” ou “religiosa”. Minha escolha decorre de um raciocínio simples. Há pelo menos um gene capaz de produzir algo muitíssimo abstrato como a fé. Com certeza, há também genes que conseguem produzir o amor, a compaixão, a vontade, o tesão, o orgulho e até mesmo a curiosidade científica. Afora a discussão a respeito do quanto de livre-arbítrio o ser humano pode exercer, já que as coisas que tem como mais sublimes são fatalmente determinadas pela química e pela eletricidade – que, por ser dificílima, deixarei para texto futuro – isso levanta algumas dúvidas. Imagine o cientista chegando a casa e encontrando sua família, que o ama, e que por isso leu suas publicações científicas. Todos estão furiosos e ele não entende porquê. Ele tenta conversar com a esposa e ela não responde. Ele diz: “Fale comigo, meu bem, eu a amo.”. Ela responde: “Que nada! Isso é apenas a expressão de alguns genes! Os meus genes da agressividade estão ativados agora! Safado, cachorro, sem-vergonha etc. etc.”. Seus filhos estão arrasados: seu pai não os ama, foi apenas determinado geneticamente. Será que eles amam seu pai? Suas consciências, mais sãs, dizem-lhes que sim. Mas o que fazer com as conseqüências abstrusas de descobertas científicas que, melhor contextualizadas, seriam válidas?
Se se continua nesta direção, toda a vida cultural humana é redundante. Por que o Sr. Okky escreveu esta reportagem? Por que a VEJA a publicou? Por que, antes de tudo, vender revistas (se a VEJA tiver leitores que acreditam em suas reportagens, acabarão não a comprando mais; um paradoxo). Assim como toda a vida cultural humana, tudo isso é completamente sem sentido e desnecessário, porque não ajuda a humanidade a procriar nem a sobreviver a cataclismas.
Colocar toda a importância da vida humana na procriação e na sobrevivência retira do ser humano todo o sentido da vida. Neste contexto, a robótica teria surgido junto com a evolução das espécies. Não. Isso é tolice. Não se confundam microscópios potentes com óculos para miopia.
Minha epistemologia me leva de volta à minha necessidade de abrangência. A genética é mais um aspecto, cada vez mais interessante, da vida cultural da humanidade. Só posso concluir que a magnificência da vida, esta ampla e esmagadora vida, estende-se a estas moléculas fenomenais, incrivelmente capazes e participativas, os genes.
Texto revisado por Cris
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