A TEORIA DA TRAIÇÃO
Atualizado dia 7/22/2009 4:03:59 PM em Espiritualidadepor Inês Bastos
Nós nos decidimos pelo outro através do brilho pessoal, das nossas intenções inconscientes, do fato de amarmos e querermos ser amados, de criarmos alianças desde o tempo das cavernas, do desejo de crescermos juntos e brilharmos individualmente. Enfim, cada relacionamento tem um tom e uma intensidade.
Somos como um farol aceso ao qual os outros são atraídos pelo brilho! Unimo-nos na melhor das intenções e com muitas expectativas. É uma emoção que nos colore e de certa forma, nos tira do mundo externo e do vazio. As trocas são acertadas, mesmo que silenciosamente. Tudo parece justo e acertado.
Criamos assim nosso casulo que vira um sistema hermético, também de possibilidades. Doações saudáveis sempre são em vias duplas. Ao longo do tempo, inovamos, mudamos, sim; nós mudamos a nós mesmos, nos reinventamos e mesmo sem essa consciência, estamos na vida para sermos nosso melhor. Perdemos um pouco a percepção de que cada um é um indivíduo e podemos andar em sentido diferente ou velocidade diferente do nosso parceiro. É natural que sejamos diferentes.
Quem olha com atenção para seu caminho e se vê mais naturalmente, pode começar a deixar de estar disponível a coisas que não são mais tão importantes como antes, no período da fixação da relação. Este é o marco do fim da paixão. O brilho inicial está ofuscado pela química saciada que voltou ao normal, pelo dia-a-dia em comum que pode se transformar em um sentimento novo ou pela mesmice no afeto, pela falta de espaço e entendimento sobre a evolução individual. Não há quem aguente lutar contra nosso interior que quer evoluir, apesar da relação, dentro ou fora dela.
Se a decisão é inconsciente, mas foi de seguirem rumos separados, agora com luzes apagadas, olhamos em volta e não sabemos como sair da nossa própria prisão, fria e triste, onde somos os carcereiros, cuidando para que nada mude de lugar ou situação. Não está bom para ninguém. Resta-nos a impotência, o isolamento emocional, o distanciamento mudo, a sensação de desvalor na relação, o descompasso e até o descaso. Nós estamos mudados e os outros também. A evolução chama por todos.
Mas nossos interiores se interconectam, afinal, nos encontramos um dia e as mensagens ainda são de ida e vinda. E sem percebermos, sinalizamos o desejo interno de um motim, que seja para uma salvação, onde possamos, juntos transformar ou mesmo com muita dor, abrirmos as portas e nos deixarmos andar, crescer, mudar, sair, ver o mundo novo, aquele onde transitávamos com brilho, o mesmo encanto que atrai pessoas e situações favoráveis.
Enquanto adiamos essa resolução, um dos parceiros é levado, repito, inconscientemente, mas pelo poder de ambos, a enxergar uma nova luz para os seres envolvidos que afetará a todos. Estamos destinados a crescer interiormente. Novos encontros se formulam. Novos caminhos se desenrolam. Entram pessoas no nosso quadrado já tão apertado.
Em diversas culturas, esta situação é chamada de traição. Esta palavra vem de traditione que significa entrega. Não será a entrega de nossa alma de volta? Será não trair nossa alma, mas assim ter que trair o outro?
Nunca é uma tarefa solitária, houve a decisão de ambos pelo rompimento dentro de cada peito.....mas sempre há uma maneira amena de fazer uma transição.
A constatação nos traz dor em todos os nossos corpos. Dói o coração físico, cada respiração, cada pensamento. Precisamos dar ao outro o direito de não nos querer mais como inspiração, amor, sexo, companhia e cumplicidade. De alguma forma, enviamos essa mensagem anteriormente e pode não parecer, mas é certo. Gestos frios, palavras não ditas, ações adiadas, amor reservado e desatenção verdadeira saem da nossa vida, às vezes com certo alívio.
Quando nos sentimos traídos, por não aguentarmos a névoa da insegurança, sofremos muito e na verdade também podemos nos sentir culpados pelo insucesso da relação - que enquanto durou pode ter sido boa o suficiente - mas, agora, vista por novos ângulos, parece adoentada. Podemos piorar o quadro, fazendo-nos de vítimas ou nos sentindo reais vítimas desse processo criado em parceria, que aparentemente causa comoção e o olhar justiceiro de todos e o pior, nossa estagnação. Tentamos punir o outro, tudo e todos, mesmo sendo a nosso favor, porque ainda não sabemos desta grande armação do invisível. O apego nos faz sofrer nesta fase. Na hora, nada parece justificar! Dói e dói muito!
Quando nos sentimos "os traidores", podemos padecer de culpa mais explicitamente. Também podemos nos jogar numa nova relação fingindo que não estamos iniciando do zero o mesmo que vivemos anteriormente. Teremos atraído exatamente aquela pessoa acertada para nossa nova fase, repleta de bem e mal. Quanto menos olharmos para trás, melhor, pois mais nos lembraríamos de nós mesmos como uma pessoa infiel. Sair de cena seria o ideal!
Mas, repentinamente, começamos a nos ver mais inteiros, mais observadores das nossas necessidades, mais afinados em nós, cuidando amorosamente e nos fazendo companhia, nos dando alegrias e prazeres, buscando novos aprendizados e interesses. Rejuvenescemos! Nos desintoxicamos! É um bônus de vida!
Quanto maior a visão desse pacto a dois, mais fácil será o desligamento da dor e do passado. Novos vínculos surgirão para ambos, novos caminhos e afinidades que com o tempo terão que se redirecionar também. Essas mesmas pessoas sempre terão essas vivências na lembrança, mas a certeza de que cada dois que se juntam vivem uma história nova, de jeito e resultados inéditos, também é fato. Nada mais a comparar e sofrer. O bom para um pode ser o inferno para outro!
E como por encanto, num belo dia, estamos brindando à vida nova! Tudo passa e isso também passará. O mundo está preparado para receber pessoas que se sentem capazes de fazer a diferença apesar dos sofrimentos e criar um novo rumo para si mesmas. A traição por si só não existe, mas é um acordo cego, surdo, mudo e sofrido. Com certeza podemos evoluir com acordos positivos entre pessoas desde o início, com firmeza em si e na sua evolução individual.
por InesBastos.
Texto revisado
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