Pai, eu aceito você!
Atualizado dia 12/14/2007 10:22:18 AM em Autoconhecimentopor Theresa Spyra
Dizem que devemos ter gratidão e respeito ao pai. Porém, gratidão e respeito são apenas palavras vazias. O dicionário tem gratidão e respeito. É só procurar. Então inventaram que gratidão e respeito estão vinculadas a um comportamento: não falar alto com o pai, pedir a bênção, nunca falar um palavrão na sua frente, não reclamar do que ele fez ou deixou de fazer. Engraçado: comportamento é apenas uma atitude vazia. Qualquer animal pode treinar um comportamento.
Gratidão e respeito não são comportamentos. Um grande número de pessoas, por terem aprendido dessa forma, tem comportamento social, mostram as atitudes de gratidão e respeito, mas dentro de si existe uma mágoa profunda contra o pai. Isso não é uma crítica, é simplesmente uma constatação de quem trabalha com inúmeros problemas de relacionamento e que também já teve suas rusgas com o pai, e com a mãe também.
Vivemos numa sociedade de comportamentos vazios. Colocam-se centenas de regras e crenças de como deve agir o filho, e esquece-se que o sentimento é que manda. Jesus, enquanto pregava cercado por um numeroso grupo de pessoas, ao ser informado que sua mãe e irmãos queriam lhe falar, disse simplesmente: meus irmãos são os que estão aqui comigo. Ninguém duvida do amor dele pela sua mãe e irmãos, apesar do comportamento de não querer recebê-los.
Conheci uma jovem cheia de energia e vida. Falava alto, gostava de festas e em determinado momento fumou umas coisas diferentes... Mesmo assim, o coração dela estava preenchido pelo amor à mãe, que por outro lado achou o comportamento dela como algo ofensivo a ela mesma. Por ter a auto-estima muito baixa, a mãe achava que “os outros” iriam julgá-la uma mãe relapsa, e não admitia isso. Simplesmente jogava palavras duras e irreais para a filha, como: "você não me ama e não me respeita!" A mãe, no fundo, sabia que a filha a amava profundamente, mas tinha medo do julgamento da sociedade. É isso que acontece numa sociedade baseada em comportamento e não em sentimento.
O pai também é cobrado pelo papel de pai. Deve ter o comportamento de pai. Deve prover o lar de todas as necessidades materiais. Deve dar segurança à família. Ser a pessoa que ensina e impõe regras. Ser forte, seguro, determinado. Um ponto de apoio à mulher e aos filhos. Esse tipo de comportamento, logicamente, deveria merecer o respeito que a sociedade diz que os filhos devem ter. Mas qual pai é assim? Quantos pais são fracos, submissos e ausentes? Quantos pais não têm força para sustentar o lar, nem coragem de proteger a família?
Da mesma forma que os filhos tentam quase sempre ter o comportamento que se espera deles, mas não conseguem “inventar” o sentimento, os pais também tentam ter o comportamento que esperam deles, mas não conseguem “inventar” o sentimento de pai. E muitos caem no desânimo, nos vícios, na traição, famílias se desestruturam, filhos são abandonados, simplesmente porque se vive uma sociedade de comportamento e não de sentimento.
O que se espera dos pais não existe, e o que se espera dos filhos também não existe. Todos nós somos seres humanos e somos a manifestação suprema da vida exatamente como somos, apesar dos nossos comportamentos e emoções. Trazemos em nossos ombros uma carga genética que determina não somente nossas características físicas, mas também muita coisa emocional. Herdamos da família tendências que empurram nossa personalidade a adquirir medo e insegurança que nem sabemos de onde vem. É isso que a constelação familiar sistêmica demonstra. O medo que sentimos, nosso pai também sente, da forma dele. A dor que sentimos, nosso pai também sente. Cada indivíduo na face da Terra carrega sua mala de dores e alegrias, e é ela que vai determinar as emoções. Não dá para forçar um comportamento externo sincero, se emoção está em conflito.
Nem por isso, quer dizer que não existe o amor ao pai. E também não quer dizer que o pai não ama ao filho. O amor é a única coisa que existe. Mesmo quando há um comportamento julgado como incorreto pela sociedade, o amor entre pai e filho está lá. Mesmo quando a dor é profunda e a mágoa rasga as vísceras, o amor entre pai e filho está lá. Não há nenhum pai que não carregue o peso de não ter sido um melhor pai, mais presente, mais amoroso, mais compreensivo, mais capaz. Mas por menos que o pai tenha dado ao filho, ele lhe deu a vida e isto é o suficiente.
Durante o trabalho de constelação sistêmica, percebo que a não aceitação a este simples fato por parte do filho, acarreta uma longa trajetória de sofrimento, relacionamentos infelizes, problemas profissionais e financeiros. E tudo isso porque alguém ensinou que um pai deve ter um comportamento que não teve.
Para as pessoas que cansaram de sofrer pode ser o momento de parar de ver o comportamento do pai e buscar lá no íntimo o sentimento puro e infinito que transcende a qualquer coisa que tenha acontecido no passado. Não existe pai com o comportamento perfeito, nem filho com o comportamento perfeito. O homem, por mais que se veja como um ser individual, é parte de um sistema familiar, que é a verdadeira alma que influencia o nosso comportamento diário e nossas emoções. A alma familiar abraça tanto o pai quanto o filho e nos joga de um lado para outro nos caminhos da vida, como as ondas empurram e sacodem um barco.
Queremos a felicidade, mas um comportamento social não tem a força de mover um milímetro desta alma familiar, que também chamamos sistema, rumo à redenção, à liberdade. Pode-se viver a vida inteira respeitando as regras sociais, mas sem mergulhar profundamente nas regras do sistema familiar, a dor se perpetua. Isso quer dizer olhar sem culpa, sem medo e sem julgamento para a família. E a regra principal na relação pai e filho é aceitar o pai exatamente como ele foi. Virtudes e defeitos. Qualidades e vícios. E deixar que ele carregue sua própria mala. O filho é o pequeno, e sempre será. O pai é o grande e sempre será. Um filho não manda nunca no pai, não importa a situação. Um pai pode mandar no filho até a pós-adolescência, quando o filho deverá estar pronto para voar sozinho. Após este momento o pai não pode carregar os problemas do filho e nem o filho carrega os problemas do pai. Na verdade, não existem problemas, pois o que chamamos "problema" são comportamentos que a sociedade diz que são errados. Os comportamentos sociais mudam o tempo todo. A única coisa que sempre existiu e nunca morrerá será o amor, que se mostrou naquele primeiro instante sagrado, na união da célula masculina com a célula feminina, possibilitando mais uma vida surgir na Terra: a sua vida!
Siddho Theresia
Terapeuta e consultora de constelação familiar sistêmica
www.nokomando.com.br
Texto revisado por Cris
Avaliação: 5 | Votos: 18
Theresa Spyra é alemã, trainer e terapeuta com especialização em constelação sistêmica familiar, organizacional e estrutural. Estudou com a também alemã Mimansa Erika Farny, pioneira na introdução do método sistêmico de Bert Hellinger no Brasil, e aprofundou-se nos sistemas estruturais e organizacionais, com estudos no Brasil, Alemanha e Suíça E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |