Uma possível realidade
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Autor Waldisson Cardoso
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 23/03/2011 17:03:45
Era no subsolo, uma espécie de cidade cercada. Não apenas cercada por muros, mas por todos os lados, em cima e embaixo. Uma caixa fechada. O piso, uma espécie de mármore de uma cor clara suave, o teto alto o suficiente para que não pudesse ser tocado por ninguém.
Uma voz explicava os detalhes daquilo a que chamava de comunidade e como a mesma funcionava. Não era chamada de cidade, mas sim de comunidade, a qual era composta por duzentas pessoas. O porquê deste número de pessoas é algo que fica sem resposta, como tantas outras indagações, uma vez que a voz que se ouvia por toda parte apenas falava e não se admitia perguntas. As casas eram de três cômodos; um quarto onde havia uma cama de casal, uma sala e cozinha juntas onde havia uma geladeira – se assim esse utensílio podia ser chamado, mas tinha a aparência de uma -, um micro-ondas – este sim era isso mesmo -, duas poltronas, uma tela de vídeo e um aparelho de videogame e, finalmente, um banheiro bem simples, com vaso sanitário e um chuveiro. A voz explicava que existiam cem casas, pois em cada uma viveria um casal, ou como ela informava um macho e uma fêmea.
O ato sexual era permitido, mas não a reprodução. Era informado que existiam colônias exclusivas para esse fim. Os casais foram escolhidos de acordo com um programa de computador que analisou e encontrou as pessoas que mais afinidades tinham umas com as outras. Ninguém da mesma família vivia em uma mesma comunidade. As famílias foram desfeitas, o máximo que se poderia existir era o casal. Se quiser chamar de família esse par que assim o faça quem achar melhor. Se uma pessoa falecesse era sugada para fora. Sugada mesmo, pois era uma espécie de sugador que era utilizado. Essa era também a única forma de sair dali. A pessoa falecida seria substituída por outra que, segundo o computador, seria o par perfeito para aquele que ficou só. Ninguém ficaria sozinho, era mantido o número de habitantes em exatos duzentos.
A alimentação era feita por meio de congelados, em cujas embalagens era possível ler que aquilo continha todas as vitaminas e proteínas necessárias ao corpo, mas não dava para saber do que, realmente, aqueles congelados eram feitos embora o sabor não fosse desagradável. Nas embalagens dos líquidos lia-se “composto de frutas”, mas não explicava quais frutas. A geladeira era reabastecida automaticamente a cada determinado período. Automaticamente mesmo, pois em um dia se tinha certa quantidade de alimentos, no outro já havia mais. A orientação era que cada pessoa deveria se alimentar no máximo três vezes ao dia, já que, acabando a comida antes da data de reabastecimento, não havia como obter mais. A água parecia água, tinha gosto de água, mas não havia possibilidade de afirmar se realmente era.
Em uma espécie de galpão cheio de máquinas, ou melhor, computadores. Era onde todos trabalhavam. A jornada era de quatro horas, e trabalhavam todos de uma vez só, havendo assim um único turno de trabalho. As funções eram todas as mesmas: Digitar em um computador individual frases ou palavras que apareciam em uma grande tela suspensa. Era dito que aquelas palavras digitadas eram comandos enviados ao sistema central que administrava toda a comunidade, mas não era possível acreditar, pois as palavras e frases não faziam sentido. Parecia mais uma maneira de passar o tempo.
Após a jornada de trabalho era permitido o lazer, mas não havia muitas opções. O canal de televisão era único, e o que mais se via eram informações de como se comportar dentro da colônia e outros programas sem muitas informações úteis. Uma espécie de novela onde as pessoas mais se pareciam com máquinas pré programadas do que com gente, até sua voz era uma voz robótica. Havia umas duas praças com bancos onde as pessoas podiam se sentar e apenas conversar. As plantas que existiam nessas praças ficavam atrás de uma vitrine, de maneira que não podiam ser tocadas. Eram árvores, flores e um gramado, não dava para saber se eram ou não artificiais, mas eram de grande beleza. As academias existiam, com equipamentos modernos. Mas antes de usar qualquer aparelho era preciso passar em frente a uma máquina que informava qual o tipo de exercício deveria ser feito e por quanto tempo. Os equipamentos ligavam e se desligavam automaticamente, de acordo com a determinação da primeira máquina.
As pessoas não eram conhecidas pelo nome, mas sim por uma identificação composta por alguns caracteres tipo XY32, onde o primeiro caractere informava a qual colônia pertencia àquela pessoa, o segundo caractere o sexo (Y para masculino e R para feminino) e os últimos caracteres a identificação. Assim XY32 e XR32 eram o casal trinta e dois da colônia X, ou seja, XY32 o macho trinta e dois da colônia X e XR32 a fêmea trinta e dois da colônia X. Não se usava documento de identificação, os caracteres eram bordados em todas as peças de roupa, além de uma tatuagem no braço direito.
Transporte não existia, nem público nem privado. Não se faziam necessários, pois em uma cidade com cem casas não se podia ir muito longe, e nem era permitido ultrapassar os muros, como se isso fosse possível, pois era uma caixa lacrada por todas as partes.
Quantas colônias como aquelas existiam no planeta voz não informou, apenas foi dito que nas colônias destinadas à procriação, as crianças não cresciam junto com seus pais biológicos para que não houvesse laços afetivos. Essas colônias de reprodução eram como uma espécie de chocadeiras, e o material necessário para geração da vida eram fornecidos por todos os habitantes das outras colônias, mas de maneira que ninguém sabia como nem quando. Assim sendo, foram abolidos os temos pai e mãe. Essas crianças, depois de crescidas, eram enviadas para substituírem outros que faleceram em determinada colônia.
Autoridades ou governantes não existiam, todo comando vinha daquela voz que ninguém sabia quem ou o que era. Se por ventura alguém tentasse desobedecer ou se comportar de maneira diferente da estabelecida, simplesmente desaparecia, e a voz informava que aquela pessoa fora sugada. Quanto ao sistema financeiro, foi informado que aquilo era coisa ultrapassada, pois não se precisava de moeda em um local onde não era necessário comprar nada, bastava apenas se comportar de acordo com as orientações e tudo seria fornecido de graça. As determinações eram chamadas de orientações e nunca de ordens, pois se tentava passar a idéia de que aquela era a maneira ideal para se viver e, assim sendo, não era preciso que ordens fossem dadas.
Por quanto tempo uma pessoa ficaria na colônia? Até a morte, pois todas foram pré-selecionadas para aquela determinada área, e jamais seriam enviadas a outra. Ali era o lar definitivo de todas as duzentas escolhidas.
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