O Homem de Cócoras
Atualizado dia 08/08/2007 15:56:56 em Autoconhecimentopor Marcos Spagnuolo Souza
Nesse dia, estava eu deitado, aos cuidados da mangueira, olhando para os periquitos que passavam voando em direção ao leste, ou então, prestando atenção no vento que vinha e ia, refrescando o meu corpo, e noto que alguém se aproximou e acabou se colocando de cócoras ao meu lado. O tempo foi indo embora, eu deitado de barriga para cima e o homem acocorado ali do meu lado, bem quieto e sem soltar nenhuma palavra. Sem movimentar a cabeça, olhando de vesgueira, notei que ele não era da região. Parecia, pela cor da pele, tamanho e rosto, que era originário do tronco indígena. Sei que não muito longe do local em que estávamos existe um acampamento dos índios caiapó, bem depois da terceira montanha do leste. Meus pais nunca me deixaram ir para aqueles lados, porque nossos bisavós e tetravós tinham tirado suas terras daqueles índios, matando seus antepassados. Chego a ver o pai de meu pai correndo atrás de um índio com uma arma nas mãos, tirando a vida daquele povo e tomando deles a terra, onde temos agora nossas roças de milho, mandioca e feijão preto.
Sem mais nem menos, aquele homem começa a falar sozinho. Não era comigo que ele falava, pois eu não o conhecia e ele nem olhava para o meu lado. Falava, olhando para um tronco de aroeira que estava fazendo parte de uma cerca que separava as terras de Frederico das terras do Joãozinho. O homem de cócoras falava e eu fingia que não estava escutando mas, na verdade, eu estava prestando muita atenção em cada palavra do homem. Lembro como se fosse agora, que ele pausadamente disse que todo ser é um ovo luminoso e que esse ovo se manifesta em forma de pessoas, animais, árvores, planetas e tudo o que estamos vendo. O ovo é vida e tudo possui vida, o próprio planeta Terra possui vida e atrás do planeta existe o ovo luminoso que é o ser do planeta Terra. O ovo luminoso é o ser, um campo de muita luz.
Para o homem ver o ovo luminoso é necessário que sua mente seja clara como a água do riacho que corre nas montanhas. Quando o homem passa a ver o ovo de todas as coisas, tudo o que existe em nosso plano é modificado, o que tinha importância deixa de ter e o que não tinha valor passa a ter. É muito triste quem morre sem ver o ovo luminoso. Quem nesta vida possui a capacidade de ver o mundo da luminosidade, o mundo real, não fica triste ou vazio; fica repleto de alegria e contentamento, de felicidade por ver a verdade, sendo que todas as fantasias deixam de existir. Só pode ver o ovo luminoso quando se consegue atravessar a camada que separa o mundo dos sentidos, do mundo verdadeiro. Tendo consciência do ovo luminoso é possível conversar com a pedra, com as plantas e animais. Quem quiser ver tem que se aproximar de uma xamã, pois é ele que pode atravessar as camadas que separam os mundos.
Existem três tipos de pessoas no mundo material: os cegos que pensam que a escuridão é a verdade; os cegos que sabem que são cegos e finalmente os que não são cegos, vivendo em lugares desertos e abandonados, quase inacessíveis, tratando o mundo como um mistério infindável. O homem que estava de cócoras parou de falar, pegou seu embornal, levantou e foi embora. Depois de uma curva do caminho ele sumiu, mas suas palavras nunca desapareceram de minha consciência.
Texto revisado por Cris
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