Saudades da minha Avó
Atualizado dia 7/11/2006 11:26:16 AM em Autoconhecimentopor Maria Cristina Gonçalves
Dirá se irei luz ou permanecerei pó
Se encontrarei Deus ou permanecerei só
Se ainda hei de abraçar minha avó!
"Tempo Só", Gilberto Gil
Quando a nostalgia bate à minha porta, a personifico na figura da minha avó, da minha Nonna, melhor dizendo. Ai que saudades tenho da Dona Rosária, que poderia se chamar Maria, Ana, Gertrudes, Laura, Isaura, Fiorina.... ou o nome que tem a avó de cada um de nós.
Aquela senhora idosa, tão enrugada, passos cambaleantes, cabelos na cintura, mas por toda a vida enrolados num coque baixo. Tão difícil ver uma imagem dessas hoje em dia, em conseqüência dos inumeráveis tratamentos estéticos. Rugas profundas, patrimônio de uma vida cheia de histórias, trabalho, experiências, terços rezados...
Como a minha avó podia resumir teses e teses dos meus pensamentos numa única frase? Qual o valor de toda essa experiência? Como comprar ou fabricar ou consultar um ser humano assim? Só o tempo, os mistérios da vida, podem dar de presente a velhice, tão repudiada atualmente, mas que se conquista dia-a-dia e nenhum dinheiro pode comprar.
Ser jovem é fácil, ser criança, mais ainda... Mas ser velho é para poucos. Orgulhem-se, nobres anciãos! Assumam sua supremacia! Não há nada que garanta aos jovens chegar até o ponto que vocês chegaram... Nada. O caminho é longo, tortuoso e cheio de perdas: o viço da pele, a saúde dos órgãos, os entes queridos, o reconhecimento dos familiares ao final da estrada. Mas é um caminho nobre e mais próximo de Deus. Deus na sua magnitude de sabedoria, doação, percepção.
Saibamos envelhecer! Assumamos nossos postos! Se hoje você tem 40, porque quer ter 20? Cada idade tem sua beleza. Não caia na armadilha de uma sociedade que só preza o novo e o belo. Dê-se de presente preencher seu corpo com os anos que lhe foram dados. Não estou falando de doenças e debilidades, e sim, da sabedoria, do equilíbrio e da serenidade. Validem nossos idosos. Eu amei a minha avó todos os dias dos 28 anos em que estive com ela. Mesmo nas brigas e críticas, eu a amei.
A minha nonna não era de brincadeiras, nem de abraços, nem de fazer bolo, nem era possível lhe dizer “te amo”, pela sua educação arcaica e severa. Ao contrário, era questionadora, intrigante, “rápida no gatilho”. Era quem me decifrava como ninguém e me ajudava a viver melhor dando-me, de graça, parte da sua experiência. Ao final da vida, cobrava-me um beijo no rosto a cada visita. Uma mulher rica, não em termos financeiros, pelo contrário; foi mãe de 6 filhos, avó de 18 netos e bisavó de 28!!! Ela, em vida, conheceu até a 27ª: minha primeira filha.
Quando Maria Fernanda nasceu ela me disse: “Agora sim você vai conhecer o amor verdadeiro!” e a presenteou com um lencinho. Feito dos restos de um lençol, com uma flor que ela desenhou à caneta e alinhavou por cima com uma linha roxa. Foi o presente mais emocionante de toda a minha história. Espero que a minha filha dê valor a ele.
Sou carente de avós, não tenho mais nenhuma viva. Por isso, me “apodero” momentaneamente de todos os idosos que se aproximam de mim com o olhar calmo de quem sabe viver. Agradeço a Deus por me fazer partilhar de um ser escolhido por Ele para encher o jardim da vida de troncos grossos e raízes profundas.
Obrigada, Nonna! Amo você, onde estiver...
Texto revisado por Cris
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