SOBRE O SUICÍDIO 3
Atualizado dia 1/24/2007 6:21:39 PM em Autoconhecimentopor Christina Nunes
Semana passada publiquei um artigo extenso abordando o problema do suicídio sob a única ótica sensata, a Espírita, já que o ataca lançando luz diretamente nas raízes da questão, e não em superficialidades que nada esclarecem. Desejo me alongar um pouco mais para o entendimento necessário da, talvez, causa basilar destes tantos e tantos casos em que tal desfecho trágico ceifa, de abrupto, muitas vidas valiosas.
Vivemos em tempos em que não se admitem mais meias palavras na elucidação de coisas importantes. Assim, no que aqui nos interessa mais de perto, e para atingir o ponto pretendido, preciso é que se diga: uma das maiores desgraças ocorridas para a saudável evolução mental e espiritual no ocidente foi a retirada arbitrária, pelo Concílio de Constantinopla em 553 d.C, das menções à realidade da reencarnação nos evangelhos.
Vejam bem que enuncio aqui, e de caso muito bem pensado, realidade! Porque já é ultrapassado o prazo para o entendimento de que a verdade da reencarnação não se prende a crença ou a descrença. Existe, tanto quanto o sol sobre as nossas cabeças; e se fará presente na trajetória de cada um de nós tantas quantas forem as vezes necessárias ao nosso entendimento de que o aprendizado e o crescimento são as metas da trajetória - não nenhuma suposta chegada estacionária nalgum paraíso entediante e mergulhado num eterno e inútil tocar de harpas; e nem tampouco nalgum inferno sádico e incoerente para com os propósitos grandiosos do Criador que a tudo gerou com equilíbrio e com finalidade sábia, que não é, jamais, a condenação de qualquer parte de Si mesmo a um castigo absurdo, perene, e despojado de qualquer objetivo maior para a contabilidade cósmica num Universo que a tudo aproveita e exalta na sua função, para glória maior da Vida!
O suicídio enreda seres que já nascem cerceados nesta armadilha: num mundo que, no decorrer dos últimos séculos, por imposição do poder religioso, se habituou a conceber o funcionamento da existência humana como uma viagem que começa no berço e acaba inapelavelmente no túmulo - tendo como único e diáfano reconforto a esperança de que, talvez, se for muito - mas muito! – bonzinho, livre de pecados, irá após a morte para o tal do céu!
Ora; mas ser livre de pecados é jogo perdido na nascente, já que o conceito de pecado é mal estruturado, e o real crescimento se prende, antes, e obrigatoriamente, a ensaio e erro - àquele mesmo tipo de mecanismo simplista que diz à criança que não deve colocar a mão no fogo para não se queimar!
O ser humano nasce, então, e, cedo, se descobre, ou carregado demais de culpas para atingir o hipotético céu (já que a recompensa vem sempre depois, só depois, e de modo algum no aqui e agora!), e, portanto, já destinado ao limbo ou ao tal do inferno, ou - se dispuser de um espírito mais lúcido e sofisticado em entendimento, mas, por outro lado, tão perdido de compreensão das realidades maiores da Vida quanto qualquer religioso ingênuo - logo se vê saturado de um tédio natural e decorrente da situação de quem está como que lacrado dentro de uma caixa de sapatos apertada, sem escoadouro, sem alternativas. Na riqueza ou na pobreza, tudo o que tem em mãos é o que a fugaz trajetória neste mundo perdido no Cosmos oferece: suas limitações humanas, seus desejos não satisfeitos, suas fraquezas e alegrias passageiras, e seus bens, que logo passarão às mãos de outros, quando da sua despedida deste mundo...
E então, por vezes, o indivíduo, na tentativa de suprir um vácuo que a ele mesmo é ininteligível, subjugado por certo tipo de compulsão... vai acumulando mais bens, e mais, nos casos em que a riqueza material o favorece.
Só que isso não preenche o estranho vácuo. Assim como as teorias acerca de apenas uma só vida, e o céu e o inferno, não atendem à compreensão daqueles que, meras marionetes na massa populacional no mundo, não atinam com o propósito maior das coisas, e com esta engrenagem aparentemente arbitrária que lhes governa as vidas, se atirando assim, por instinto, vencidos, à mediocridade alienante da luta pela sobrevivência, sem nem ao menos uma parada para reflexão.
Resta-lhes, portanto, o cansaço espiritual a inspirar-lhes, volta e meia, o mesmo tédio avassalador que a outros sugere a estranha falta de sentido numa existência confinada entre as paredes da imensa caixa que é este mundo - nosso objetivo único, segundo as explicações insuficientes ventiladas pelos criadores da fé cega.
Este, portanto, o estrago supremo nas mentalidades de todos os últimos séculos de um obscurantismo de ordem espiritual, outorgado a pulso dos interesses de poder e de manipulações religiosos. Roubou-se do ser humano o conhecimento puro e simples de um mero mecanismo evolutivo na jornada do homem rumo às luzes maiores da vida; mecanismo, entretanto, conferidor de liberdade e de uma auto-suficiência que nos ensina, através das lições do nosso próprio cotidiano, que somos nós os criadores, em última análise, dos nossos destinos, e que a história toda, em função disso, possui desdobramentos, sendo bem mais vasta do que sugere o pequeno enredo de uma só vida vivida no nosso acanhado mundo, diminuto entre os gigantes do céu estrelado e infinito; que não precisamos nos desesperar, porque a força e a capacidade de superação das dificuldades no nosso aprendizado começa e termina em nós mesmos, assim como as diretrizes do que virá depois, em conseqüência - e não nalgum deus humanizado, despótico e arbitrário, mais ainda do que nós o somos nas nossas limitações - punindo e recompensando nalguma situação atemporal alheia ao presente, segundo contrariemos ou não os seus ininteligíveis caprichos; que, enfim, não precisamos cometer a idiotice de nos deixarmos iludir pela tentativa improfícua de dar fim ao que, de si, não tem fim: a Vida, que há de pulsar em nós e apesar de nós, em quaisquer dimensões onde nos pilharmos em decorrência das nossas decisões, movidas ou não por desespero, e cobrando-nos, sempre e em qualquer época, posicionamento perante as conseqüências das nossas escolhas!
A vida é eterna! E, no panorama material, a expressamos de dentro de variadas situações e papéis desempenhados ocasionalmente, em meio ao nosso infindo percurso evolutivo. Neste mister, criamos, literalmente, os lances mais ou menos dramáticos no nosso caminho, por intermédio do uso das escolhas de nosso livre arbítrio, que - só estas! - atraem para nós todo tipo de conseqüência bem ou mal aventurada, por lei de efeito respondendo a uma causa, e por nada mais!
É um conceito e tanto no tocante às responsabilidades que nos cabem quanto aos nossos próprios atos e pensamentos, e que, por isso mesmo, cobram funda maturidade espiritual de cada um de nós. Porque põe um basta definitivo a anjos, a demônios e a um tipo de Deus despótico e vingador que nada mais faz que nos julgar durante todo o tempo! É a noção de uma liberdade irrestrita e maravilhosa que, todavia, como tudo, cobra o seu preço: o de se enfrentar tudo sem desfalecimentos, já que, aqui ou em qualquer lugar, nunca encontraremos o fim do túnel - e faremos da vida exatamente o que queremos que ela seja.
Lucilla e Caio Quinto
ok
Avaliação: 5 | Votos: 10
Chris Mohammed (Christina Nunes) é escritora com doze romances espiritualistas publicados. Identificada de longa data com o Sufismo, abraçou o Islam, e hoje escreve em livre criação, sem o que define com humor como as tornozeleiras eletrônicas dos compromissos da carreira de uma escritora profissional. Também é musicista nas horas vagas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |