Amigo do meu irmão

 

Existe uma música da tradição do daime que diz assim:

Para sempre, para sempre
Amigo do meu irmão
Que ele é a minha luz
Neste mundo de ilusão

Por que estou lembrando desta música? É que ontem estive com algumas pessoas, e me peguei julgando com certa acidez algumas delas. E pra falar a verdade, ao perceber o meu julgamento, me sinto incomodado. Creio verdadeiramente que somos todos irmãos, somos todos iguais, e aquilo que vejo no outro, é porque existe em mim. E então comecei a analisar: em que parte específica fiquei incomodado com o outro? Algumas respostas vieram: houve um momento de intromissão, onde determinada pessoa invadiu a condução de um trabalho, de forma truculenta. Isso me incomodou bastante. Quase que imediatamente, lembrei-me das mulheres que participaram da minha vida e também agiam desta forma rude, quase masculina, agressiva...
Como sou terapeuta de constelação familiar sistêmica, aprendi com Bert Hellinger, o criador desta técnica, que tudo tem o direito de pertencer... inclusive mulheres truculentas. É lógico que, ao perceber que este tipo de comportamento me incomoda, posso ainda ver que principalmente minha avó e minha ex-mulher, que muitas vezes adotaram posturas truculentas e inflexíveis, determinando de forma rígida a própria vontade, não estão bem assentadas em meu coração. E que algo em mim se sente magoado por não ter tido força de se colocar. Então, o problema é meu, não é verdade? Algumas linhas psicológicas chamam esta parte do ego de "criança ferida". Conforme aprendi com a constelação, também incluo a minha criança ferida. Deixo que ela exista. Ela faz parte. Existem mulheres truculentas. Existem crianças feridas pela truculência das mulheres. Este é o meu aprendizado com esta determinada personagem.
Não é possível forçar o amor. Nem a aceitação. Isso acontece naturalmente, quando a fruta está no tempo de amadurecer. E não existe pecado nenhum em se ter mágoa, ou em criticar, não gostar da atitude dos outros. O incômodo ocorre porque, em essência, somos amor, e qualquer impedimento para que este fluxo de amor seja livre, causa incômodo lá no fundinho da alma. Queremos amar incondicionalmente. Queremos perdoar totalmente. Queremos sorrir mesmo diante de atitudes não amáveis. E creio que estamos caminhando para isso, passo a passo...
O outro incômodo que senti foi em relação a uma pessoa que expressou sua raiva, seu inconformismo... Diante de uma situação que, para mim, é absolutamente normal... Bem... qual é o meu aprendizado com isso? Pensei, pensei, pensei, e comecei a rir. Rir muito... Porque, no fundo, eu fiquei com raiva e inconformado com uma atitude da primeira personagem que é absolutamente normal! Pessoas feridas gritam... Gritam da forma que sabem! Seja atrapalhando o trabalho dos outros, seja mostrando suas garras e truculência... Absolutamente normal. E esta pessoa estava "gritando", através da sua raiva contra outra pessoa, que lhe faltou com a palavra. Assim como eu estava gritando contra a mulher truculenta. Eu não sou absolutamente diferente de nenhuma dessas pessoas! Que hilário!
Após o acesso de riso, parei, e respirei. O que posso fazer com esta compreensão? Como aprendi no yoga, a única coisa a fazer diante de algumas limitações é relaxar. Relaxar. E depois, ao perceber o meu comportamento que incomoda, colocar a intenção de ser mais dócil, amoroso. Só isso já possui o dom de ampliar os limites para mais longe. A graça da cura da personalidade vem de Deus. Mas nós, seres humanos, temos o dom de colocar a intenção. E observar. Sem julgar. Ou pelo menos, ao perceber o julgamento, deixando-o passar. Seja o julgamento do próximo, seja o julgamento de nós mesmos. Penso que, para ser amigo do meu irmão, devo ser meu amigo também. E vice-e-versa.
Para sempre, para sempre, amigo do meu irmão
Que ele é a minha luz, nesse mundo de ilusão

 

Alex Possato é terapeuta, conduz cursos de formação em constelação familiar, é facilitador de vivência de Imagem Profissional e coordenador do projeto Casa Amor em Movimento (www.casaamoremmovimento.com)