A hora de parar
Atualizado dia 23/02/2014 08:47:23 em Espiritualidadepor Tom Coelho
por uma ferradura, um cavalo,
e, por um cavalo, o cavaleiro”.
(Frei Luis de Granada)
Ambição é uma coisa boa. Ela nos desperta desejos, promove o comprometimento, estimula a perseverança. Torna-nos mais fortes e nos faz buscar a superação. Pela ambição conquistamos mais posses e mais poder. Sentimo-nos mais ricos, mais bonitos e até mais livres. O que a estraga é a ganância.
Como tudo na vida que desgarra da ponderação do equilíbrio, a ambição desmedida evolui para a ganância. Nesse estágio, o desejo vira cupidez; o comprometimento, obsessão; a perseverança, teimosia. As posses denotam opulência; o poder, prepotência. A liberdade se esvai e renasce como fênix, enjaulada.
O problema é uma questão de proporção. Na escalada para o progresso, não sabemos – ou não aceitamos – a hora de parar.
Na vida pessoal, defendo a tese de que relacionamentos amorosos, por exemplo, têm prazo de validade. E me alinho aos votos sagrados de “até que a morte os separe” juramentados na celebração dos casamentos. O ponto é: de qual morte estamos falando? As pessoas imaginam tratar-se da morte física. Prefiro interpretar como a morte do sentimento.
Todo início de relacionamento é mágico. É quando se pratica o jogo da conquista e da sedução. Nossas ações são orquestradas, e as palavras são escolhidas de forma meticulosa. Mostramos o que temos de melhor: nossa vida é virtuosa, nossos valores são nobres e nossos feitos são admiráveis. Vestimos as melhores roupas, usamos os mais agradáveis perfumes. A pele tem viço; o olho, brilho; o sorriso, autenticidade.
Os ambientes por onde circulamos são aconchegantes. A bebida parece sempre gelada, mesmo que seja um conhaque, e a comida sempre saborosa, mesmo que não seja consumida.
Tudo isso acontece porque estamos envoltos numa atmosfera de encantamento e sinergia, embevecidos pela eficiência do diálogo, que corre fácil, posto que há muito por se falar, anos para se compartilhar. Queremos em um par de horas nos desnudar, não apenas das roupas, mas de nossa história pessoal, mostrando quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir – e o destino reserva lugar ao interlocutor, a figura amada, quase inanimada, que nos sorri.
O processo é o mesmo para homens e mulheres. Diferem as estratégias, as táticas, mas não os propósitos.
Transcorrida essa etapa consuma-se a conquista. Bocas que se encontram, braços que se enlaçam, corpos que se aquecem. E então, vive-se o romance que nutre e cega. O horizonte se retrai.
A estabilidade leva a relação a mares calmos e a ausência de ondas revela o que antes não se podia enxergar. Descobrimos – e revelamos – que virtudes carregam consigo defeitos, que amabilidade é temperada com eventual intolerância e que gentilezas são bonificadas com fleuma.
É nesse momento que se estabelecem os limites entre paixão e amor. É quando a união amadurece. Então, percebemos que o beijo ardente e o sexo prazeroso são imprescindíveis, mas não únicos. O diálogo ganha novos temas, mas não se perde. E notamos, como bem pontuou Gabriel García Márquez, que amamos quem está conosco não por quem a pessoa é, mas por quem nos tornamos na presença dela.
Agora, trata-se de manutenção. De conquistar um pouco mais a cada dia – ou tudo novamente.
Mas a natureza nos reservou um mundo dual. Dia e noite, quente e frio, yin e yang. E, não raro, os relacionamentos não apenas se desgastam, mas se esgotam. Cessa o calor do beijo, os olhares se desviam, os diálogos tornam-se fúteis. Primeiro, a discórdia. Depois, o conflito. Por fim, o confronto. Transformamos nossas cabeças em um cemitério de lembranças e passamos a cultivar toda ordem de sentimentos negativos. O pacote vem completo, com mágoas, ressentimentos, infidelidade, desamor e tristeza. Esperamos resolutamente que um extremo seja alcançado para tomar a decisão da separação, a qual poderia ter florescido quando ainda havia respeito e admiração mútuos.
Não sabemos terminar.
Texto revisado
Avaliação: 5 | Votos: 90
Tom Coelho foi educador, palestrante em gest�o de pessoas e neg�cios, escritor com artigos publicados em 17 pa�ses e autor de oito livros. Faleceu em 30 de agosto de 2020, devido à ELA, doença degenerativa. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |