CONDENADO A LIBERDADE

   

Autor Oliveira Fidelis Filho

Reconheço e busco ser grato aos benefícios advindos de quem pensa diferente de mim. Como psicanalista, tal manifestação é, em muitos aspectos, reveladora. Não só cutuca as sombras existentes forçando-as a se manifestarem, possibilitando serem diluídas na luz de uma consciência expandida, como coloca à prova a paciência, humildade, flexibilidade e a não reatividade que busco desenvolver.

Via de regra não julgo quem me julga mas busco julgar os sentimentos que brotam em mim quando por alguém sou julgado.

Os críticos são valiosos parceiros quando devidamente aproveitados. São muito atentos e dedicados ao que produzimos, incansáveis em apontar nossos deslizes e desempenham esta tarefa gratuitamente. Além de nos auxiliar no autoconhecimento ou em uma possível revisão do que produzimos, permite-nos também conhecê-los, pois, em relação aos tais, vale a reveladora observação: "Enquanto Pedro fala de João, conheço melhor Pedro!".

Ficarmos paralisados, estimulados ou indiferentes diante da desaprovação ou aprovação de alguém dependerá do que somos feitos em termos de maturidade, segurança e flexibilidade. Por vezes, a crítica ressaltará as deficiências ou méritos de uma obra; em outras, é a obra que manifestará o mérito ou limitação do crítico. Seja como for, não é sábio "assassinar o carteiro", ou seja, nos insurgirmos contra quem nos desaprova, pois corremos o risco de estarmos nos desfazendo de um importante aliado.

Agir com tranqüilidade, equilíbrio e proativamente diante das críticas e percebê-las potencialmente benéficas não é tarefa fácil. Perceber a necessidade de rever conceitos e atitudes, ou sentir-se privilegiado por pensar e agir diferente, é o que também pode determinar o benefício ou não de uma crítica.

 Dias desses, um leitor após ler meu texto SEXO, O RIO DA VIDA, trasbordou em palavras a sua desaprovação. Munido da Bíblia, de gritante ignorância e de ausência de argumentos, recorreu à arma que boa parte dos religiosos gosta de usar: evocar o pecado, o diabo, a culpa, o medo e o julgamento divino, ou seja, lançou mão do discurso ainda eficiente para paralisar a mente, escravizar o coração e apropriar do bolso dos menos esclarecidos.

Por mais desconforto que o comportamento de alguém possa gerar, sinto-me recompensado quando, tomando o tempo por aliado, consigo desviar o foco, mudar de janela, restaurar a harmonia interna. Deixar esfriar uma confrontação, uma acusação, uma frustração, uma perda, uma agressão, até que a paz retorne que a água remexida e turva acalme e volte a ser límpida ou, até que a cegueira da raiva instintiva e inconsciente devolva o comando à produtiva harmonia racional e consciente é, para mim, inigualável sensação de vitória sobre meus próprios demônios.

Pelos critérios do referido leitor, estou "afastando-me de Deus", "da igreja de Cristo", "o diabo está vencendo..." Senti-me condenado e antecipadamente "ardendo no mármore do inferno".

Passados alguns dias, voltei a ler o e-mail do meu abençoado e valioso leitor. Quão diferente suas sinceras observações me pareceram! Quão verdadeiras, pois também me sinto realmente condenado.

Condenado a perceber que o que de Deus pode ser visto, intuído e sentido, encontra-se em todos os livros sagrados de todas as expressões de espiritualidade. Que, também nestes livros, há coisas muito ruins que precisam ser entendidas à luz do contexto histórico, além dos interesses políticos e religiosos daqueles que fecharam tais cânones.

Condenado a pautar a vida sob uma única Lei, a lei do Amor, pois quando vivo a partir dela não é necessário qualquer outro preceito.

Condenado a enfrentar todos os dias o grande julgamento de minha própria consciência, sendo absolvido ou não, a partir de atos, pensamentos e sentimentos maiores oriundos do Amor.

Condenado a viver livre dos guetos asfixiantes das religiões e do fundamentalismo religioso. Livre da aridez da letra que, nao raras vezes, possui o poder de matar, da repetição enfadonha das práxis, das prisões dos dogmas e dos nocivos vícios que a religião induz.

Condenado à vida plena, a viver sem medo, sem culpa, a sentir um paraíso no meu próprio coração.

Condenado a uma visão cada vez mais holística do Amor de Deus, acompanhado de uma fé na essência divina em cada existência humana.

Condenado a uma congruência existencial, a uma harmonia interna, a carregar um céu na própria alma.

Condenado a viver livre do estigma do pecado, do inferno da culpa, da vergonha e do medo, usufruindo da deleitosa presença Crística a expandir-se em mim.

Condenado a me sentir parte integrante do universo, filho da Luz, herdeiro da Terra, apaixonado pelo Criador e pelas criaturas.

Condenado pelos doutores da lei, os donos dos templos; no entanto, cada vez mais próximo e aceito pelas pessoas que, como eu, são apaixonadas pela vida, ávidas por expandir sua espiritualidade, mas que não suportam mais a moral meritória, a bênção comprada e a religiosidade alienante que age como um verdadeiro ópio.

Condenado a viver sem máscara, sem hipocrisia, sem farisaísmo e sem formatos, mas cativo do Amor a vida em suas múltiplas expressões.

Condenado a liberdade, a mesma vivida por Jesus o Cristo, e que ainda está à disposição de todos os seres humanos.

Avaliação: 5 | Votos: 10

     

Conteúdo desenvolvido pelo Autor Oliveira Fidelis Filho    Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui.