Nos lábios ou no coração?
Atualizado dia 11/22/2007 11:09:53 PM em Autoconhecimentopor Claudia Gelernter
Abraham Lincoln
Todos os anos quando se aproxima o período natalino recordo cenas do meu passado mais distante.
Minha mãe foi costureira durante boa parte da minha infância. Cortava vestidos, fazia barras nas calças, pregava botões, consertava camisas. O fato de meu pai estar por vezes desempregado fazia com que ela se desdobrasse para cuidar de tudo na casa e ainda manter a família com o pouco que ganhava.
Via-a sentada no mesmo banco marrom, durante muitas noites de Natal, levantando o pé direito e abaixando-o num mesmo ritmo, girando a roda da máquina Singer, passando as linhas nas agulhas, apertando os olhos para tentar enxergar melhor para onde deveria conduzir o tecido. Eu reclamava ao seu lado, impaciente, pois aquelas noites eram por demais preciosas para serem “gastas” defronte a uma máquina de costurar. Precisávamos orar, comemorar e trocar presentes!
Então resmungava. Não entendia o que ela fazia ali sentada, enquanto todas as mães da vizinhança estavam assando um cheiroso pernil, cozinhando arroz salpicado com passas, montando lindas mesas, com adornos vermelhos e verdes, brilhando à luz de velas retorcidas...
E ela, pacienciosa, me dizia: “Minha filha, precisamos nos alimentar e pagar as contas. Ainda hoje preciso entregar estas encomendas.”
Passaram-se muitos anos para que eu entendesse aqueles natais sem graça. Precisei de um bom tempo para compreender que minha mãe era movida por amor. Ela não produzia lindos sermões natalinos ou jantares maravilhosos, como eu desejava, porém nos vestia, nos alimentava e para conseguir isso, sacrificava-se.
O escritor Malba Tahan conta-nos uma história que nos remete a este tema, falando de um rabino que era muito famoso por seu conhecimento das Leis de Deus e que falava aos homens com eloqüência e brilho. Conhecia cada profecia, todos os livros sagrados e não economizava nas colocações sábias durante as pregações apaixonadas. Certa noite sonhou que havia sido transportado para o mundo espiritual e lá ficou sabendo que existia um moço, que muito pouco freqüentava a sinagoga e que se encontrava em situação superior ao rabino. Um jovem com um brilho impressionante. Ao acordar estava confuso e intrigado: “Como poderia aquele que muito pouco comparecia às pregações ser maior do que eu, um orientador espiritual de tamanho destaque em minha comunidade? Seria aquilo verdade?”
Decidiu procurá-lo. Ao chegar em sua casa encontrou-o cuidando de seus pais, que eram idosos e doentes, com muito amor. Devido ao pouco tempo disponível, quase nunca comparecia à instituição religiosa. O amor por seus pais conduzia suas ações. Foi então que o rabino compreendeu o sonho. Deus estava em seus lábios, mas aquele rapaz tinha Deus no coração.
Com a minha mãe não foi diferente. Ela não discursava em casa nas noites de Natal, mas trabalhava por todos, pedindo-nos em troca apenas um pouco mais de paciência. Era mesmo incrível a sua força diante das provas que a vida apresentava.
“Aquele, pois, que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que edificou sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa: ela, porem, não caiu, porque estava edificada na rocha. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato que construiu sua casa na areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa e ela caiu... e grande foi a sua ruína.”
Assim falou Jesus de Nazaré, do alto do monte das Oliveiras, para uma multidão de seguidores, no final de seu sermão, batizado pelos evangelistas como “O sermão do monte”. Primeiro nos trouxe as verdades. Depois complementou, dizendo que aquele que sabe e não age, não terá base para as provas da vida.
Incrível como existem momentos em que uma simples garoa de problemas nos visita o telhado frágil e já caímos em desespero. Basta um olhar “torto”, um contratempo no trabalho, uma complicação em família para o mundo ruir. Talvez nesses momentos seja o caso de avaliarmos nossas bases. Pode ser que precisemos de um novo alicerce, construído com mais ações e menos falatórios.
Muitos têm Deus apenas nos lábios. Só os que amam verdadeiramente levam Deus no coração. Deve ser por isso que nenhuma tempestade derruba a sua casa espiritual, afinal, quem leva Deus consigo, o que deveria temer?
Texto revisado por Cris
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Tanatóloga e Oradora Espírita, professora e coordenadora doutrinária E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |