Todos temos tudo cá dentro
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Autor Nuno Michaels
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 27/07/2008 16:08:07
Não é (só) um chavão. Nem um vislumbre de holismo new-age, um sound-bite emprestado de todos os que o repetem, de uma forma ou de outra, recordando-nos da unidade essencial de toda a vida.
Todos temos tudo cá dentro.
É o prodígio de um Universo que se repete nos seus padrões infinitamente, como uma dança de semelhantes e similares atraindo-se, ressoando, vibrando uns com os outros e assim alterando-se reciprocamente, criando uma ondulação nova de vida a cada novo instante e escondendo por detrás da sua aparente aleatoriedade uma harmonia oculta em seus passos. Como uma orquestra energética vibrando tons de harmonia quando se cruzam as notas certas de instrumentos harmónicos, criando ruído quando os instrumentos se digladiam pela supremacia na condução da melodia de notas não consonantes.
Todos termos tudo cá dentro é o inferno de uma reunião de condóminos em que todos têm agendas diferentes, objectivos distintos, necessidades próprias e compromissos a manter, alianças estratégicas e estratégias de sobrevivência. E saber que cada um desses é uma parte de nós.
Todos termos tudo cá dentro é a evidência humilhante que o mal de que acusamos o exterior existe da mesma maneira em nós; é uma exortação vã a que se reclame o herói que adoramos e que é feito de nós também; é a recordação evidente que a princesa e o dragão e o ajudante, o objecto mágico e os obstáculos residem todos no mesmo sítio: na mente, na memória, no coração, em todos os recantos do universo assim como em cada retalho de nós.
Todos termos tudo cá dentro é olhar compassivamente como quem se revê gota de mar perante o oceano da vida, aceitando no outro a parte incómoda de si próprio e assim criando o perdão da sua existência magnífica e culposa até o momento da redenção; é o olhar compassivo de quem reza pelo outro para que se salve do inferno e redime no coração do outro o pecado da violência, do medo, do terror, e encontra no coração do outro o amor, a coragem e a alegria para continuar a jornada.
Todos termos tudo cá dentro é a grandeza de admitirmos a nossa própria dualidade, o paradoxo que nos contém, os trezentos e sessenta graus de contradição que são a verdade da nossa matriz, porque todos somos um conjunto de impulsos e energias contrárias num delicado estado de equilíbrio instável. Um acréscimo de energia, uma tensão experimentada no meio e o sistema pode perder o equilíbrio, e precisa reorganizar-se para lidar com essa tensão. Mas nada existe no meio que não exista também intrinsecamente ao sistema, e a tensão no exterior é uma resposta energética ao desequilíbrio no interior. Assim o sistema se organize para se adaptar à mudança exterior que é um reflexo seu, ou se reorganize internamente e altere como reage com o exterior, e atrairá uma resposta mais equilibrada do exterior por ter criado um novo equilíbrio instável nos atractores internos que magnetizam a experiência de fora.
Tudo termos tudo cá dentro é sabermo-nos Peixes, Carneiros, Touros, Gémeos Caranguejo e todos os outros em simultâneo, é sermos o Sol e a Lua e o Mercúrio e todos os outros ao mesmo tempo, em diferentes disfarces, em diferentes contextos, de diferentes maneiras. Todos termos tudo cá dentro é admitirmos a nossa própria universalidade, a nossa própria completude, a nossa própria fragilidade, a nossa própria humanidade, tudo misturado num barquinho de casca de noz à mercê de um oceano que somos nós também e engolido pela espuma que espumamos, criando o terror que tememos. Todos termos tudo cá dentro é sermos marinheiros, velhos do Restelo, reis e cabos de Tormentas, monstros marinhos e narradores participantes do nosso próprio drama dos descobrimentos por via das águas.
Todos termos tudo cá dentro é precisarmos de conviver com o conflito, o paradoxo, a grandeza e a pequenez, a nobilíssima disposição e a mediocridade que apoquenta. É sermos simultaneamente Tarzans e Capuchinhos Vermelhos, como dizia no livro dos autógrafos, é reconciliarmo-nos com yin e com yang, céu e terra, fé e ciência, religião e razão, pai e filho, dentro e fora, medo e amor. É subsumirmo-nos à dualidade, ao dilema, ao rasgão dilacerante de nos fazermos divinos de animais e animais de divinos.
Todos termos tudo cá dentro é olhar para a vida exterior como um reflexo da vida interior, o espelho circular que nos devolve a nós próprios de onde quer que olhemos, para onde quer que miremos. Termos tudo cá dentro é olhar para fora e encontrar a si em tudo, olhar para dentro e encontrar tudo em si.
Todos termos tudo cá dentro é sermos perfeitos, imperfeitos, humanos, divinos, grandiosos, medíocres, poderosos e assustados, violentos e compassivos – e sermos suficientemente grandes para conter a tudo isso, a tudo isso e a todas as outras contradições da nossa existência.
Tolerar a ambiguidade é, afinal, a prenda maior do Amor e também não.
© Nuno Michaels, 2008
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Conselheiro Astrológico, Formador, e Life-Coach. A sua abordagem à Astrologia é Esotérica na lente, Psicológica no trabalho com clientes, Existencial nos pressupostos, e Terapêutica na abordagem. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |