O nada que preenche o vazio
Atualizado dia 01/01/2014 10:31:58 em Corpo e Mentepor Marco Moura
Ouça um som qualquer. Ele tem um começo e um fim. Se o som fosse constante, estaríamos tão acostumados com ele que não o notaríamos. Assim como o ar que respiramos, o silêncio não é notado até que algo o sobreponha. O silêncio de fundo é essencial para que possamos identificar o som. Se não houvesse silêncio, apenas ruído, não seria possível identificar som algum.
No silêncio, percebemos o surgimento e o fim do som, daí então o associamos a uma imagem. Atribuímos uma forma a ele. Por exemplo: ouço um som, reconheço que é de voz humana, a minha memória associa o timbre da voz a uma pessoa e afirmo que é fulano falando. O mesmo acontece com tudo o que é captado pelos órgãos dos sentidos, seja imagem, som, cheiro, sabor, toque ou pensamento: há um plano vazio que permite a sua existência (surgimento e cessação), ele é captado, nós o identificamos e o associamos a uma imagem. Um pequeno estímulo sensorial ganha uma forma e se desenvolve no solo da mente.
Em nosso mundo físico, o mundo das formas, toda a forma é minúscula diante da dimensão ilimitada do espaço, do silêncio e do tempo. Essa dimensão vazia é o espaço que permite a existência das formas, o silêncio que fica de fundo para o surgimento do som e o tempo ilimitado onde ocorre o presente. Diante de uma realidade vasta, qual a importância real de fenômenos minúsculos? Valorizar um fenômeno sem reconhecer a totalidade daquilo que apóia o seu surgimento não faz sentido. A forma é constituída basicamente de vazio. O esqueleto do universo é vazio, nós o recheamos com nossos conceitos, com ideias e formas. Nós lhe atribuímos um significado. Está tudo na mente. Não faz sentido valorizar o vazio?
A mente não reconhece o vazio, apenas a forma. Por isso, valoriza e vive perseguindo a forma, desejando alguma coisa. O desejo cria o pensamento. Quer nos identifiquemos com uma forma de maneira positiva ou negativa, nós lhe damos atenção de qualquer jeito. Por exemplo, ao ouvirmos um som e reconhecermos que é a voz de uma pessoa que nos agrada ou nos incomoda, nós lhe damos atenção e criamos o ruído. É fácil notar como damos atenção às coisas e pessoas que nos incomodam ao invés de simplesmente deixarmos pra lá. A mente é encrenqueira. Se fôssemos indiferentes a essa pessoa e ao som, sua fala seria como o silêncio.
A mente indisciplinada busca incessantemente a forma e, desse modo, sobrepõe o silêncio com o caos. Pensamentos em excesso tiram a clareza e deixam a mente cheia. Imagens, sons, cheiros, sabores e toques em excesso desorganizam a sensibilidade e a percepção se torna grosseira, nada refinada. Em outras palavras, a mente cheia se torna confusa e desequilibrada, pois perde o vazio fundamental que se manifesta como espaço vazio, silêncio e momento presente.
Esse ruído que causa tanta confusão e ao qual nos prendemos, se observarmos profundamente a sua origem, percebemos que é um grande nada. Surgido como uma pequena semente, foi agregando pensamentos até tornar-se um nó confuso. Se puxarmos a linha, o emaranhado de pensamentos se desfaz e retornamos ao plano original e livre do vazio. Esse puxar a linha significa presenciar o momento com inteireza, atenção plena e ausência de julgamentos.
Marco Moura
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Marco Moura desenvolve no Centro Dao de Cultura Oriental (metrô Ana Rosa, Vila Mariana, São Paulo) atividades para o desenvolvimento integral de corpo e mente através da meditação budista, artes marciais e terapias orientais. Fisioterapeuta, faz atendimentos de Acupuntura; ministra aulas de Meditação, Chi Kung, Tai Chi Chuan e Kung Fu. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Corpo e Mente clicando aqui. |