MULHER: Mãe e Hetaira - Parte I
Autor Fátima Rodrigues Graziottin
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 08/03/2007 14:07:12
Trecho da poesia MATER
Olavo Bilac
"Tu, grande Mãe! ... do amor de teus filhos escrava,
Para teus filhos és, no caminho da vida,
Como faixa de luz que o povo hebreu guiava,
À longe Terra Prometida.
(...) E espalham tanto brilho as asas infinitas
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
Que o seu grande dano sobe, quando as agitas,
E vai perder-se entre as estrelas (...)”.
Trecho da poesia DEPOIS DA ORGIA
Augusto dos Anjos
"O prazer que na orgia a hetaira goza
Produz no meu sensorium de bacante
O efeito de uma túnica brilhante
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!
Troveja! E anelo ter, sôfrega e ansiosa,
O sistema nervoso de um gigante
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da força cósmica furiosa.
Apraz-me, enfim, despindo a última alfaia
Que ao comércio dos homens me traz presa,
Livre deste cadeado de peçonha (...)".
Ainda hoje, no alvorecer do século XXI, nós, mulheres, somos regidas pelos dois maiores arquétipos femininos do inconsciente coletivo, que resolvi denominar de: o da "mãe-madonna" e o da "hetaira-prostituta".
Assim como somos regidas por esses arquétipos ainda hoje, infelizmente, ainda estamos também divididas entre eles...
Segundo Jung, as deusas são arquétipos, ou seja, fontes derradeiras de padrões emocionais que fluem de nossos pensamentos, sentimentos, instintos, comportamentos, caracterizados e tipificados como “puramente femininos”.
Os homens também são influenciados pelos arquétipos das deusas que espelham energias femininas na psique masculina, porém, nos homens, esses arquétipos se manifestam de maneiras externas, projetando-se através das mulheres com as quais convivem ou através da mídia, sentindo-se atraídos por elas, ou rejeitando-as.
Segundo Jung, o atributo do arquétipo materno, que designei, aqui, de "mãe-madonna" é “o maternal”, ou seja, a "mágica autoridade do feminino"
São atributos desse arquétipo: o amor incondicional, a sabedoria e a elevação espiritual (indo além da razão), a bondade, o cuidado, o continente, condições de crescimento, fertilidade, fecundidade, nutrição, transformação mágica, renascimento, instinto e impulso favoráveis, o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o apavorante, o devorador.
O arquétipo da “mãe-madonna” é muito bem representado nas figuras de diversas culturas, tais como: Inana (cultura suméria), Maria (cultura cristã), Gaia (cultura grega), Dana (cultura celta), Chalchiuhticlue (cultura asteca), Ísis (cultura egípcia), Nun (cultura românica), Ishtar (cultura sumério-babilônica), Tara (cultura hindu-budista). Isso, só para citar alguns arquétipos de deusas-mãe.
O arquétipo da "hetaira-prostituta" tem atributos tais como: sensualidade, natureza indomável, instintos selvagens, independência, liberdade, graça, beleza, virgindade, pureza, prazer, coragem, alegria, entusiasmo, ludicidade, inocência, “sexo sagrado”. Isso, somente para citar alguns atributos.
Uma das diversas deusas que representam o arquétipo que denominei de “hetaira-prostituta”, e que na antigüidade também tinha a conotação de “prostitua sagrada” é a deusa Lilith (cultura suméria):
Lilith era a “cortesã sagrada” (ou hetaira) de Inana, a Grande Deusa Mãe, também conhecida como a "Rainha dos Céus”. A função de Lilith, na sua hierarquia sagrada era seduzir os homens na rua e levá-los ao templo da Grande Deusa Mãe, Inana, onde se realizavam os ritos sagrados de fecundidade. Os costumes sexuais sagrados eram a dádiva de Inana para a humanidade. Nos seus templos se praticava a “prostituição sagrada” e suas sacerdotisas eram conhecidas como Nu-gig. Os homens da comunidade buscavam a Deusa, através dessas sacerdotisas e o ato sexual era sagrado, proporcionando a cura física e espiritual. Esses ritos também se davam com o propósito de render boas colheitas. O ato sexual estava relacionado também com a fecundidade da terra.
O arquétipo da “hetaira-prostituta” é representado pelas deusas Ártemis e Afrodite (cultura grega), Flidias (cultura celta), Diana (cultura românica)e outras.
Provavelmente, foram as suas “funções” na hierarquia divina da cultura suméria que transformaram Lilith na “serpente-demônio-da-tentação” na cultura judaico-cristã e que influencia negativamente mulheres e homens, até os dias atuais...
Nós, mulheres, vivemos dramaticamente a cisão “madonna-hetaira” até os tempos atuais.
Podemos nos considerar liberadas sexualmente, porém, vivemos ainda sob o preconceito de muitos séculos de pesada repressão social, religiosa e machista.
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IMAGEM: Primavera - Obra de Boticcelli
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