PEIXES FORA DÁGUA
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Autor Christina Nunes
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 9/19/2007 9:43:48 PM
Que mundo é este?!...
Faz algum tempo, lia na obra Síndrome do Estrangeiro qualquer coisa referente aos possíveis sintomas indicativos da origem de determinados indivíduos não pertencer a este mundo, devido a uma sensação de inadequação flagrante para com os parâmetros caóticos vigentes no modus vivendi da sociedade dos tempos que correm. Identifiquei-me na hora. E continuo me identificando! E certamente não deixarei de me identificar!
Trago, não é de hoje, a convicção de que carregamos no nosso íntimo o molde de mundo da nossa precedência, com o qual nos afinizamos no presente estágio de nossa trajetória evolutiva. É visível à sensibilidade mais apurada, através das aversões ou empatias nutridas por pessoas ou por situações. Sobretudo pelo tipo de conduta e de postura íntima que nos caracterizam, e a partir das quais educamos os nossos filhos.
Ensinamos os nossos filhos a respeitar o próximo; a ser cordiais; a cultivar valores e princípios para um mundo melhor. Mas o que vemos nos padrões da sociedade onde vivemos? A epopéia do desrespeito! Vide o caso clássico dos prestadores de serviço - calvário amargo, pelo qual eu mesma já passei num sem número de vezes. E que hoje mesmo se repetiu: aquela coisa de se querer registrar uma reclamação ou cancelar um serviço e ter que se submeter ao velho golpe do esgotamento da paciência, no qual operadores de telemarketing treinados para carrascos mais uma vez envidam secar o cliente ao telefone, o mais que podem, embromando o atendimento com perguntas sem cabimento e com transferências intermináveis para outros ramais.
De resto, uma forma burra de se trabalhar! Porque o que se consegue com isso não é, em absoluto, nos fazer desistir da reclamação ou do cancelamento - porém, e acima de tudo, esgotar a paciência de qualquer santo, e levar o reclamante a, mais do que perseverar no seu objetivo, execrar, publicamente, a empresa que trata com tamanho e escatológico desrespeito o cliente que, de resto, lhe enche os bolsos!
Então se configura o conflito: o que ensinamos aos nossos filhos não encontra eco no mundo real, do ponto de vista prático, onde, de futuro, terão que habitar e interagir visando a convivência e o alcance de finalidades. E, convenhamos, qual a finalidade bem intencionada; qual a ideologia de mundo melhor que resiste a tal molde selvático e irracional de mundo, qual este, presente nos mais diversos setores e patamares da atual vida humana?!
Tornamo-nos em peixes fora dágua. Sob torturante sensação de asfixia. Desesperados por uma saída, por uma luz no fim do túnel indicadora de que nossos valores de bem viver não são falidos; que gentileza e elegância no trato não são padrões de conduta obsoletos, mas fatores indispensáveis para que se atinja maior harmonização na angustiosa sociedade onde vivemos; que respeito e consideração pelo semelhante são fatores indicativos de uma cultura avançada e amadurecida, que logrou transcender o primitivismo de se vencer na vida sob a filosofia antropofágica do "salve-se quem puder, primeiro eu e o resto que se dane"; mais que tudo, que tais requisitos são imprescindíveis para um modelo de mundo onde os indivíduos coabitem pacificamente, em constante processo de aprendizado e de enriquecimento mútuo, visando o engrandecimento espiritual, cultural e coletivo, e distanciado das referências mesquinhas de competitividade feroz, que esta tal dúbia globalização quer insinuar como o trunfo, como a saída decisiva para o progresso das nações - com resultados, todavia, a cada dia mais catastróficos, mais evidenciadores de uma despersonalização decrépita, em detrimento dos maiores valores individuais, e forjadores de um repertório de desassossego, de miséria e de violência sem paralelos em todo o decurso da história humana!
Que mundo é este?!...
Não é o meu mundo! Certamente não é!
Não o mundo com o qual sonhei ao gerar cada um dos meus dois filhos, devaneando acerca de utopias - ultrapassadas aos olhos dos poderes representativos dos interesses atuais - valores como nobreza dalma, caráter, educação, amor, paz e respeito a todos os seres...
Tal mundo, para o qual vim preparada, e disposta a contribuir para materializá-lo neste orbe, ainda se acha embrionário, latente, não apenas no meu imo, mas no de todos os que - e estou certa de que são muitos! - compartilham esta visão!...
Mas como peixes fora dágua. Ainda; infelizmente!...
Exorto a todos estes que não desistam - pois o mundo que queremos jaz intocável, inviolável, em cada um dos nossos passos, iniciativas, atitudes - a ser prontamente realizado ao menos no raio mais próximo das nossas influências!
E, assim, sobrevivemos nutrindo-nos dele!
E talvez que um dia estes pequenos mundos esparsos, em perseverando na sua dignidade, se aglutinem na realização final daquele nosso mundo melhor!
Com amor,
Lucilla & Caio Fábio Quinto
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Chris Mohammed (Christina Nunes) é escritora com doze romances espiritualistas publicados. Identificada de longa data com o Sufismo, abraçou o Islam, e hoje escreve em livre criação, sem o que define com humor como as tornozeleiras eletrônicas dos compromissos da carreira de uma escritora profissional. Também é musicista nas horas vagas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |